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Se falhou na liderança da política monetária, Lagarde dificilmente será uma opção credível para desafios ainda mais complexos. Tem os próximos quatro anos para corrigir este legado.

Na próxima semana completa-se a primeira metade do mandato de oito anos de Christine Lagarde como Presidente do Banco Central Europeu (BCE). O balanço não é bom. O mandato de Lagarde, que começou a 1 de Novembro de 2019, foi pontuado por choques que complicaram a atuação do BCE. Não é óbvio que outra presidente ou outro conselho executivo tivesse feito um trabalho melhor. No entanto, a trajetória da inflação, acima do objetivo do BCE desde Julho de 2021, e alguns erros não forçados, sugerem que estes quatro anos poderiam ter sido melhores.

Os dois primeiros anos do mandato de Lagarde ficaram marcados pela pandemia e pela revisão da estratégia do Banco Central Europeu. Os dois últimos anos destacaram-se pela inflação mais elevada na história da zona euro.

Inicialmente, a pandemia ameaçou arrastar a economia da zona euro para uma crise financeira e económica, com uma inflação demasiado baixa. As ações do Banco Central Europeu foram cruciais para evitar esta crise financeira. No entanto, Lagarde teve algumas gaffes de comunicação que tiveram repercussões nos mercados financeiros. Por exemplo, em Março de 2020 causou pânico ao anunciar que não era o trabalho do BCE fechar os spreads dos países periféricos da zona euro. Em Setembro de 2020, ao parecer desvalorizar o fortalecimento do euro, contribuiu para que o euro subisse ainda mais em relação ao dólar, apesar dos efeitos negativos na recuperação económica e na inflação (que na altura estava demasiado baixa).

A revisão da estratégia do BCE foi ambiciosa, e incluiu discussões sobre a globalização, digitalização, e as mudanças climáticas. No final, a mudança mais significativa foi algo súbtil: em vez de “uma inflação abaixo mas próxima de 2%”, o objectivo do BCE seria agora “uma inflação de 2% em que desvios positivos ou negativos são igualmente indesejáveis”. Esta revisão implica um aumento ligeiro das expectativas de inflação na zona euro. Curiosamente, foi implementada em Julho de 2021, precisamente no mês em que a inflação na zona euro bateu pela primeira vez a barreira dos 2%.

Na altura, a explicação predominante para a inflação, que não era exclusiva de Lagarde, eram os problemas da cadeia de produção relacionados com a pandemia. A inflação seria temporária, e o BCE não deveria reagir. A invasão russa da Ucrânia em 2022 reforçou esta posição. Hoje é claro que esta perspectiva foi ela própria temporária, e a inflação acabou por ser muito mais persistente. Isto deve-se em parte ao prolongamento da guerra, mas também a um nível de procura que superou as expectativas e à falta de reação do BCE.

Apesar da inflação acima dos 2% em Julho de 2021, o BCE demorou sensivelmente um ano a subir as taxas de juro (meio ano depois dos Estados Unidos e do Reino Unido), e aumentou ligeiramente o objectivo para a inflação. Entretanto, as expectativas para a inflação subiram, e os preços aumentaram em antecipação. Eventualmente o BCE aumentou as taxas de juro, tentando recuperar tempo perdido. Dificilmente o BCE teria chegado ao seu objectivo para a inflação aumentando os juros mais cedo mas é possível que a inflação não tivesse subido tanto, e que as taxas de juro não tivessem de permanecer elevadas tanto tempo.

Apesar da crise inflacionária, Lagarde tem abordado um leque impressionante de temas políticos e económicos, incluindo questões climáticas, humanitárias, geopolíticas, ou o futuro do sistema económico mundial. A 1 de Novembro de 2023, quatro anos depois do início do mandato de Lagarde, será lançada a “fase de preparação do euro digital”. Este passo faz lembrar a inauguração de uma obra inacabada, algo mais típico da esfera política. Aliás, esta é uma sensação que fica da primeira metade do mandato de Lagarde, uma certa preparação para um retorno à política não-monetária, seja no contexto francês ou europeu. Para já, esse possível retorno não parece promissor. Se falhou na liderança da política monetária, dificilmente será uma opção credível para desafios ainda mais complexos. Lagarde tem os próximos quatro anos para corrigir este legado.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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