Fazer laranjada sem cortar laranjas
Foi precisa uma hecatombe eleitoral autárquica para pôr o PSD a discutir estratégia e, imagine-se!, ideologia.
Nas 24 horas seguintes ao fecho das urnas lembro-me, assim de repente, de Morais Sarmento, Pedro Duarte e Ângelo Correia virem colocar (cada um à sua maneira, bem entendido), as opções ideológicas e doutrinárias do PSD no centro dos motivos da derrota do partido nestas eleições. A estes podemos juntar dois “ex-militantes mal resolvidos”: José Miguel Júdice que, no seu novo espaço em prime time na TVI (Belém no horizonte?) acha que se deve explorar o potencial do “liberalismo avançado”; e Pacheco Pereira que considera que a deriva neoliberal de Passos Coelho matou a social-democracia no PSD e aparenta ter saudades do tempo em que o jornal da JSD se chamava ‘Pelo Socialismo’.
Cada um à sua maneira, todos acham que a debandada dos eleitores urbanos, dos jovens e dos “setores dinâmicos” da sociedade se fica a dever à nebulosa doutrinária em que o PSD, em boa verdade, sempre viveu, mas que os tempos mais recentes tornaram verdadeiramente incompreensível, em especial depois do partido ter sido Poder durante os anos da troika.
Esta realidade conduziu não apenas à “ruralização” (nem acredito que estou a citar Miguel Relvas) do partido, mas sobretudo ao seu envelhecimento e estagnação. O PSD deixou de ser relevante para aqueles que podem assegurar o futuro e o desenvolvimento de Portugal. Por isso, é tão importante para o partido que discuta ideias e as condense numa conceção de sociedade que tenha relevância para os mais jovens e para os mais dinâmicos de entre nós.
Aqui chegados, podemos adivinhar que não vão faltar os ‘pragmáticos’ que, sedentos de uma solução rápida e indolor para a recuperação eleitoral, tenderão a recorrer ao empirismo de olhar para o PS para ver como é que se conseguem ganhar eleições.
O problema é que o PS não ganhou as eleições por ter uma ideologia muito clara ou relevante para os eleitores. O PS ganhou porque pôs mais dinheiro no bolso das pessoas e, através de uma eficaz comunicação política, transformou esta ‘reposição de rendimentos’ numa bandeira política tão grande que consegue, para já, esconder o facto de ser um caminho insustentável a prazo.
Portanto, a grande questão será saber se o PSD sucumbe à tentação de mimetizar o PS, se calhar encontrando as suas próprias maneiras de ‘repor rendimentos’. Não é uma tentação pequena. Infelizmente para as aspirações eleitorais de médio prazo do PSD, uma estratégia baseada numa atualização ideológica coerente não produz resultados imediatos, em particular quando a alternativa parece estar a funcionar a curto prazo.
Para piorar as coisas, qualquer estratégia só é tão boa quanto a sua implementação. Em particular, não é indiferente saber que equipa, a começar pelo líder, será responsável pela execução da linha estratégica que vier a ser adotada.
Neste sentido, interessa olhar para os putativos candidatos a líderes de um partido que se pretende rejuvenescer: Rui Rio, Pedro Santana Lopes, Paulo Rangel e Luís Montenegro são os homens (onde estão as mulheres do PSD?) de quem se fala. Todos terão mais de 50 anos à data do congresso eletivo de 2018, à exceção do maçon Luís Montenegro.
Todos exercem funções políticas de primeiro plano há mais de 15 anos, alguns há mais de 35. Mas ninguém pode, em consciência, considerar que algum deles tenha o perfil indicado para rejuvenescer o partido e desmantelar a autêntica rede de interesses em que se transformou o aparelho do PSD.
Sejamos claros: se o PSD se quer reinventar, se quer adotar uma estratégia que volte a torná-lo relevante junto dos mais jovens e dos mais dinâmicos, terá de assumir ruturas com o seu passado. A começar pelos barões e a acabar nos pequenos e grandes caciques que a nível local introduzem rigidez e entropia na ação política do partido. Este momento de mudança é uma oportunidade para o PSD escolher uma via ideológica e um líder que não seja uma mera evolução na continuidade. Será que vai aparecer alguém capaz de o fazer?
Alguém que perceba que não pode fazer laranjada sem cortar laranjas.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Fazer laranjada sem cortar laranjas
{{ noCommentsLabel }}