Governo Mutante
Este Governo é de uma vulgaridade pública que sempre foi privada. É o vandalismo político, é a ambição sem talento, é o insulto sem razão.
Na noite em que o ministro das Infra-Estruturas defende a reputação política do Governo na Comissão Parlamentar de Inquérito, o primeiro-ministro está no concerto dos Coldplay. As luzes do concerto não apagam a prosa política de um Ministro em colapso perante o país. A prosa política do ministro só revela a futilidade de um primeiro-ministro que, entre a adolescência retardada e a nostalgia da juventude, ignora a dignidade do Estado e as exigências da responsabilidade de um Chefe de Governo.
Não sabe, não vê, não age, mas delega tudo em criaturas políticas em quem nada deve ser delegado para depois poder dizer que não é responsável. Em cenário alternativo, o primeiro-ministro sabe de mais, vê à distância, calcula ao milímetro e age na sombra. Em qualquer dos casos, Portugal não precisa de um primeiro-ministro ausente, inimputável e calculista. O ministro na Comissão é uma criatura de Costa, uma espécie de Frankenstein meio-vivo porque meio-morto. Só que o Governo é o Olimpo dos incapazes e a comédia dos enganos sempre entretém o país distraído.
A mutação política do Governo à vista do país vai do céu perfeito da maioria absoluta à deplorável batalha por uma mochila no quarto andar de um Ministério, como se o Ministério fosse o palco de um arrastão, como se o Ministério fosse uma estação de metro suburbana testemunha de um roubo por esticão. Pois o que Portugal tem hoje é um Governo que deriva de uma organização informal, disfuncional, marginal, que governa o país com se este fosse a favela da Cidade de Deus.
Na vertigem frenética da incompetência, a incompetência transforma-se em arrogância, a arrogância transforma-se em impunidade e a impunidade provoca a corrosão das Instituições e da Democracia. Este triângulo estrutural destrói a credibilidade do Governo, derrete a seriedade das políticas públicas, esvazia as palavras vazias de um Executivo paralisado pela sua própria incapacidade. O Governo já não consegue governar o país porque o Governo está preocupado apenas com a sua sobrevivência política. Um Governo que se serve do país em vez de servir o país. Eis a completa inversão da prática democrática transformada em absoluta normalidade socialista.
A audição do ministro das Infra-Estruturas é uma continuação fiel do eterno confronto entre Dr Jeckel e Mr Hyde. Pacífico, paciente e tolerante, o ministro exibe a sua dupla personalidade num discurso confuso, mal preparado, preguiçoso, centrado apenas para afastar responsabilidades e identificar o traidor da República na pessoa do adjunto exonerado. Enredado nas datas e nas horas dos telefonemas, SMS, WhatsApp’s, tudo resulta num enorme nevoeiro em que a verdade é a vítima e a narrativa política domina a realidade. A verdade em política é a vitória de uma narrativa contra a narrativa rival. Quem domina a narrativa domina a realidade e a realidade torna-se numa extensão da conveniência política. Para o Governo a narrativa e a propaganda políticas são a acta apostólica do grande evangelho socialista. Governar é dominar os termos da acta apostólica.
Mas o ministro das Infra-Estruturas por nomeação do primeiro-ministro não consegue esconder a impreparação e a superficialidade técnicas para assumir uma pasta tão importante para o progresso e desenvolvimento da nação. Os dossiers parecem lidos na diagonal, os resumos executivos dominam o discurso político, o tempo parece ser pouco e curto. Falta sobretudo peso político, visão profunda das opções políticas, falta uma perspectiva complementar e integrada de uma ideia para um país em que os transportes e os equipamentos estão ao serviço de um Portugal europeu e desenvolvido. Sobra pose e vaidade onde falta competência e densidade política.
E o ministro que responde sempre com a frontalidade dos puros – a vontade do Governo não será ofuscada por reticências burocráticas, nem por legalismos puritanos, nem pela mesquinhez de uma oposição excluída da governação por vontade livre e popular. Não, o Ministro não se demite. Não, o poder não é uma droga. O poder é apenas o oxigénio dos heróis.
Há um outro aspecto neste Governo que fica bem patente com a descontracção do primeiro-ministro nos Coldplay e com a leviandade do ministro das Infra-Estruturas na Comissão de Inquérito. O Governo socialista não consegue controlar as causas da governação, por isso acaba por ser governado pelas consequências da ausência de governação.
Mas mais ainda, o Governo num elenco estapafúrdio, míope, minimalista, está formatado para ser a prova de selecção para o próximo Secretário-Geral socialista. Veja-se que todos os problemas políticos envolvem presumíveis herdeiros, observe-se que os Ministérios dessas personagens se anulam mutuamente, diga-se que o PS instrumentaliza o Governo para seu benefício próprio. A luta pela sucessão no PS está a paralisar o Governo que tem um país como refém.
Este Governo é de uma vulgaridade pública que sempre foi privada. É o vandalismo político, é a ambição sem talento, é o insulto sem razão. Este Governo não tem um sonho ou hipótese de futuro. Este Governo é um estilhaço sem esperança.
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