Hampi, a eterna
Visualizem uma planície em tons de areia, onde explodem oásis de palmeiras e arrozais em tons verde fluorescente, bombardeados por ziliões de gigantescas pedras misturadas com magníficos templos.
Às vezes vale a pena estar dez horas a comer pó, num autocarro que vai partindo peças pelo caminho, só para chegar àquele Xis no mapa que vai fazer da nossa memória um sítio em que até a imaginação quer passar férias.
Este não é esse sítio. Chegar a Hampi depois do último barco (17h30) é ser-se recambiado para um subúrbio às escuras, onde locais realojados cobram demasiado por um colchão duro e banho-a-balde. O viajante, por sua vez, é uma peça gasta num Jogo de Damas entre motoristas de tuk tuk que tentam ganhar comissões com o quarto escolhido. De noite e de rastos, quem perde somos nós.
Mas depois, o dia nasce e descobrimos um cenário tão surreal que até acreditamos naquelas teorias sobre aliens do passado, inventadas por passados do presente, à espera de presentes do futuro. (Sim, podem voltar a ler.)
Ora, visualizem uma planície em tons de areia, onde explodem oásis de palmeiras e arrozais em tons verde fluorescente, bombardeados por ziliões de gigantescas pedras misturadas com magníficos templos e palácios em ruínas. Agora, podem multiplicar por cem.
As lendas não mentem: Hampi é o sítio mais espetacular do sul da Índia. É um híbrido entre Angkor Wat, no Camboja, e Atenas na Grécia, no meio do Grand Canyon, depois de um terramoto. Além de ser remoto, o sítio tem uma tendência natural para se fazer pedra pois, além das ruínas de ontem, o Governo decidiu agilizar a coisa e está a mandar os habitantes embora com demolições do código postal. Não se querem locais no local. Tendência aliás, bastante atual. Mais pedras ficam.
Mas Hampi já teve mais gente que pedras: no século XIV foi a capital do gigantesco império Vijayanagar ou, como lhe chamavam os portugueses por essa altura, o Reino de Bisnaga. Os melhores relatos são de Domingos Paes, um português que cá viveu dois anos, em 1520, num diagnosticado estado de deslumbramento crónico. Basicamente, Hampi foi o maior e mais abundante Reino daqui até Roma e, tal como Roma, caiu e foi usurpado pelos povos bárbaros mal calçados: os turistas.
Assim, Hampi espelhou-se noutra margem e criou uma “ilha” dedicada aos viajantes. De um lado, os incríveis palácios. Do outro, os descontraídos hostéis low cost. De uma margem, chega o eco das orações e pujas feitas no altíssimo templo Virupaksha; da outra, as batidas chill out shanti de um bar à beira rio, ali os estábulos dos elefantes, aqui as garagens das scooters, além descem-se os ghats sagrados até ao rio, aqui escalam-se pedregulhos com glórias de montanha. Lá ficam os Banhos da Rainha, cá estão as cascatas para quem quiser. Não há quem não se apaixone pela Hampi do passado mas todos querem viver com a Hampi do presente.
Podem imaginar que, mais difícil do que cá chegar é de cá conseguir partir. E, quanto mais tempo cá passamos, menos razões temos para fugir. Na verdade, só há um sítio mais sumptuoso que Hampi, o império e mais sedutor que Hampi, a ilha. É Hampi, a inesquecível memória. É para lá que regressaremos, no futuro.
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