Migrantes e o Novo Império

Pode escrever-se uma História da Europa a partir da flutuação das fronteiras. Lisboa, a cidade que instalou candelabros nas árvores dos jardins públicos transformados em novos bairros para imigrantes.

O debate sobre a imigração está colonizado por preconceitos e por ideologias. A imigração é boa porque torna o país multicultural e cosmopolita. A imigração é má porque ameaça a integridade de uma comunidade de destino. A imigração é um direito humano porque nenhum ser humano é ilegal. A imigração é má porque representa uma ameaça à identidade nacional. Este confronto entre Esquerda e Direita é uma guerra cultural sobre o futuro do estado-nação e no limite sobre a própria ideia de Europa.

Convém relembrar que a Europa é a União do Continente com base nos contornos internos das fronteiras nacionais. E as fronteiras internas na Europa raramente são naturais porque são políticas, resultam dos vencedores das guerras e muitas vezes são produto dos acidentes da História contra a vontade dos homens. Os imigrantes são sempre os derrotados da guerra, da economia, da política.

A nova argumentação sobre os benefícios da imigração ganha agora contornos absolutamente económicos. Subitamente convergem as ideias de refugiado, as derivações de racismo, as exigências dos exilados políticos, as acusações de xenofobia, tudo numa enorme confusão onde o argumento económico flutua como o único argumento concreto, absoluto, realista. Portugal precisa de 100.000 imigrantes para manter o ritmo de crescimento económico. O país precisa de imigrantes para poder cumprir os propósitos do PRR. Portugal precisa de imigrantes para a sustentabilidade da Segurança Social. A nação precisa de imigrantes para repor o stock de cidadãos. O stock de cidadãos abala os alicerces da identidade de uma nação, mas este argumento é político e a política está excluída desta discussão meramente económica. Passado o novo-riquismo dos nómadas digitais, os nómadas nucleares ao futuro da Europa são os imigrantes que vêm colmatar uma realidade que ninguém quer reconhecer – a crise demográfica e o défice humano na Europa. No contexto demográfico, Portugal caminha para o estatuto de um estado falhado.

Perante a fragmentação e polarização política na Europa, perante a deslocação do consenso político americano da Europa para Miami, perante a interdependência económica da Europa sem a garantia da segurança da América, perante a falência do Contrato Social numa Europa que antecipa a guerra e não a prosperidade, o Continente em declínio percebe que, ou se abre ao Mundo, ou se remete à gestão do declínio económico e político. Portugal enquanto país consciente do atraso, incapaz de garantir a dignidade e a prosperidade dos portugueses percebe que a dignidade e prosperidade dos portugueses dependem dos imigrantes. Há qualquer coisa de colonial nestes argumentos e em que os fundamentos do colonialismo são usados com inversão de valor político justificada pela prosperidade da nação e da Europa. Afinal o investimento público não resolve todos os problemas e há necessidade de uma política de maior risco económico e político. A criação de pequenas nações internas de modo a garantir a grande nação original e primeira.

O Nacionalismo na Europa retoma a ideia de que é preciso estar disposto a lutar e a morrer pela nação. Mas esta cláusula não consta do Contrato Social que sustenta a Europa e Portugal. A questão da Segurança deixa de ser apenas uma discussão no âmbito do Orçamento para se tornar uma equação na contabilidade dos homens em armas. O dilema político é entre a Segurança e o Estado Social. Não existe matéria humana nem solução política para este dilema. E perante o medo e a ansiedade de uma crise demográfica existencial surge então a grande questão da imigração.

Enquanto Silicon Valley discute a imortalidade dos homens, a Europa redescobre a mortalidade do estado-nação.

A Europa vive os últimos dias do consenso do pós-guerra ao mesmo tempo que experimenta os primeiros sinais de duas rebeliões contra a extinção. A Esquerda centra o seu discurso nas ameaças das alterações climáticas criadas pela ganância insuportável de um capitalismo predador. A Direita centra o seu discurso nas ameaças da imigração à identidade e ao modo de vida europeu. O argumento económico sobre a imigração reforça a resistência à Direita na forma da Teoria da Substituição ou a realidade de uma Europa sem Europeus. Esquerda e Direita estão unidas na convicção de que o futuro representa um fechamento e uma ameaça. E quando o futuro é antecipado como uma ameaça é a própria existência da democracia que está em risco.

Pode escrever-se uma História da Europa a partir da flutuação das fronteiras. Genebra, a cidade onde as partículas subatómicas atravessam a fronteira Franco-Suíça 20.000 vezes por segundo. Valga-Valka, a cidade onde os baloiços das crianças balançam para trás e para a frente cruzando a fronteira entre a Estónia e a Letónia. Lisboa, a cidade que instalou candelabros nas árvores dos jardins públicos transformados em novos bairros para imigrantes.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Migrantes e o Novo Império

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião