
Moção de Comissão
As eleições são uma espécie de “decreto-remendo” em que todos prometem fazer o mesmo. E a política em Portugal só conhece a violência da passividade.
O país está triste. Os portugueses exibem um alto grau de desilusão. O país permanece indiferente. Os portugueses continuam a viver a política com a compostura dos figurantes. Agora são as eleições antecipadas que se anteciparam ao país. As eleições surgem por uma espécie de inércia automática que comanda a vida da nação. Os automatismos da democracia portuguesa têm muitas denominações – incompetência, demissão, corrupção, indecência, moções várias, oportunismos políticos de conveniência. O que não há em Portugal são escândalos sexuais – país dos bons costumes, país dos puritanos, país dos mais superiores hipócritas.
Os portugueses votam por reflexo automático e ausência de opções políticas convincentes. Reserva-se um domingo que não perturbe nem o futebol nem Fátima e os portugueses arrastam-se em peregrinação às assembleias de voto para repetirem o fado de um voto triste. As eleições em Portugal são a versão política do fado menor. Fado, Futebol e Fátima, cinquenta anos depois de Abril e a trilogia do Estado Novo revela-se em versão pós-moderna. O Parlamento hesita e os partidos políticos tomam suplementos para resolver o dilema da sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República. Com o país parado, a democracia portuguesa está preocupada com uma cerimónia de auto-celebração que não celebra o presente nem o futuro. Depois desta dissolução, este 25 de Abril será sempre o confronto entre vencedores e vencidos no país onde todos perdem. Que o 25 de Abril seja uma data para reflexão do estado do regime. Fazem uma revolução para votar e de tanto votar ainda ninguém consegue responder para onde vai Portugal?
Depois vem o jamboree da Moção de Confiança. Antes das matinées da Comissão Parlamentar de Inquérito. Nova desilusão em que o país não tem direito nem à Moção nem à Comissão. Opera-se um curto-circuito político e vamos directos para eleições antecipadas. Novamente é a inércia automática da política nacional. Uma política nacional que é comandada por mecanismos premonitórios de prevenção de desastres. Mas os portugueses não conseguem perceber se o desastre é a interrupção da governação ou se o desastre é a antecipação das eleições. Percebe-se que há um qualquer desastre político que subitamente ganha vida própria e impõe o destino da nação.
O desastre do debate da Moção de Confiança é uma caricatura da política. Primeiro, porque a política se recusa a comparecer. Depois, porque entre discursos, propostas, posturas, surgem os vícios de um jogo revolucionário em que o objectivo é boicotar qualquer esforço sério para discutir política. O debate traz à superfície o pior que a pseudo-política tem e que pode ser denominado por gangsterismo parlamentar. Vamos negociar a céu aberto, vamos trocar benefícios aos olhos da nação, vamos ser fortes e vamos ser fracos, vamos pedir e vamos recusar, vamos ser bastardos da política democrática e no seu lugar exibir aos portugueses um filme catástrofe. Sem noção do ridículo e sem alma a democracia portuguesa encosta o peito perto de um coração selvagem. A tarde do debate foi uma tarde triste com a nostalgia dos grandes momentos da política que fazem a História de um país. É assim que esta geração de políticos quer ser respeitada e relembrada?
Conclusão – o PS ganha e o PSD perde. Conclusão – o PS perde e o PSD ganha. A decisão fica ao critério de quem tem um critério. O Presidente da República que tem um critério declara a sua derrota política e convoca eleições antecipadas. De tanto falar o Presidente ficou sem palavras e o país sem Presidente. Vai ser um fim de mandato entre a circulação política periférica e o circuito penoso das circunstâncias.
No entanto, o resultado das eleições antecipadas ainda pode ser um problema maior do que aquele que se pretende resolver. Sobretudo e também em Belém. E qual é o problema que se pretende resolver? Não importa, porque o que importa é o futuro e o futuro só pode ser brilhante. Fala-se em cenários de ingovernabilidade, adianta-se a possibilidade da instabilidade crónica num país bloqueado. Portugal é talvez o primeiro país da Europa a ter consciência do seu atraso, logo se o país agora se juntar à ingovernabilidade e instabilidade que dominam as grandes nações da Europa, tal só pode ser observado como um sintoma do progresso nacional no grande concerto das nações. É de novo a política em modo automático e o território das narrativas por inventar. Com uma vantagem suplementar no caso português. A instabilidade e a ingovernabilidade escondem a incompetência de uma geração política pessoalmente ambiciosa e patrioticamente medíocre.
As eleições são uma espécie de “decreto-remendo” em que todos prometem fazer o mesmo. E a política em Portugal só conhece a violência da passividade. Toda a acção política tem o princípio original de uma revolução. Para os políticos que agem a política é a oportunidade de um episódio da vontade. No país em que se esgota a vontade fica o fado menor no cântico das sereias.
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