Nos EUA vive-se muito melhor do que na UE
Se nada for feito pelos governos nacionais no sentido de mudarem de políticas para abordar as causas do crescente atraso face aos EUA, a Europa continuará o seu caminho para a irrelevância.
O relatório de Mário Draghi apresentado esta semana não traz, na sua substância, nada de novo. É até contraditório no que propõe, quando coloca a descarbonização como central para a competitividade das economias da União Europeia, e ignora que essa descarbonização, e os planos da UE para a transicção ambiental, são uma das principais razões para a perda de competitividade das empresas (a outra é o excesso de burocracia e de legislação, que em parte também está associada à descarbonização e a uma política ambiental errada).
Mas o relatório tem uma virtude: Serve como um alerta dado por uma pessoa que é respeitada e ouvida. Serve de alerta para uma realidade que na UE se tenta esconder e que é esta: nos EUA vive-se muito melhor do que nos países da UE.
Muitos europeus possuem um complexo face aos EUA que terá diferentes explicações. Não pretendo aqui divagar sobre o assunto, deixo para os especialistas das TVs divagarem sobre os “homeless”, a desigualdade ou a desindustrialização. Mas o complexo existe e funciona sempre no sentido de olhar os norte-americanos como pouco cultos e ignorantes face a uma suposta superioridade cultural, histórica, civilizacional ou até a maior sofisticação europeia.
Esta é uma realidade de há muitas décadas, possivelmente desde pelos menos a 2ª Guerra Mundial, quando os norte-americanos confirmaram definitivamente a sua superioridade face às então potências europeias, e uma forma de alguns europeus o conseguirem encarar foi pela construção dessa ilusória superioridade. A forma como são comentados os candidatos às próximas eleições presidenciais é demonstrativo desta atitude e lembra como Reagan era visto como um “básico” de primeira e um actor de segunda pelo pretensiosismo europeu.
O falso sentimento de superioridade
Perante este sentimento de superioridade seriamos levados a pensar que o nosso nível de vida é muito superior ao dos norte-americanos. Mas os números mostram uma realidade muito diferente. Se juntarmos os países da UE com os estados dos EUA e os ordenarmos pelo PIB per capita medido em paridades de poder de compra, como um centro de estudos fez recentemente (PR PB7:2023 (ecipe.org)), podemos ter uma ideia do nível relativo médio de desenvolvimento económico em cada uma das zonas consideradas.
O que os números mostram é que o nível de vida nos EUA é, em média, 1,5 vezes superior ao da UE (gráfico 1). No conjunto das 76 jurisdições (países da UE e estados dos EUA), Luxemburgo e Irlanda são os que apresentam um maior nível de PIB per capita, superior a qualquer estado dos EUA. Mas depois desses dois países seguem-se 28 estados norte-americanos. Só em 31º surge a Dinamarca, em 37º a Holanda, e em 43º a Áustria, sempre intercalados por grupos de cinco estados norte-americanos.
Por exemplo, estados que são desconhecidos ou desprezados na Europa como North e South Dakota, Iowa ou Oklahoma têm um nível de vida superior a todos os países da UE excepto os dois acima referidos. Estes estados têm como capital cidades com nomes estranhos para os europeus: Bismarck, Pierre, Des Moines, Oklahoma City, confirmando a ignorância que no nosso continente existe acerca do que são os EUA.
Das 76 jurisdições consideradas pelo estudo, as 14 que apresentam um nível de vida mais baixo são países da UE. França ou Itália têm um nível de vida mais baixo do que todos os estados norte-americanos, com excepção do Mississipi e do Idaho. Os alemães têm um nível de vida que é 80% da média norte-americana, os franceses 70% e os portugueses 60%.
O que os números mostram é que a diferença entre o nível de vida nas duas zonas do Mundo é grande e, a manter-se a tendência recente (gráfico 2), irá aumentar cada vez mais dado o diferente ritmo de crescimento. Se se mantiver a tendência verificada recentemente, a duplicação da riqueza deverá acontecer muito antes nos EUA do que nos países da UE, o que significa que o atraso face aos EUA tenderá a aumentar significativamente.
Se se aplicar as taxas de crescimento anual verificadas nos últimos sete anos ao ano de 2023 e se forem estendidas ao longo do século XXI, verifica-se que a economia norte-americana duplicaria de dimensão em 2055, a do Reino Unido só em 2086, a de França em 2087, a de Itália em 2098 e a da Alemanha apenas no século XXII, em 2110.
O problema é que um país que cresça apenas 1% ao ano – e Portugal nem a esse valor chegou desde que aderiu à Moeda Única – demora 70 anos para duplicar a sua dimensão. Isto significa que demora 7 décadas para que os seus habitantes tenham acesso ao dobro de bens materiais ou a bens e serviços com uma melhor qualidade. Alguns dos países da UE, como Alemanha ou Itália, registaram um crescimento inferior a 1% desde 2016, e em França foi próximo deste valor.
Apesar dos sentimentos de superioridade europeus não há desculpas nem explicações que verdadeiramente justifiquem esta diferença, nem a sempre badalada desigualdade, que apenas comprova o “trade-off” que existe entre eficiência e equidade.
Muita coisa está mal na UE
O que estes números nos dizem é que muita coisa está mal na União Europeia e não há uma verdadeira preocupação com isso. A relevância do relatório de Draghi é que põe o dedo na ferida. Já há mais de uma década que se ouve de Bruxelas um discurso de concorrência com os EUA e com a China (antes era com o Japão, mas este deixou de ser moda) que não passa disso mesmo, um discurso que pouco ou nada faz para inverter uma realidade que os números demonstram.
Os desafios com que as economias europeias se defrontam são variados: a deslocação do centro do sistema económico mundial para o Pacífico e a sua fragmentação com a subida das barreiras ao comércio e ao investimento, o reduzido crescimento da produtividade, a sustentabilidade ambiental, a dependência energética, a segurança económica, o deficiente mercado de capitais para financiar o crescimento rápido das empresas, o envelhecimento populacional, a falta de alguns materiais raros, de inputs e de pessoas especializadas em várias áreas, etc.
A UE é perita em estratégias para todos os gostos, mas os resultados ficam sempre aquém do desejável, sendo as teias legislativa e burocrática as únicas que crescem muito. O Mercado Único, o ponto forte e o que guiou o aprofundamento da UE, foi secundarizado e substituído por uma política industrial materializada nas transições digital e ambiental. Estas estão agora a ser ultrapassadas pela autonomia estratégica e a Defesa, que Draghi quer “alimentar” com a contração de mais dívida em países que já estão excessivamente endividados, o que significa que de moda em moda se vão criando narrativas que em nada alteram o nível de vida das pessoas. Pelo contrário, o passado mostra que uma política industrial “voluntarista” aumenta o risco de uma diminuição do nível de vida.
A UE surge cada vez mais como um fardo demasiado pesado para as economias. Os países da UE juntam as suas opções ineficazes às políticas duvidosas de Bruxelas, agravando os problemas comuns que dificultam o crescimento económico. O relatório de Draghi é útil no diagnóstico, mas persiste em alguns dos mesmos erros nas soluções que apresenta.
No meio de tudo isto, a opção em Bruxelas é ignorar o facto de que se vive muito melhor nos EUA do que na UE. A UE surge cada vez mais como um fardo demasiado pesado para as economias. Os países da UE juntam as suas opções ineficazes às políticas duvidosas de Bruxelas, agravando os problemas comuns que dificultam o crescimento económico. O relatório de Draghi é útil no diagnóstico, mas persiste em alguns dos mesmos erros nas soluções que apresenta.
Os obstáculos ao crescimento são conhecidos: o excesso de legislação, de procedimentos e de burocracia; a exagerada relevância dada a políticas ambientais pouco razoáveis e que afectam negativamente o crescimento económico; a aposta em fontes de energia inconstantes; o “intervencionismo” público que limita cada vez mais áreas da sociedade; a tentativa de promoção de campeões nacionais que promove mais ineficiência e desperdício de capital; a falta de investimento em inovação e tecnologia que esteja orientada para o mercado; e a timidez das poucas reformas realizadas (quando alguma é tentada).
Se nada for feito pelos governos nacionais no sentido de mudarem de políticas para abordar as causas do crescente atraso face aos EUA, e no sentido de mudarem as políticas da UE para acabar com os constrangimentos ao crescimento, a Europa continuará o seu caminho para a irrelevância. A única esperança em Bruxelas parece ser a de que o Partido Democrata ganhe as eleições durante muitos anos, uma vez que é sua intenção aproximar os EUA das práticas europeias. O mesmo erro parece estar a ser cometido pelo novo governo trabalhista do Reino Unido. Olhando para a realidade esta é uma opção que dificilmente resultará.
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