Novo Banco. Valeu a pena?
A audição correu bem a António Ramalho. Não foi o CEO do Novo Banco que saiu como o vilão, só os grandes devedores. Mas algum dia os portugueses acharão que valeu a pena salvar o que restou do BES?
Numa comissão parlamentar de inquérito que tinha como “leitmotiv” implícito descobrir a careca das vendas de ativos ao desbarato com perdas cobertas pelos contribuintes, era de esperar que António Ramalho fosse grelhado em lume vivo pelos deputados. Não aconteceu, apesar das mais de oito horas de interrogatório.
O tom foi quase sempre cordato. Não foi o CEO do Novo Banco que saiu como o vilão, foram os grandes devedores. Os próprios abriram essa avenida com a ignomínia dos seus atos e da sua prestação perante os deputados. O foco foi para as dívidas sem garantias, os avales pessoais que nada valem, o património que fugiu à velocidade de um Aston Martin, as manobras para torpedear os esforços do credor. Gente que recebeu milhões em empréstimos, mas que nada tem para responder por eles e, por causa disso, respondem os do costume, os que pagam impostos.
Estivesse Salgado no lugar de Ramalho e quase podia ser uma reedição da comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre o colapso do BES. Na galeria dos maus desta triste fita voltaram para a luz velhos compinchas do antigo presidente: Luís Filipe Vieira, Moniz da Maia, João Gama Leão ou Nuno Vasconcelos. Foi nesse tempo que a fruta entrou na cesta e começou a apodrecer. Faz sentido que tenha sido esse o foco da audição.
Nem tudo correu de feição a António Ramalho. Faltaram explicações convincentes para o baixo valor a que foram vendidos alguns ativos. O tema dos bónus, como o próprio reconheceu, é uma “polémica perdida”.
O que até ao momento não se pode concluir é que a gestão do banco agiu de má fé para sugar o Fundo de Resolução até ao último cêntimo, embora na prática não vá ficar muito longe disso: sobrarão menos de 10% dos 3,89 mil milhões do mecanismo de capital contingente. Nem tão pouco ficou demonstrado que o banco ou o Fundo de Resolução não foram, de um modo geral, diligentes na sua atuação, pese embora as falhas detetadas na auditoria do Tribunal de Contas.
Nem o relatório dos juízes, nem o que leva esta CPI atestam o roubo de que fala Catarina Martins e a que aludiu Rui Rio. O pré-julgamento não desfaz a utilidade do exercício parlamentar. O esclarecimento, mesmo que incompleto, é sempre melhor do que a total neblina. A CPI está a levantar alguma, o que ajuda a gerar confiança.
Valeu a pena?
A certo ponto António Ramalho diz: “A pergunta que um dia gostava que os portugueses fizessem é se valeu a pena?”
Uma forma de racionalizar a resposta é responder à questão se haveria melhor opção. O Banco de Portugal fez contas antes mesmo da resolução, que partilhou com a Comissão Europeia, onde estimava que as responsabilidades para o Estado andariam entre os 25 e os 46 mil milhões de euros, incluindo o reembolso dos depósitos. Um montante muito superior à fatura atual de cerca e 8 mil milhões. Os cálculos não incluem o custo do impacto sistémico nas contas públicas ou no sistema financeiro.
E a venda à Lone Star? Manter o banco no domínio público teria provavelmente encargos mais elevados para o Estado, mas este ficaria também com 100% do produto de uma futura venda. O ministro das Finanças que aprovou o negócio prometeu aos deputados, agora como governador do Banco de Portugal, estudar o preço de uma nacionalização. Falta esse contrafactual.
António Ramalho já vê o banco bom, a dar lucros este ano, a sair das amarras de Bruxelas, a participar desinibido no financiamento da economia portuguesa. Os restantes bancos veem um concorrente e uma conta astronómica no Fundo de Resolução para saldar nas próximas décadas. Já os portugueses dificilmente se livrarão da amarga memória destes sete anos.
“O processo tem sido penoso socialmente, politicamente e financeiramente”, disse Mário Centeno na CPI. Demasiado penoso para se achar que valeu a pena, mesmo que a frieza dos números venha a dizer que sim. Ajudaria bastante se os responsáveis, da supervisão à gestão do BES, fossem responsabilizados.
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