Novo Código da Propriedade Industrial: o que muda?

O advogado Gonçalo de Sampaio fala sobre o que muda na nova lei.

O Governo, motivado pela necessidade de proceder à transposição para a ordem jurídica interna de duas diretivas comunitárias – Diretiva (EU) 2015/2436 que aproxima as legislações em matéria de marcas e a Diretiva (EU) 2016/943, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais – procedeu, no uso de uma autorização legislativa concedida pelo Parlamento, a uma mais ampla revisão legislativa e, assim, aprovou uma nova Lei de Propriedade Industrial, publicada no final do ano passado (DL 110/2018, de 10 de dezembro).

Tendo em vista a construção do melhor edifício legislativo possível, garantindo quer a adequada transposição das diretivas comunitárias referidas, quer a instituição dos mais eficazes e eficientes mecanismos de proteção e salvaguarda da propriedade industrial – assegurando, em simultâneo, um texto capaz de servir de forma adequada as nossas empresas – um conjunto de entidades tomou posição, junto do Ministério da Justiça, tendo em vista o seu envolvimento no respetivo processo. Assim, através do Despacho 10126/2017 do Gabinete da Secretária de Estado da Justiça, foi criado um Grupo de Trabalho de Revisão do CPI, integrando quinze entidades, tais como a Ordem dos Advogados, a CIP-Confederação Empresarial de Portugal, o Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual, a Associação dos Consultores em Propriedade Intelectual, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a Centromarca, entre outras. O objetivo, como referido, foi o de, agregando diferentes visões, abordagens e opiniões, suportar uma mais ponderada revisão da lei e das diversas opções que se colocavam ao legislador. Infelizmente, o resultado ficou aquém dos propósitos iniciais, limitando-se, temporal e substancialmente, as discussões no referido Grupo de Trabalho”.

Destaquemos as principais alterações em quatro grandes áreas, a saber: Patentes; Segredos Comerciais; Marcas; e Contrafação.

Patentes

Foi alterada a Lei nº 6/2012 de 12 de Dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes dos direitos de propriedade industrial quando estão em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos. Tal regime arbitral deixa de ser obrigatório o que, na prática significará muito provavelmente, atendendo à forma como foi legislado, o fim desse mesmo sistema arbitral (era essa, aliás, a vontade manifesta do poder político). Mantendo-se a necessidade de o titular da patente agir no prazo de 30 dias após a publicitação do pedido de Autorização de Introdução no Mercado pelo Infarmed, tem agora duas opções: ou obtém o acordo da parte contrária, podendo seguir a via arbitral, ou, não tendo esse acordo, terá de avançar junto do Tribunal da Propriedade Intelectual. Esta alteração entrou em vigor 30 dias após a publicação em Diário da República.

Segredos comerciais:

É a parte com maior novidade em todo o texto legal. O capítulo dos segredos comerciais entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2019.

Com a transposição da Diretiva dos segredos comerciais (Dir. EU 2016/943), Portugal passou a contar com legislação própria, adequada e atual sobre matéria que tem vindo a ganhar relevância económica. Já tardava legislação nesta área, o que passará, agora, a ser uma realidade, autónoma do regime da concorrência desleal. Sendo-lhe atribuída a relevância de um Capítulo autónomo do novo Código, temos conceitos, definições e sanções claras, com identificação do objeto de proteção, definição de atos lícitos e ilícitos, sendo dado um passo relevante no tratamento e punição destas matérias. Outra novidade foi a introdução de um novo capítulo no Título relativo às infrações, denominado “Proteção dos segredos comerciais”.

A Lei estipula que a informação, para ser entendida como segredo comercial e, por conseguinte, protegida no âmbito da nova legislação, tem que, cumulativamente, cumprir os seguintes requisitos: ser secreta; ter valor comercial pelo facto de ser secreta; e tenha sido objeto de diligências razoáveis no sentido de a manter secreta.

Outra novidade consiste na preservação da confidencialidade dos segredos comerciais em processos judiciais.

Foi opção do legislador a não criminalização desta realidade.

O prazo de prescrição do exercício dos direitos referentes à violação de segredo comercial é de 5 anos, começando a correr no momento em que o direito puder ser exercido.

Marcas:

– Duração do registo: passa a ser válido por 10 anos desde a data do pedido, em vez da data do registo.

– Abolição do requisito da representação gráfica da marca: esta medida irá encorajar o pedido de marcas ditas “não-tradicionais”, tais como marcas gustativas, olfativas, hologramas e outras.

– Alterações na fase processual junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial: i) possibilidade de suspensão do processo por prazo não superior a seis meses; ii) introdução da figura “observações de terceiros” a apresentar no prazo de dois meses após publicação, com fundamento em motivos absolutos; iii) introdução do regime de invocação da falta de uso sério como meio de defesa em processos de oposição e de recusa provisória.

– Introdução de uma taxa de concessão ou de registo: Se, e quando, o pedido de registo vier a ser concedido, mantendo-se em vigor por período de 10 anos, haverá lugar a pagamento de uma taxa de registo.

– Pedidos ou registos divisionários: Introdução da possibilidade de, por iniciativa do requerente ou do titular do registo de marca, um pedido ou registo ser dividido num certo número de pedidos ou registos divisionários, conservando cada um deles a data do pedido inicial e, se aplicável, a respetiva prioridade.

– Prazos judiciais: ações judiciais de anulação junto do Tribunal da Propriedade Intelectual e pedidos de anulação apresentados junto do INPI, o prazo passa a ser de 5 anos, a contar da data do despacho de concessão (sendo esta norma igualmente aplicável a todos os direitos de propriedade industrial).

– Impedimentos absolutos do registo de marca – Reforço, através do aditamento da expressão “ou outra característica”, na norma que proíbe o registo de sinais constituídos pela forma i) imposta pela própria natureza dos produtos, ii) necessária à obtenção de um resultado técnico; iii) que confere um valor substancial aos produtos.

– Identificação da lista de produtos e serviços: Clarificação no procedimento de redação da lista de produtos/serviços, nomeadamente exigindo que sejam identificados com clareza e precisão suficientes, para permitir a determinação do âmbito de proteção requerido.

– Marca coletivas e marcas de certificação ou de garantia: Clarificação do regime com a possibilidade de ambas poderem pertencer a pessoa singular ou coletiva.

– Denominação de Origem ou indicação Geográficas: Reforço destas figuras jurídicas que passam, expressamente, a constar como fundamento de recusa de pedido de registo de marca.

– Modificação oficiosa de decisão: Procede-se a alterações a este regime, passando a ser notificada a parte contrária (havendo) para responder.

– Declaração de nulidade e de anulação de registo de sinais distintivos: Numa relevante alteração ao regime anterior, contempla-se a implementação de procedimento administrativo (junto do INPI) de declaração de nulidade e de anulação de registo de sinais distintivos e Modelos ou Desenhos.

Contrafação:

Nesta matéria destaque, entre outros possíveis, para uma melhor sistematização e coerência a um conjunto de condutas que permitirão uma maior eficácia na aplicação da lei.

Quanto ao exercício do direito de queixa, a lei esclarece que o órgão de polícia criminal ou a entidade policial que tiver conhecimento dos factos que possam consubstanciar crimes previstos no Lei, informe, no máximo em 10 dias, o titular do direito da queixa dos factos e dando informação sobre o prazo para apresentação da queixa.

Nota também para os custos de armazenamento que, até agora e de forma algo inusitada, eram aplicados ao titular do direito violado. A Lei estipula, agora, que esses custos sejam considerados custos do processo, sendo a sua responsabilidade apurada nos termos da lei processual penal.

Verifica-se, ainda, um reforço da defesa do titular de marca aos atos preparatórios e a mercadorias em trânsito, em linha com o previsto na legislação europeia.

Onde se poderia ter ido mais além?

Na representação profissional, a Lei devia ir mais longe na proteção do agente económico, contemplando uma maior qualificação nas entidades intervenientes, num modelo que proteja quem, investindo na proteção, seja devidamente aconselhado e acompanhado, não se compreendendo como, numa área com tanta especificidade técnico-legal, se continue a não promover e defender essa mesma qualificação de representação profissional. O papel e intervenção dos Advogados, dos Agentes Oficiais de Propriedade Intelectual e dos Solicitadores deveria ter sido reforçado e mais amplamente garantido, tendo em vista a melhoria de funcionamento global do Sistema nacional de Propriedade Intelectual. Sumariamente, deveria, e poder-se-ia ter ido mais longe: na revisão do regime do Logótipo: na eliminação de limitações dos Modelos de Utilidade na área farmacêutica, que tão relevante poderia ser para a indústria nacional; e, finalmente, no que refere ao regime do uso de marca, e as consequências do não uso da marca, tema importante que merecia uma abordagem mais integrada e coerente por parte do Legislador.

  • Colunista convidado. Advogado, sócio da JEDC – JE Dias Costa e presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual

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