O estado de Portugal

Portugal pretende estar no “clube UE”, receber fundos e acatar passivamente tudo o que é imposto, aparentando uma participação “construtiva” e desvalorizando o funcionamento do sistema democrático e a

Esta semana o parlamento discute o estado da Nação. Não é difícil adivinhar que o primeiro-ministro vai “fugir” às explicações sobre as demissões mensais de governantes, aos casos de corrupção que se acumulam, aos abusos socialistas do Estado, à tentativa de controlar a comunicação social, a justiça e os serviços de segurança, aos jovens que emigram e à habitação que falta, e à educação, à saúde ou à segurança que não funcionam (e ao SEF que era para acabar há dois anos e continua a funcionar com a política da imigração descontrolada do governo).

Enfim, um ano de maioria absoluta que se junta a 8 anos de governo de António Costa e que representam uma oportunidade perdida em que Portugal continua a ser ultrapassado por países mais pobres, em que os portugueses perderam muito poder de compra, não conseguem poupar e se estão a endividar cada vez mais, em que os socialistas falham a todos os níveis na habitação e em que há muitas famílias a passar grandes dificuldades.

Até para implementar uma medida importante e tão simples como o IVA zero nos alimentos essenciais, que o CDS-PP já tinha proposto em Maio de 2022 para ajudar as famílias carenciadas, António Costa demorou um ano.

Que o governo não tem soluções já não há dúvidas. A grande dúvida é se este parlamento tem capacidade para discutir o estado da Nação. O centro-direita do PSD e a esquerda moderada de parte do PSD e da IL vão fazer as críticas habituais, sem apresentar uma ideia do que querem para Portugal que não exista já e esteja no discurso do Presidente da República ou do governo.

No PS, o grupo parlamentar já demonstrou a sua incapacidade de exercer a função de fiscalização do governo para que foi eleito e como está amestrado pelo primeiro-ministro. O relatório da comissão da TAP voltou a confirmá-lo.

A esquerda radical vai carpir as mágoas do costume pois, se nem gosta da Nação, quanto mais discuti-la. E o Chega vai continuar a beneficiar do apoio do presidente da assembleia, um personagem sinistro que faz lembrar o Mr. Burns dos Simpsons e que se arrasta no poder há um quarto de século, sendo um dos principais cúmplices do estado em que a Nação está.

Assuntos que podem ser discutidos

Face à incapacidade para renovar o estado de Portugal, há um tema que mereceria a atenção de todos. O leitor talvez não saiba, mas decorre uma tentativa de afirmar uma Autonomia Estratégica Aberta (AEA) da União Europeia (UE) que, a acreditar na documentação pública, visa garantir a “segurança económica da UE e a sua liderança mundial até 2030”.

Realce-se que esta iniciativa segue outras que tentam colocar a UE como um actor relevante a nível internacional e, para isso, fortalecer o papel da Comissão Europeia (CE), como se nota pelo destaque internacional crescente que von der Leyen tem vindo a ganhar.

Um dos seus aspectos mais preocupantes é que o mandato dado pelo Conselho da UE à CE assenta numa definição tão vaga e genérica como a “capacidade de agir de forma autónoma quando e onde necessário e com parceiros sempre que possível”. Que o Conselho da UE, que é constituído por políticos eleitos, tenha um papel activo neste “entregar” de responsabilidades a uma entidade burocrática sem legitimidade democrática não cessa de me espantar.

Esta definição vaga e aberta possibilita uma interpretação sem limites pela CE, que ganha margem de manobra para alargar a sua capacidade de decisão e de intervenção na definição de políticas, e pelo Tribunal de Justiça da UE, que normalmente apoia a posição da CE (isto é o que predomina nas decisões do Tribunal quando interpreta os tratados).

há um tema que mereceria a atenção de todos. O leitor talvez não saiba, mas decorre uma tentativa de afirmar uma Autonomia Estratégica Aberta (AEA) da União Europeia (UE) que, a acreditar na documentação pública, visa garantir a “segurança económica da UE e a sua liderança mundial até 2030”. Realce-se que esta iniciativa segue outras que tentam colocar a UE como um actor relevante a nível internacional e, para isso, fortalecer o papel da Comissão Europeia (CE), como se nota pelo destaque internacional crescente que von der Leyen tem vindo a ganhar.

O que é grave é que há uma tentativa de transferir mais soberania de Portugal para uma entidade burocrática que passa totalmente ao lado dos portugueses, que não são tidos nem achados sobre o assunto.

E também é grave que essa tentativa se baseie na ideia ameaçadora da “Europa Poderosa” que para além da arrogância em menosprezar os países que estando no continente não fazem parte da organização UE, e que nada terão a ver com este assunto, mostra a intenção de afirmar um poder superior como representativo de uma vontade geral que não existe nem entre nem dentro dos países da UE.

É a tentativa de recuperar a triste “Fortaleza Europa” e a prática francesa dos anos 1970 e 1980 de intervir na economia, quando os erros crassos de uma política monetária excessivamente expansionista, dividas públicas elevadas, despesa pública descontrolada e nacionalizações de empresas desnecessárias visando a promoção de “campeões nacionais” conduziram à estagnação económica e prejudicaram o nível de vida das populações.

A ideia da AEA traduz uma tentativa de França em liderar a UE numa resposta aos EUA e à China como parte da sua afirmação como potência num mundo multipolar. A afirmação do Sr. Macron sobre “a necessidade de a UE ter uma política de “não vassalagem”, sendo independente dos EUA, para evitar ser envolvida em conflitos mundiais, i.e. entre a China e Taiwan, que não lhe dizem diretamente respeito“ é especialmente preocupante para os interesses de Portugal e deve ser realçada na definição da nossa posição.

A frase ilustra bem que pior do que estar parcialmente dependente do Estados Unidos é Portugal passar a estar totalmente dependente de França ou de outro país qualquer que pretenda utilizar a Autonomia Estratégica Aberta para tentar impor a sua visão do Mundo.

Mais grave ainda, a frase é totalmente contrária ao espírito de uma UE aberta e defensora de uma aliança internacional de democracias, como propõe o Conceito Estratégico de Defesa Nacional em discussão, uma vez que opta por menosprezar as ameaças que estão a ser feitas contra várias democracias do Pacífico que nesta aliança são parceiras de Portugal – Japão, Austrália, Coreia do Sul, Nova Zelândia, para além de Taiwan.

Por estas razões Portugal deve discutir a sua participação numa autonomia estratégica que alguns querem que seja tudo menos verdadeiramente aberta e deve discutir o risco de ao querer reduzir dependências de outros pontos do Mundo, ir concentrá-las nos países da UE. Especialmente por duas razões: porque a participação na UE não é uma inevitabilidade para os actuais membros, podendo alguns saírem como aconteceu recentemente com o Reino Unido, e porque Portugal tem outros aliados para além dos países da UE que em várias áreas da AEA são muito mais importantes, como é o caso dos Estados Unidos e da defesa.

Em Portugal deveríamos estar a discutir até que ponto é que esta AEA é do nosso interesse e o parlamento é um local especialmente relevante para essa discussão. Para isso temos de ter presentes os interesses reais de Portugal e saber como promovê-los no âmbito do sistema internacional de nações

O debate do estado da Nação seria uma boa ocasião para questionar a legitimidade do governo para criar obrigações aos portugueses neste assunto sem os consultar. O mesmo se aplica, aliás, relativamente a outros assuntos como a competitividade fiscal da economia que o governo do PS pretende entregar a estrangeiros e ignorar os portugueses (aqui).

Em Portugal deveríamos estar a discutir até que ponto é que esta AEA é do nosso interesse e o parlamento é um local especialmente relevante para essa discussão. Para isso temos de ter presentes os interesses reais de Portugal e saber como promovê-los no âmbito do sistema internacional de nações. Ou seja, precisamos de responder a duas perguntas:

  1. O que é que o nosso país pretende da sua participação na UE?
  2. Como é que Portugal concilia uma AEA com os outros aliados que o país possui para além dos países membros desta organização?

A resposta a estes pontos é essencial para se perceber até onde vai o interesse do nosso país numa “estratégia orientada para o futuro da UE” como está a ser implementada sem os portugueses saberem.

Portugal pretende estar no “clube UE”, receber fundos e acatar passivamente tudo o que é imposto, aparentando uma participação “construtiva” e desvalorizando o funcionamento do sistema democrático e a soberania do povo? Ou pretende identificar o que são os seus reais interesses, definir quando são ou não coincidentes com outros (e quais) países, posicionando-se de acordo com essa identificação e com o conhecimento que ela lhe permitiu adquirir, e considerando em simultâneo os restantes parceiros que possui a nível internacional?

Para o nosso primeiro-ministro tudo se justifica desde que garanta o seu “lugarzinho no céu” de Bruxelas e mais uns fundos para distribuir. Costa já está pouco interessado no futuro de Portugal, porque percebeu que não consegue alcançar mais do que o empobrecimento relativo do país. Por isso “foge” cada vez mais vezes para o exterior, onde se recusa a falar sobre Portugal, em vez de estar no nosso país a assumir as responsabilidades para que foi eleito.

O problema é que estes temas são sistematicamente evitados por quem está no poder e opta por limitar ao máximo a sua discussão. E esta atitude mostra o estado em que Portugal está, sem missão, sem objectivos, sem rumo e sem ideias. Nem isto o parlamento discute.

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