O Jamboree de Helsínquia

A Cimeira de Helsínquia foi um encontro entre iguais, um meeting entre rivais que falam a mesma linguagem e partilham a ideia de uma insurreição vitoriosa.

Trump e Putin são duas personagens de um romance. No estilo, na pose, na acção política, tudo se confunde com um enredo absurdo numa história irracional. Mas mesmo o mais lunático dos comportamentos pode ter uma explicação que não se resume à estupidez e ao delírio.

Uma rápida observação da ordem mundial revela sobretudo o pleno da disfuncionalidade e da desordem. Não se percebe o sentido, mas pressentem-se as ameaças políticas e económicas. Na análise do tempo contemporâneo destacam-se dois entendimentos da ordem internacional – a “política da inevitabilidade” e a “política da eternidade”.

A política da inevitabilidade é de perfil linear, centrada na ideia de progresso, democracia, direitos e liberdades, riqueza das nações e paz perpétua ditada pela fraternidade universal. A política da eternidade é de matriz circular, entende o Mundo como uma ameaça, centra toda a virtude na força e na sobrevivência da nação, não existindo alianças proibidas ou impossíveis, apenas alianças convenientes ou inconvenientes, o conflito é a visão por excelência e a supremacia a finalidade última. Na terminologia clássica da diplomacia internacional, estas são as versões modernas da “tradição liberal” e da “razão de Estado”, vulgo real politik.

Não se pretende afirmar que a vulgaridade do homem de negócios Trump ou que a brutalidade de um antigo coronel do KGB tenham consciência destas subtilezas. No entanto, enquanto líderes políticos na linha de uma conflitualidade histórica entre tendências, acabam involuntariamente por se enquadrarem numa destas tradições. Melhor ainda, no caso de Putin e de Trump, os dois Presidentes são excelsos representantes da política da eternidade, exímios exemplares do efeito desintegrador, na ordem externa, da ordem interna a promover pela razão de Estado.

Por este motivo a Cimeira de Helsínquia foi um encontro entre iguais, um meeting entre rivais que falam a mesma linguagem e partilham a ideia de uma insurreição vitoriosa. A tragédia e o perigo são que a vitória de um implica a aniquilação do outro. Mas tudo vale na construção de uma “América Grande de Novo” ou na Mística Imperial de uma Nova Rússia.

Nesta desgraçada intriga internacional, a América fecha-se numa guerra política interna e projecta os seus interesses num evangelho proteccionista que ameaça o comércio internacional e os efeitos da globalização. A Rússia fecha-se numa mentalidade de cerco, interpretando cada episódio do concerto entre nações como uma ameaça ao seu poder interno soberano e uma oportunidade para exponenciar a respectiva esfera de influência externa – observe-se o expansionismo russo nos casos da instabilidade política na Ucrânia, via ocupação da Crimeia, e na aventura militar em pleno epicentro da guerra civil na Síria.

E onde fica a Europa neste cenário internacional? A Europa continua cativa de uma ordem internacional estruturada nas bases de uma política da inevitabilidade. Este facto explica as dificuldades da relação política entre a Europa fiel a uma ideia de fraternidade internacional e uma América empenhada na visão de uma supremacia exclusivista. Não será já a América nação aliada e imprescindível na ordem internacional, mas a América nação concorrente e defensora dos interesses estratégicos imprescindíveis para a sua segurança interna.

Quando Trump se refere à Europa como um “inimigo”, quando Trump critica os parceiros europeus da NATO, quando Trump aconselha o Primeiro-Ministro britânico a processar a Europa, tudo aponta para o perfil de um Presidente que não se incomoda com os efeitos práticos das suas admiráveis intenções no contexto global de uma triunfante desordem.

Entre a ficção e a realidade, Trump é uma versão menor do Great Gatsby, Putin um enigma numa novela de Dostoyevsky, a Europa uma personagem de Proust em À la recherce du temps perdu. Ninguém parece perceber que um colapso político é infinitamente mais perigoso e de difícil recuperação quando comparado com um colapso económico. Mas se o colapso da ordem política implicar o colapso da ordem económica, então o caos é a nova ordem. E no eixo Washington – Bruxelas – Moscovo nada será igual.

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