Editorial

O pior (deste governo) está para vir

O governo está em funções há dois anos, mas é no mínimo um excesso assumir dois anos de governação. Desde 17 de junho, temos uma comissão de gestão. E, tendo em conta o OE 2018, o pior está para vir.

O Governo celebra dois anos em funções, mas a primeira pergunta que temos de fazer é se este governo tem mesmo dois anos ou se é estamos apenas a assinalar uma contagem de calendário. Porquê? Porque, na verdade, desde o dia 17 de junho, e da tragédia de Pedrógão Grande, não existe um governo, o país é gerido por uma comissão de gestão que toma decisões em reação aos acontecimentos, e às vezes até a criá-los. É uma comissão de gestão preocupada em manter o poder, e decide em conformidade, como se viu nas negociações com o PCP e o BE no Orçamento do Estado para 2018, que saiu do Parlamento (ainda) pior do que entrou.

Neste dois anos de legislatura – e não de governo -, António Costa conseguiu manter a estabilidade política de uma coligação informal que junta um partido europeísta e dois partidos anti-Europa, uma Geringonça que, ainda assim, se uniu em torno do poder, a cola que os manteve juntos. É, neste contexto, um mérito de Costa, que nos saiu caro, pela sucessão de decisões e cedências que o governo foi obrigado a tomar.

O principal ponto positivo destes dois anos de governação foi a redução do défice público, contra todas as expectativas, incluindo as minhas, reconheço. A manutenção da estabilidade política da Geringonça exigia uma quadratura do círculo que António Costa e Mário Centeno conseguiram manter, à custa de más opções económicas e orçamentais e de uma conjuntura absolutamente favorável, externa e do turismo, que disfarça muita coisa e esconde outro tanto. As devoluções aceleradas de rendimentos, a defesa do universo público, dão votos e compram paz social.

A redução do défice para 1,4% em 2017 é, em si mesmo, muito importante e não pode ser desvalorizada. Mesmo com uma política que está longe de ser virtuosa no médio prazo, e a apanhar a boleia da conjuntura, Costa e Centeno recuperaram a confiança que os próprios tinham perdido quando assinaram os acordos com o PCP e o BE. Os juros a dívida pública começaram a subir no final de 2015 e primeiros meses de 2016, até o outlook das agências de rating foi revisto de positivo para estável. E Bruxelas ‘apertou’ o governo, ao ponto de obrigar Centeno a mudar o orçamento de 2016, com mais impostos para compensar as primeiras, e foram apenas as primeiras, medidas populares que serviam para seduzir a função pública e os pensionistas.

Os orçamentos de 2016 e de 2017 mostraram que o governo manteve a austeridade. Mudou a forma como a exerceu, mudou-a de sítio, criou jogos de espelhos e sombras para a disfarçar. E juntou aos cortes de investimento, às transferências para os ministérios e às cativações as operações extraordinárias. Menos despesa e mais receita para compensar a devolução de rendimentos à função pública e aos pensionistas. A redução do défice público ficou, e foi suficientemente relevante para os juros voltarem a uma tendência descendente, acelerada pelo BCE e pelas avaliações das agências de rating. A S&P retirou Portugal da condição de país com uma dívida especulativa (leia-se ‘lixo’). Aliás, deu uma ‘folga’ inesperada ao governo em poupança com juros, que acabaram por servir para acomodar outras exigências do PCP e do BE.

Neste período, o governo deveria também ter forçado uma redução expressiva da dívida pública, mas ficou aquém do que poderia, e deveria. E acaba por ser a expressão do que ficou ‘escondido’ por detrás do défice público. É necessário reconhecer que, nesta matéria, as operações de estabilização do sistema financeiro foram particularmente pesadas, seja com o Banif ou com a CGD, para manter a dívida pública no limiar dos 130% do Produto Interno Bruto. Mesmo assim, com o crescimento nominal da economia acima do previsto, a dívida pública continua a ser o principal risco financeiro do país, e que o governo, no mínimo, secundarizou. Acabaremos o ano com uma dívida de 126,6% do PIB (números do próprio governo). Uma subida dos juros do BCE nos próximos 12 a 24 meses deixará Portugal outra vez sob pressão dos investidores. E dos especuladores.

Nestes dois anos de legislatura, o pior do governo revelou-se onde ninguém esperava, tendo em conta a anunciada ‘habilidade’ política do primeiro-ministro. Na capacidade do governo de responder em situações difíceis. Perante a tragédia de Pedrógão Grande, e desde esse dia, o governo deixou de governar. No momento em que o Estado falhou na proteção dos seus, e quando mais se exigia governação pública, a natureza do governo veio ao de cima, mostrou o que (não) era. Um governo. Sabemos a história desde aí, até à intervenção definitiva de Marcelo Rebelo de Sousa, que pôs um ponto final na tentativa do primeiro-ministro de ganhar tempo para não assumir responsabilidades. Um primeiro-ministro bloqueado, um país sem saídas. A viver uma euforia conjuntural.

Desde o dia 17 de junho, os portugueses ficaram entregues a si próprios, e a sucessão de casos que expuseram a fragilidade do Estado mostrou também a inexistência de um governo na verdadeira aceção da palavra. Foram as tragédias dos incêndios, foi Tancos (ainda por explicar), foi a Legionella num hospital público. A estes casos, outras trapalhadas, como a negociação com os sindicatos dos professores ou o Infarmed, por exemplo. A meio caminho desta legislatura, este não é um ponto fraco de somenos. É uma fragilidade estrutural, que o governo tenta resolver com focus group à sua imagem política e não com uma avaliação (independente) das políticas públicas, coisa bem diferente. Porque falta muito tempo, e como se percebe no Orçamento do Estado para 2018, Costa e Centeno estão a negociar a pensar nas eleições, estão a garantir os votos de que precisam para se livrarem do BE e especialmente do PCP, o pior está para vir.

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