O Programa de Estabilidade e a decisão da DBRS
Se a economia desacelerar, não haverá margem orçamental para atingir os objetivos propostos no Programa de Estabilidade.
Na semana passada escrevi uma análise ao Programa de Estabilidade (PE), em que salientava o facto de o Governo ter objetivos orçamentais ambiciosos, cumprindo as regras orçamentais europeias. Não deixei de referir que havia aspetos que me deixavam dúvidas e que grande parte do esforço era uma consolidação orçamental baseada no crescimento. Se a economia desacelerar, não haverá margem orçamental para atingir os objetivos propostos. E mesmo em algumas rubricas, parece haver otimismo nas projeções, sobretudo nos juros.
Dado que o PE foi divulgado quinta-feira, dia 13 a meio da tarde e a minha análise foi publicada no sábado, dia 15, tratava-se, como referi então, de uma primeira leitura.
Uma segunda leitura, com mais tempo, permitiu-me reforçar a convicção da primeira leitura: o Governo aposta as fichas todas no crescimento económico. E a consolidação orçamental que pretende fazer é apenas de redução do défice nominal.
Isso é visível na questão do saldo estrutural (que é o défice nominal, expurgado do efeito do ciclo económico e das medidas pontuais). Ou seja, o saldo estrutural não considera a redução do défice por via do crescimento (mais PIB, mais receita fiscal e menos subsídios de desemprego) nem considera o aumento do défice por via de uma recessão (menos PIB, menos receita fiscal e mais subsídios de desemprego).
No PE, o objetivo do governo é reduzir o défice estrutural em 0,3 pontos percentuais (p.p.) em 2017 e depois para 2018-2021, cumprir a regra orçamental de redução de 0.6 p.p.
Antes de mais, refira-se o aspeto de a redução de acordo com as regras Europeias ser “chutada” para 2018, depois de 2015 e 2016 o saldo estrutural não se ter reduzido e agora para 2017 anunciar-se uma redução inferior aos 0.6. Trata-se claramente de ganhar tempo no palco Europeu.
Mas é crível que o governo fará a redução do défice estrutural e nos valores que anuncia? Recorde-se que ao retirar o efeito do ciclo económico, o saldo estrutural varia em função das políticas discricionárias do governo: ou seja, só é possível reduzir o saldo estrutural aumentando impostos e/ou reduzindo despesa.
No entanto, olhando aquilo que vem no PE, verifica-se que não será possível cumprir esse objetivo do saldo estrutural. Isto não quer dizer que o governo não possa, com este PE, vir a cumprir os objetivos do défice nominal (se a geringonça aguentar até lá…). Se o crescimento económico for o previsto, então o objetivo nominal ficará mais fácil de alcançar. Mas não o objetivo estrutural.
A tabela abaixo mostra o seguinte: primeiro, os números apresentados pelo governo para o saldo estrutural. Depois, mostra o valor das medidas anunciadas para 2017-2021, e o gap que falta para atingir o objetivo de variação do saldo estrutural. Verifica-se que existe um gap significativo sobretudo de 2018 em frente, com valores em 2019 e 2020 na ordem dos 0.5% PIB (qualquer coisa como mil milhões de euros/ano). Isto significa que é claro a quem redigiu este PE que há necessidade de medidas adicionais a partir do próximo ano.
Além disso, grande parte das medidas que constam do PE são vagas e sem especificar claramente como serão implementadas, pelo que o gap poderá ser superior. Sobre isso, a UTAO, na sua análise ao PE divulgada dia 21, refere que estas medidas não estão especificadas, não é possível avaliar da sua exequibilidade e podem comprometer o exercício orçamental.
Isso implica que se considerarmos apenas os aumentos de receita (ou seja, sem a redução de despesa nos “consumos intermédios”, na “outra despesa corrente” e nos juros”), o défice estrutural continuará em torno dos 2% em 2021. Ou seja, a consolidação estrutural depende de medidas não especificadas e de uma redução dos juros que o Governo não controla.
Há no entanto uma medida que poderá ser mantida e que reduz um pouco este gap. Trata-se de manter as contribuições setoriais (na banca, energia, saúde, etc) após 2018.
Mas mesmo mantendo essa tributação adicional, há ainda um caminho longo para fazer. Nos próximos cinco anos, para atingir o objetivo de +0.25% PIB de saldo estrutural, falta um ponto percentual (p.p.) do PIB (assumindo que as medidas propostas no PE são mesmo implementadas, o que não é certo que ocorra). Ou seja, precisamos de medidas de aumento de impostos e redução da receita de dois mil milhões de euros, em cima do que o PE prevê e assumindo que tudo corre como previsto.
Mas a análise da UTAO refere outro aspeto interessante, que corrobora o que atrás disse sobre o saldo estrutural. Quando se compara a evolução da dívida pública do Programa de Estabilidade apresentado em 2016 com o agora apresentado, verifica-se que a dívida pública em 2021 seria de 110% do PIB (PE de 2016) e agora é projetado um valor de 118% do PIB (PE 2017). Ou seja, num ano, as políticas decididas agravam a dívida pública em 8 p.p. do PIB, qualquer coisa como 18 mil milhões de euros (ao PIB de 2021). Mas face ao que estava previsto no PE de 2015, o agravamento é de 12 p.p., ou seja, a valores do PIB de 2021, 25 mil milhões de euros. Isto decorre de um menor crescimento, de medidas na banca e de uma consolidação orçamental estrutural adiada e esquecida.
Com base no atrás descrito, compreende-se melhor por que motivo as agências de rating continuam a não melhorar a posição de Portugal (vide a decisão dia 21 da DBRS). Por mais que se grite que tal é injusto, a realidade do país é ainda muito frágil: dívida pública, privada e externa acima dos 100% PIB, crescimento económico baixo, necessidade adicional de consolidação orçamental de três mil milhões de euros e problemas no setor financeiro, além da fraca competitividade da economia e das empresas. A isto soma-se a pressão nos mercados financeiros internacionais e a instabilidade política.
Como tal, é cada vez mais claro que o país precisa de uma estratégia de consolidação orçamental com medidas estruturais e não apenas com a “bonança” de um crescimento económico um pouco melhor que o dos últimos anos.
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