Namorar com Varoufakis, casar com Schäuble
Preocupante seria que, para agradar aos parceiros da solução governativa, se deitasse fora o esforço que cidadãos e contribuintes fazem desde o início da década para pagar políticas irresponsáveis.
Quando se promete tudo a todos, no final alguém vai sentir que foi enganado e até terá boas razões para isso.
Recapitulemos. Este seria o governo que ia acabar com austeridade, repor os rendimentos da função pública, descongelar as carreiras, aumentar as dotações orçamentais para acabar com a degradação da Saúde, da Educação, dos apoios sociais e dos vários serviços do Estado, aumentar fortemente o investimento público, dotar a Cultura de verbas ditas condignas, acabar com o dinheiro dos contribuintes para salvar bancos e reduzir a carga fiscal.
Num país com 130% de dívida pública, com ratings ainda ao nível de “lixo”, com a permanente desconfiança dos credores e com taxas de juro elevadas, como é que se disse que isto seria pago? Com o fim da “obsessão” da redução do défice orçamental, batendo o pé em Bruxelas contra as regras orçamentais e colocando em cima da mesa a renegociação da dívida pública. A lógica era esta: se o programa político é incompatível com as regras, então há que mudar as regras; se as medidas propostas não garantem o cumprimento das responsabilidades acordadas com os credores é um problema destes.
Estes devaneios de levantar a mesa do jogo acabaram cedo, quando o primeiro esboço de orçamento feito por Mário Centeno – o de 2016, no início desse ano – foi devolvido por Bruxelas para ser refeito.
A partir daí, foi-se percebendo gradualmente que a aritmética não tem ideologia e que se está nas tintas para promessas políticas. O caderno de encargos acordado com os partidos que possibilitaram o regresso do PS ao poder foi cumprido e pago com o aumento de outros impostos, com a redução do investimento público para níveis mínimos e com o corte sistemático de despesa prevista em vários serviços públicos. Era a única forma de fazer com que as contas batessem certo. O reforço do crescimento económico deu uma ajuda e entrou-se num ciclo virtuoso: os bons resultados do défice aumentaram a confiança dos credores, as taxas de juro foram descendo e a factura com juros foi caindo, contribuindo ainda mais para reduzir o défice. E a dívida começou, finalmente, a cair.
Seria altamente irresponsável e até contra-natura que Mário Centeno nada tivesse aprendido com a prática destes dois anos e meio e com os bons resultados alcançados. Se está a funcionar, se o país está a beneficiar com a ultrapassagem das metas, se nos vamos afastando do gelo mais fino que pisámos nos últimos anos, se a vulnerabilidade de tudo isto é imensa e pode revelar-se ao virar da esquina, é muito pouco inteligente que se regresse a caminhos que nos levaram ao resgate.
O Mário Centeno que se revela neste início de 2018 é diferente do Mário Centeno que se deu a conhecer ao país quando liderou a equipa que fez o programa económico que o PS levou a eleições e que tentou colocar em prática nos primeiros meses de governação, para rapidamente ser abandonado.
Acresce que não só o próprio ministro das Finanças foi vendo o seu trabalho premiado externamente, ao ponto de ser o escolhido para presidente do Eurogrupo, como o próprio PS pode ter a ambição de começar a limpar a sua imagem de despesista e irresponsável orçamental.
Os parceiros políticos deste governo – sobretudo o Bloco de Esquerda, sempre mais ruidoso, juvenil e menos coerente do que o PCP – terão até razões para se sentirem desiludidos, apesar de não terem acordado metas orçamentais.
Aderiram a este ciclo entusiasmados com a chegada do Syriza ao poder e a promessa de novos “amanhãs que cantam” no palco europeu e acabam, agora, a apoiar um governo que faz questão de se superar nos resultados orçamentais, nem que para isso tenha que renegar muitas das políticas prometidas no arranque da legislatura. Numa imagem, a extrema esquerda apaixonou-se por Varoufakis mas agora sente-se casada com alguém que parece mais próximo de Schäuble. Queriam uma alternativa à austeridade, que lhe tinha sido garantida, e acabam numa austeridade alternativa. Foram movidos pelo sonho ideológico e acabam cúmplices do pragmatismo das contas.
É uma questão política menor que terá, necessariamente, que ser resolvida dentro da própria base de apoio do Governo.
Preocupante seria que, para agradar aos parceiros de solução governativa, se atalhasse agora caminho, colocando em risco todo o esforço que cidadãos e contribuintes fazem desde o início da década, para pagar políticas e contas irresponsáveis.
Que me recorde, ouvi esta semana pela primeira vez e de forma cristalina alguém deste governo dizer que as alternativas a este caminho “correspondem a escolhas de regresso ao passado em que o país enfrentou o risco de sanções, um em cada cinco portugueses estava desempregado, em que os investidores nos rotulavam de lixo, em que bancos ruíam e com eles a confiança no sistema financeiro”. Que “não temos a memória curta, não podemos deixar que os mesmos erros do passado sejam cometidos”. Ou ainda que o objetivo é “colocar Portugal no caminho da sustentabilidade orçamental é o caminho seguro para o nosso futuro”.
As palavras foram de Mário Centeno na apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento, que desagrada à ala mais à esquerda de apoio a este Governo.
Também há, neste caminho, opções orçamentais erradas, nada disto tem uma base sustentável e a evolução da economia só nos parece boa porque vimos de década e meia de um crescimento miserável. Mas, como o mesmo pragmatismo, se é para continuar com finanças públicas insustentáveis, mais vale tê-las com um défice orçamental nulo do que com um défice de 3%, 5% ou 10%. É o mínimo de responsabilidade que devemos exigir, sobretudo em nome das gerações a quem estamos a deixar o pesado fardo da dívida.
Nota: Por opção, o autor escreve segundo a antiga ortografia
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