Os ladrões fizeram o seu trabalho na Caixa, os polícias não

O Banco de Portugal investiga gestão da CGD da qual fez parte o seu governador. É ridículo. CMVM está a fazer um "acompanhamento cuidadoso” de uma auditoria que não teve acesso. Ridículo ao quadrado.

Sherlock Holmes e o Watson foram acampar. A meio da noite, Sherlock Holmes acorda e diz:
Olha para cima e diz-me o que vês.

Watson responde, num tom muito filosófico:
Bem, vejo estrelas, planetas, imagino outras galáxias, a grandeza do Universo onde estamos

Sherlock Holmes diz:
Não estúpido! Roubaram-nos a tenda

A inteligência e a perspicácia de Watson é mais ou menos equivalente àquilo que se passa com os reguladores e supervisores financeiros em Portugal. Estão sempre a olhar para as estrelas e para galáxias distantes, enquanto o BPN, BPP, o BES, o Banif e a Caixa Geral de Depósitos são assaltados. A auditoria da EY à Caixa, conhecida na semana passada (obrigado Joana Amaral Dias), é a prova de que os ladrões fizeram um bom trabalho na Caixa e que os polícias (CMVM, Banco de Portugal e PGR) fizeram e fazem mal o seu papel.

Antes de ir aos polícias, convém falar dos ladrões. É importante dizer que a auditoria da EY à gestão da CGD, por razões políticas e para agradar à esquerda e à direita, abrange um período longo, de 2000 a 2015. O que é injusto porque põe no mesmo saco todos os que por lá passaram: Armando Vara, Santos Ferreira, Carlos Costa, Faria de Oliveira, José de Matos, etc…. Um saco de porrada para que a opinião pública descarregue as frustrações depois dos 5 mil milhões de euros que tivemos de injetar no banco público para tapar os buracos dos desmandos e das tropelias financeiras que foram feitas no passado.

José de Matos, por exemplo, foi talvez um dos melhores presidentes da Caixa. Além de carregar o banco público às costas durante a crise, teve de limpar as imparidades que os outros fizeram e, segundo se percebe pela manchete do Expresso, foi durante a sua gestão (2013) que a Caixa, no âmbito da lei de prevenção de branqueamento de capitais, comunicou ao Ministério Público transações suspeitas na conta de José Sócrates e dos seus familiares e que serviram de embrião àquilo que viria a ser conhecida como Operação Marquês, cuja fase de instrução arranca esta segunda-feira.

O Governo socialista não renovou o mandato de José de Matos. Depois de terminar o mandato, e após ter estado seis meses, como o próprio escreveu, em “situação precária” e com um plano de recapitalização por aprovar, saiu do banco público tal como entrou: low-profile. É o que acontece em Portugal às pessoas competentes.

Agora vamos passar de pessoas competentes para pessoas não tão competentes, ou seja, reguladores e supervisores.

A auditoria da EY relatou-nos práticas de gestão e de contabilidade duvidosas na Caixa que a Deloitte, auditora do banco entre 2002 e 2016, não terá detetado. A CMVM, que desde 2016 supervisiona o trabalho das auditoras, foi confrontada com este facto e a resposta da presidente Gabriela Figueiredo Dias foi a seguinte: “a CMVM não teve acesso ao relatório, não pediu para ter e não tinha que pedir”, mas isso “não significa que não possamos vir a fazê-lo”. Acrescentando que o regulador está a fazer um “acompanhamento atento e cuidadoso”.

Isto é que é um mistério digno de Sherlock Holmes: não se percebe porque é que a CMVM não pede a auditoria da EY, sobretudo conhecendo a gravidade do conteúdo. O caricato é tentar perceber como é que a CMVM está a fazer um “acompanhamento atento e cuidadoso” de uma auditoria a que não teve acesso e pelos vistos não quer ter? Telefona a Joana Amaral Dias para se inteirar dos factos? Sintoniza a CMTV? Vai lendo nos jornais a versão preliminar?

Gabriela Figueiredo Dias pode sempre contar com Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, para garantir que não fica sozinha na galeria dos reguladores ridículos de Portugal. Mário Centeno (que tem contas a ajustar com Carlos Costa) veio dizer esta semana no Parlamento que a CGD terá solicitado ao Banco de Portugal para que este requeresse uma auditoria e que o regulador terá respondido que tal “exorbitaria as suas atribuições e competências”.

Como recordou, e bem, o Diário de Notícias, no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras é referido expressamente que no desempenho das suas funções de supervisão, o Banco de Portugal “pode exigir a realização de auditorias especiais por entidade independente, por si designada, a expensas da instituição auditada”. Então porque é que o Governador não pediu a dita auditoria e teve de ser a CGD a pedi-la à EY?

Carlos Costa é um governador com currículo. Foi ele quem, enquanto diretor-geral do BCP deu parecer favorável à renovação dos créditos das offshores. Era ele quem tinha o pelouro internacional quando a Caixa esturricou milhões na aventura de Espanha. Carlos Costa também fez parte da administração de Santos Ferreira e Armando Vara da Caixa, a pior que passou pelo banco público. E é ele, agora como governador do Banco de Portugal, que está a investigar o que se passou na altura. Faz sentido. Se há alguém capaz de perceber se houve gestão danosa na Caixa é alguém que lá esteve. “Elementar, meu caro Watson”.

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