Os riscos das eleições primárias (I)
Em Espanha, o processo foi traumático e, embora permanecendo nos estatutos, não foi utilizado durante mais de dez anos. As recentes eleições presidenciais francesas acabam por ser muito reveladoras.
As recentes eleições presidenciais francesas foram muito reveladoras a respeito de um ponto que se manteve em segundo plano em detrimento dos bons resultados da extrema-direita ou da surpreendente vitória de Emanuel Macron: os dois candidatos eleitos em primárias, François Fillon e Benoît Hamon, foram os dois principais derrotados. Talvez seja interessante compreender as consequências desta revolução em curso nos partidos.
A partir dos anos 90, os partidos políticos europeus começaram a procurar mecanismos para aproximar os processos de eleição da liderança dos respectivos militantes. A ideia passava por alargar a base eleitoral do líder do partido ou do seu candidato a presidente ou primeiro-ministro. Até aí, a escolha era feita através dos famosos congressos partidários. Quem não se recorda, em Portugal, do “Congresso da Figueira da Foz”, que, em 1985, levou Cavaco Silva à presidência do PSD; ou do “Congresso do Coliseu” que, dez anos depois, determinou o seu sucessor? No PS, a disputa de 1992, entre Jorge Sampaio e António Guterres, talvez tenha sido a mais relevante.
Os líderes dos partidos eram escolhidos por delegados ao congresso, previamente eleitos pela militância, que tinham total liberdade de voto sem qualquer obrigação perante quem os elegera. Na prática não era difícil às “elites” ou ao “aparelho” assegurar o controlo do partido através das discretas eleições dos delegados. Quando António Guterres chegou a secretário-geral do PS impulsionou uma alteração estatutária que permitiu que, pela primeira vez em Portugal, os militantes de um partido escolhessem directamente o seu líder. Esta foi também, durante muito tempo, uma das bandeiras de Pedro Santana Lopes nas suas várias candidaturas a presidente do PSD. Marques Mendes, eleito em congresso em 2005, defende a mudança nos estatutos social-democratas e é reeleito em directas no ano seguinte.
Em Espanha, a primeira experiência neste sentido foi levada a cabo pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), em 1998, num momento em que chegava à oposição depois de catorze anos no poder (1982-1996). A eleição em causa destinava-se à escolha do candidato a presidente do governo e não ao líder do partido. Num país em que, por regra, as duas funções coincidem, o facto de Joaquín Almunia, candidato e secretário-geral, ter sido derrotado por Josep Borrell gerou uma liderança bicéfala no PSOE, com as bases a contrariar o aparelho. Borrell acabou por cair, fruto de uma tentativa de assassinato de carácter, e Almunia foi candidato nas legislativas de 2000, perdendo para o Partido Popular de José María Aznar. O processo foi traumático e, embora permanecendo nos estatutos, não foi utilizado durante mais de dez anos. Em 2014, celebram-se as segundas eleições primárias a nível nacional da história do PSOE, desta vez para eleição do secretário-geral. Venceu Pedro Sánchez.
Em 2007, com a reestruturação da esquerda italiana, surgiu o Partido Democrático (PD). Uma das grandes inovações desta formação foi a eleição da liderança em primárias abertas a maiores de 16 anos mediante o pagamento de 1 euro. A participação foi surpreendentemente elevada, com mais de 3 milhões e meio de votantes. O Partido Socialista francês, que em 1995 e em 2007 já escolhera os seu candidatos presidenciais por eleição directa dos militantes, replica o modelo italiano em 2012. O gaullismo chamou os militantes às urnas para escolher o candidato presidencial de 2007 e optou por primárias abertas em 2017. O Partido Trabalhista inglês, depois da derrota nas eleições legislativas de 2015, leva a cabo uma reforma do sistema de eleição do líder, abandonando o colégio eleitoral que contemplava um peso idêntico (1/3) para os deputados, sindicatos e militantes, e implementando o sufrágio directo por militantes e simpatizantes registados. Jeremy Corbyn foi eleito desta forma e levou a cabo uma ruptura com o posicionamento que o partido mantinha desde os anos 90. Foi reeleito em 2016, depois de forte contestação interna pelo grupo parlamentar.
Na próxima semana, analisaremos as consequências, custos e benefícios desta democratização partidária.
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