Publicidade para advogados: é proibido proibir

  • Nuno Cerejeira Namora
  • 4 Abril 2024

Os ventos são, definitivamente, de mudança radical na advocacia. Embora em discordância, não vamos conseguir “parar o vento com as mãos”.

A vida do Advogado é uma vida em prol da defesa dos direitos, liberdades e garantias. Simultaneamente, é uma vida feita de restrições, de fiscalizações e de limitações.

A procurar-se a razão de ser destas restrições que se reproduzem pelo estatuto deontológico do Advogado, encontramos repetidos os mesmos argumentos: que somos restringidos em proveito da nossa própria dignidade; que estes valores são essenciais para que possamos exercer o nosso ofício com a venerabilidade que lhe é devida.

Por força destes princípios, o Advogado vê-se submetido a um denso leque de restrições, nomeadamente em matéria de publicidade e de divulgação. Assim, a divulgação da atividade profissional do Advogado deve realizar-se de “forma objetiva, verdadeira e digna”, encontrando-se listada no Estatuto exemplos de publicidade “lícita” e de publicidade dita “indigna”.

Sempre fomos defensores desses valores. A nossa profissão requer recato, dignidade, elevação. Mas estas regras em vigor em Portugal, representam uma limitação à divulgação comercial da atividade do Advogado português, que o coloca em situação de desvantagem competitiva perante Colegas estrangeiros que não se encontrem adstritos a limitações similares.

Contudo, o Estatuto da Ordem dos Advogados não é um diploma a que se deva uma obediência inquestionável e infalível, sobretudo no contexto do Direito Europeu.

O espaço comunitário defende um sistema de livre circulação de pessoas, serviços e capitais assegurado por um princípio de concorrência e de fomento do mercado-livre. As restrições ao exercício da atividade económica, sobretudo as de índole protecionista e corporativa, deverão ser progressivamente eliminadas se não justificadas por razões discerníveis e objetivas. Não basta fazer apelos e remissões gerais à “dignidade da profissão”.

Neste contexto, o art. 24.º, n.º 1, da Diretiva 2006/123/CE, preceitua que os Estados-Membros devem suprimir todas as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas.

Num recentíssimo Acórdão do TJUE, interpretou-se esse preceito no sentido de que “se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, de um modo geral, proíbe os membros de uma profissão regulamentada, como a profissão de advogado, de fazerem publicidade proativa, quando oferecem os seus serviços a (grupos de) pessoas que não manifestaram interesse nesses serviços”. O sentido desta jurisprudência não é inteiramente inovador, tendo respaldo numa decisão mais antiga que interpretou a referida norma no sentido de se opor a “uma legislação nacional que proíbe, em termos absolutos, aos membros de uma profissão regulamentada, como a profissão de perito contabilista, levar a cabo actos de angariação de clientela”.

A hierarquia do sistema de fontes de Direito Europeu determina que a jurisprudência do TJUE prevalece sobre o entendimento dos Tribunais portugueses.

Esta jurisprudência europeia pode determinar, pelo menos em parte, a inaplicabilidade das restrições em matéria de publicidade previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados, com evidentes implicações para os procedimentos disciplinares em curso.

Os ventos são, definitivamente, de mudança radical na advocacia. Embora em discordância, não vamos conseguir “parar o vento com as mãos”.

  • Nuno Cerejeira Namora
  • Sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

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