Qui scribit bis cogitat
Alargar o âmbito da admissibilidade do depoimento testemunhal escrito pode, de facto, contribuir para a celeridade e eficiência do processo.
Ainda sobre as alterações ao Código de Processo Civil (“CPC”) em discussão na AR, às quais nos temos dedicado em artigos anteriores, faz sentido refletir sobre a proposta de admissibilidade em geral do depoimento testemunhal escrito.
De acordo com a proposta, o depoimento escrito passará a ser admissível independentemente de autorização do tribunal, quando haja acordo das partes ou a testemunha tenha conhecimento dos factos por virtude do exercício das suas funções. Em bom rigor, a proposta não refere a conjunção disjuntiva “ou” mas admitimos que a intenção seja essa, sob pena de, pela cumulação de tais requisitos, se reduzir sem sentido o alcance prático da medida. É, porém, conveniente uma clarificação da proposta.
Dito isto, há um aspeto preocupante, mesmo para quem, como nós, defenda o reforço dos poderes dos tribunais: resulta da proposta que cabe ao juiz decidir se deverá, ou não, haver lugar “a renovação do depoimento na sua presença”, o que não faz sentido.
O que faz sentido é assegurar a possibilidade à contraparte – e independentemente da vontade do juiz – de, querendo, contra inquirir a testemunha no caso de subsistirem dúvidas ou contradições, ou até para a confrontar com documentos e outros elementos do processo. Esta tem sido uma prática comum em sede de arbitragem, onde, como é sabido, se leva a sério a autonomia das partes, a flexibilidade e, muito importante, o contraditório e a igualdade de armas.
A manter-se a proposta nos termos anunciados, é fácil antecipar que nenhum mandatário poderá, em consciência, aceitar em nome do seu constituinte que os depoimentos testemunhais sejam prestados por escrito, já que isso equivalerá ab initio a uma alienação do direito de contra inquirir a testemunha autora do depoimento escrito.
Desde que ressalvados estes aspetos, o depoimento testemunhal escrito contribui para a celeridade e eficiência do processo. Por um lado, baliza e concretiza antecipadamente a factualidade conhecida pela testemunha. Isso evita em tempo aquelas situações confrangedoras em que são chamadas a tribunal testemunhas que nada sabem sobre os factos. Permite de igual modo aos advogados da parte que apresenta a testemunha uma melhor preparação das suas peças processuais, ao mesmo tempo que assegura aos da contraparte (e ao próprio tribunal) uma preparação mais eficiente das suas instâncias.
A prestação de depoimento testemunhal por escrito tem ainda a grande virtude de encerrar em si mesmo uma certa solenidade e compromisso que, em regra, levará a testemunha a pensar bem na importância e nas consequências das suas afirmações. Quem escreve não se limita, pois, a ler duas vezes. Também por duas vezes pensa.
Em suma, alargar o âmbito da admissibilidade do depoimento testemunhal escrito pode, de facto, contribuir para a celeridade e eficiência do processo, desde que se assegure à contra parte a opção de, querendo, poder contra inquirir a testemunha em audiência.
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