Reservas atingem dois anos de pensões, e agora?

  • Henrique Cruz
  • 7:01

As atuais regras de investimento do FEFSS impedem alcançar rentabilidades do Fundo superiores e, assim, aumentar o seu contributo para a sustentabilidade do sistema.

Foi abundantemente noticiado (e celebrado) que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) acumulou reservas equivalentes a dois anos de despesas com pagamento de pensões, tendo por referência o ano de 2023, o seu montante-alvo estabelecido na Lei de Base da Segurança Social de 2002. São 34 mil 675 milhões de euros ou 13% do PIB. E agora?

O sistema de pensões português é de benefício definido, isto é, tem regras pré-definidas sobre o valor (fórmula de cálculo) das pensões. É financiado em base de repartição, segundo a técnica pay-as-you-go. Isto é, as gerações que entram ou estão no mercado de trabalho vão temporalmente (as-you-go) pagando as pensões das gerações que saíram do mercado de trabalho. Só há lugar a acumulação de reservas para investimento – o caso do FEFSS – caso a taxa de contribuição seja fixada acima da taxa necessária a cada momento para financiar as pensões em pagamento. Quando as populações abrangidas pelos sistemas pay-as-you-go são jovens, as taxas de contribuição são fixadas em valores abaixo da taxa de equilíbrio, procedendo-se a aumentos progressivos. As taxas são inicialmente fixadas acima da taxa necessária enquanto a população é jovem, acumulando-se reservas e rendimentos, que são depois utilizadas de modo a evitar subidas bruscas da taxa de contribuição quando aumenta o rácio entre número de pensionistas e de membros em idade contributiva.

Esta técnica de financiamento é alternativa à técnica de capitalização, na qual o benefício definido é financiado pela taxa de contribuição de equilíbrio, já descontada dos rendimentos esperados das reservas acumuladas.

Esta distinção entre técnicas de financiamento nada tem a ver com a distinção entre sistemas de seguro social (como é o caso da Segurança Social), em que há solidariedade entre os seus membros nos custos de financiamento dos benefícios, e os sistemas de contas individuais (como é o caso dos PPR e do Regime Público de Capitalização) em que os valores acumulados por cada membro são segregados dos demais.

A técnica de capitalização atende, outrossim, à necessidade de contrabalançar a tentação política de prometer ou manter benefícios generosos à medida que os sistemas geridos em repartição atingem a sua maturidade, financiando os seus défices com dívida pública, comprometendo a sua sustentabilidade.

A respeito do que fazer a partir daqui (reduzir contribuições, aumentar benefícios, continuar a acumulação no FEFSS) há, portanto, considerações prévias de sustentabilidade e adequação a verificar.

Nas projeções da conta da Segurança Social constantes do Orçamento de Estado 2025, mantendo-se as atuais regras de atribuição de benefícios, estima-se que o sistema tenha os primeiros saldos negativos “na segunda metade da década de 2030” e que FEFSS não se esgota até final da projeção (2070). Porém, as mesmas projeções indicam saldos negativos continuados na década de 2040, 2050, 2060 e 2070 (final das projeções). Acresce ainda que autores alertam para o financiamento que o orçamento de Estado está a fazer de parte das pensões em pagamento. E o ex-ministro das Finanças João Leão defendeu em entrevista pública que o FEFSS deve comprar dívida pública portuguesa pelo menos, nos montantes que anualmente são transferidos pelo Estado para comparticipar o pagamento de pensões do regime da Caixa Geral de Aposentações.

E quanto à adequação?

O “Pensions Adequacy Report” 2024 da Comissão Europeia revela que a introdução do fator de sustentabilidade em 2007, que adiou a idade normal de reforma em 16 meses, conjuntamente com as penalizações por reforma antecipada (0,5% ao mês), provocaram uma redução da relação entre primeira pensão e última remuneração de 13.83% nas novas pensões atribuídas em 2023 face ao que havia sido comunicado (prometido) a quem começou a trabalhar em 1983. A Comissão Europeia estima um corte adicional de 6.2% para quem se reformar em 2062 (11,2% para quem tiver o azar de ter um período de desemprego de apenas 3 anos). O Conselho Económico e Social no seu parecer à proposta de orçamento do Estado para 2023 invocava estudos que apontavam para taxas de substituição inferiores a 50% nas novas pensões a partir de 2045.

O Mercer CFA Institute Global Pensions Index analisou 48 países e coloca o sistema de pensões português no lugar 41.º quando a afere a sua sustentabilidade. Nos sistemas classificados como mais equilibrados, como da Holanda, Islândia, Dinamarca, Israel, Austrália e Finlândia, com populações etariamente maduras tal qual a Portuguesa, a componente de capitalização tem um papel muito superior ao existente em Portugal.

Segundo o relatório Pensions at a Glance 2023 da OCDE, os Fundos de capitalização naqueles países têm gerado rentabilidades reais médias anuais de longo prazo (10 anos) superiores ao FEFSS (1.33%): 5.4% (Austrália), 4.7% (Israel), 4.2% (Islândia), 3.6% (Finlândia), 1.9% (Dinamarca). Nestes países os fundos apresentavam (2022) investimentos muito mais diversificados: Austrália (45% ações/30% outros ativos); Israel (15% outros ativos); Islândia (40% ações/20% outros ativos); Finlândia (45% ações/35% outros ativos); Dinamarca (45% outros ativos), com alocações a dívida privada, private equity, imobiliário, commodities e outras classes de ativos alternativos.

As atuais regras de investimento do FEFSS, muito em particular o mínimo de 50% de alocação a dívida pública Portuguesa e o máximo de 25% em ações, mas também o atual enquadramento institucional e a dimensão da sua entidade gestora (30 pessoas), impedem alcançar rentabilidades do Fundo superiores e, assim, aumentar o seu contributo para a sustentabilidade do sistema. Aumentar a sua rentabilidade real para, p.e., 3% ao ano geraria reservas adicionais nos próximos dez anos equivalentes a 4,3 meses de gastos com pensões de 2023. Aumento para 4% ao ano, o equivalente a 7,2 meses. Isso sim, permitia suprir os saldos negativos projetados a partir da década de 2040.

Pensões de reforma haverá sempre. Mas não vai ser possível conjugar sustentabilidade e adequação sem alterar o modelo de financiamento do atual sistema contributivo de segurança social. Se queremos manter taxas de substituição e um bom value for money aos futuros pensionistas, impõe-se uma transição no sentido de um reforço do mecanismo de financiamento em capitalização, solidária (caso do FEFSS) ou individual (PPR e Regime Público de Capitalização).

O défice criado por essa transição de modelo pode bem ser financiado pelo FEFSS. Afinal é essa a original finalidade das reservas num sistema de benefício definido: modelar a recolha e a utilização das contribuições. Chama-se estabilização. Há um primeiro desafio, porém: atualmente metade do FEFSS está e tem de ser investido em dívida pública Portuguesa.

  • Henrique Cruz
  • Ex-presidente da IFD

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