Salários por decreto
O acordo de concertação e o aumento do salário mínimo, em 2017 e o previsto para os anos seguintes, vai pressionar os custos unitários de trabalho das empresas. Convém lembrar: não há almoços grátis.
Sob a liderança do Governo, foi há dias firmado o acordo de concertação social para 2017, que teve como ponto mais mediático o aumento do salário mínimo nacional (SMN) para 557 euros, e como ponto mais polémico a atribuição de um (maior) desconto às empresas sobre as suas contribuições sociais.
Desde que se iniciou a presente legislatura, o SMN já aumentou 10% e se as intenções do Governo até 2019 se concretizarem, no espaço de uma legislatura, o SMN terá aumentado de 505 para 600 euros, quase 20%. Trata-se de um crescimento bem superior àquele que se prevê para a economia portuguesa, para a inflação, e para a produtividade nacional no mesmo período de tempo. Os custos unitários do trabalho estão, pois, destinados a aumentar.
A difusão do SMN é hoje muito significativa em Portugal. Segundo o Governo, no final de 2015, 21% dos trabalhadores a tempo inteiro estavam abrangidos pela chamada retribuição mínima mensal obrigatória. Entretanto, com os aumentos decretados em 2016 e para 2017, a fasquia da população abrangida por aquela remuneração será já próxima de 25% ou mais. Mas há sectores em que a sua difusão é mais intensa do que a média revela. São disso exemplo os sectores do têxtil e do vestuário, do mobiliário, da indústria alimentar, do alojamento e da restauração, entre outros, sectores nos quais a prevalência do SMN no final de 2015 era já superior a 35% da população empregada. Sem surpresa, quase 40% dos novos empregos hoje criados são-no ao salário mínimo.
Há muita opinião, sobretudo aquela que é assinada por macroeconomistas, que converge na necessidade de aumentar o salário mínimo – aqui e no estrangeiro. Seria uma forma, defendem alguns, de estimular a procura agregada.
O problema, e aqui reside o equívoco (ou a sobranceria) dos macroeconomistas, é que no domínio da microeconomia o aumento do SMN corrói a competitividade de muitas empresas que constituem a economia real. No caso concreto de Portugal, devo sublinhar que não está em causa o baixo valor nominal do SMN, que face ao custo de vida do país é de facto baixo.
Infelizmente, temos em Portugal salários ainda muito portugueses, mas um custo de vida cada vez mais europeu. O que aqui está em causa é outra coisa. É o impacto da subida administrativa dos salários nas empresas que os pagam.
Segundo a central de balanços do Banco de Portugal, os gastos com pessoal representavam em 2015 cerca de 13% do total de rendimentos das empresas. Nesse ano, os gastos com pessoal aumentaram 4% face ao ano anterior enquanto os rendimentos totais aumentaram apenas 2%. E em 2016 a diferença há-de ter sido ainda maior.
Rebobinando a história até 2008, o pico cíclico da economia portuguesa nos últimos anos, o rácio entre gastos com pessoal e rendimentos empresariais passou de 12% em 2008 para 13% em 2015. Esta diferença de um ponto percentual, parecendo pequena, corresponde na realidade à terça parte da margem líquida (resultados líquidos em percentagem dos rendimentos) média no período e que foi de 3%.
Dada a evolução esperada dos salários até 2019, o valor acrescentado bruto das empresas tenderá assim a ser cada vez mais utilizado na remuneração do trabalho. O que nos leva à seguinte questão: e os demais factores de produção, como serão remunerados? O que sucederá então ao custo de vida?
Convém lembrar que não há almoços grátis.
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