Selfies & Sanguessugas

Hoje fui atacada por sanguessugas. Se amanhã cair em areias movediças fecho a loja das viagens e vou trabalhar para uma reprografia.

Ele há coisas que a pessoa viu no MacGyver que não acredita que aconteçam na vida real, até ter de fazer um strip-sem-tease à frente da turistada toda, para tirar minhocas-vampiro dos nossos sítios mais ermos.

De todas as coisas imbecis que o homo-turisticus faz, tirar fotografias tornou-se na mais arriscada. Já não é o sítio que é perigoso, é a chapa que é tramada. Na verdade, quanto mais aborrecido for o sítio mais incrível tem de ser a foto. E o grande problema é que, ao contrário da abertura do diafragma, o Q.I. não dá para regular na máquina.

Já sabemos que as selfies matam mais que tubarões mas, mesmo no Sri Lanka — onde a malária já foi erradicada –, a doença do auto-retrato está de boa saúde. Além dos placares de “Alerta Tsunami” agora há Selfie Danger Areas e o grande preferido cingalês é a selfie fora do comboio. Desde o princípio do ano já cá morreram 28 pessoas com queda para o retrato e… para os carris. Ainda assim, todos os dias, nas sete horas de pouca-terra que separa Kandy de Ella, não há quem resista a pôr os pauzinhos ao sol.

Na Índia passei por sítios onde é proibido chegar só pelo receio do que por lá se possa ficar. E, mesmo hoje, naquela que é considerada uma das mais bonitas pontes do mundo, havia seguranças para nos segurar. Na verdade, é todo um filão que se descobre: a cobrança pela vista. E não é preciso dar muito balanço para chegar à conclusão de que todas aquelas fotos de baloiços de praia tiveram de deixar a sua gorjeta ao local de serviço.

Esta que vos escreve cheia de nervos, a dar graças a Buda por aquela sanguessuga lhe ter chegado ao umbigo sem ter passado pela “Casa da Partida”, não é inexperiente nesta tendência. Para ter fotografias impactantes já fui mais aventureira do que devia e acordei bem mais cedo do que pretendia. E hoje foi isso que aconteceu. Acordámos às 6 da manhã para chegar à Ponte dos Nove Arcos, antes da multidão. Claro que fomos pelo atalho errado e fizemos logo uns sapatinhos de lama. Chegados à dita, decidimos descer um escorregadio declive, duas vezes pior do que a calçada do Ascensor do Lavra, agarrados aos arbustos de chá.

A coisa já tinha dado tanto trabalho a descer e já estávamos tão ensopados de orvalho com cheiro a Lipton IceTea que mais valia perder tempo para tirar a melhor foto de sempre. Mas, de repente, eram só lesmas a subir-me às alturas. E só depois de meia dúzia de piparotes ensanguentados é que percebemos que o grupo sanguíneo era o nosso. Garanto-vos que a subida demorou menos que um disparo e, chegados aos carris, pudemos dar um absurdo show de burlesco, para gáudio de muita story e sorte de muito drone.

Contas feitas, as mil palavras valem mais do que a imagem. É sempre assim em viagem e não há tendência que bata uma boa história. E uma ou outra desventura que só por um triz não virou cicatriz. É aproveitar, enquanto temos bateria!

Crónicas indianas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publica as melhores histórias da viagem à Índia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui.

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