Editorial

“Um orçamento em tons rosa”

O Governo cedeu, o PS teve ganhos de causa, a viabilização do orçamento está mais próxima. E o orçamento fica com tons rosa.

O primeiro-ministro apresentou ao secretário-geral do PS uma proposta (quase) irrecusável, cedeu provavelmente mais do que se poderia esperar no IRS Jovem, mitigou a redução de IRC e somou medidas em áreas identificadas pelos socialistas como a Saúde ou Habitação. Luís Montenegro mostrou que não quer ir para eleições, Pedro Nuno Santos tem agora a oportunidade de desmentir todos os que consideram, como considerei aqui, que o único objetivo do PS desde o primeiro momento era mesmo chumbar o orçamento, mandar o Governo para os braços do Chega ou no limite precipitar o ciclo eleitoral.

A proposta apresentada pelo Governo tem uma descida relevante de impostos para os jovens e para as empresas, são cerca de 975 milhões de euros por ano, e isso não é se somenos quando a carga fiscal bate recordes. Mas há um ‘mas’. O primeiro-ministro trocou uma certa visão de política económica — a eficácia e eficiência das medidas que estavam em discussão é outra discussão — por um orçamento cozinhado no Bloco Central. Não se via um orçamento tão negociado ao centro pelo menos desde os orçamentos de Guterres e Marcelo.

Luís Montenegro cedeu, e ao fazê-lo fez um xeque à agenda de Pedro Nuno Santos, deixou o secretário-geral do PS numa posição difícil de levar até ao fim, leia-se chumbar o orçamento. O líder do PS não queria qualquer tipo de associação ao Governo AD — também para moldar um novo PS, à sua imagem e semelhança –, definiu estas linhas vermelhas, a pensar no ciclo político que aí vem, mas ao fazê-lo daquela forma, criou um problema a si próprio. Pedro Nuno Santos já teve ganhos de causa, as primeiras reações oficiosas dos socialistas foram mesmo a reclamar vitórias políticas. Mas essa ilação não é compatível com o chumbo do orçamento.

Dito isto, ao ceder nestes termos, o Governo abandonou também alguns dos objetivos implícitos nas medidas, seja o IRC e especialmente o IRS Jovem. Mantém-se uma redução de impostos, e não um aumento de despesa pública, mas mudou a natureza dos objetivos com estas medidas. Vamos por partes.

O IRS Jovem proposto pelo Governo foi criticado de forma generalizado, também aqui no Editorial do ECO. Injusto, a tributar em função da idade e não pelo rendimento, talvez inconstitucional, a incentivar práticas criativas no momento da contratação. Mas esta medida tinha um objetivo: Reter o talento português, os mais jovens, e atrair os que já saíram. Ora, ao mudar a lógica da medida, ao abandonar o choque fiscal por um modelo idêntico, mas vitaminado, ao que está em vigor, do PS, o objetivo passou a ser outro (mesmo se não anunciado): Passa a ser o que já é, um apoio ao rendimento dos mais jovens, e que têm salários mais ou menos até ao 6º escalão de IRS, nos primeiros 13 anos de atividade profissional.

A redução da taxa de IRC geral até aos 15% em 2027 era um ponto estratégico da política económica do Governo. É, recorde-se, a primeira medida do chamado ‘pacotão’ de Pedro Reis. Além de introduzir majorações fiscais para as empresas que investem e aumentam os salários, o Governo tenta não perder a face e anuncia o corte de apenas um ponto percentual na taxa geral, para 20%. É outra cedência, porque uma redução de IRC de apenas um ponto — o que vem a seguir, para os próximos anos está no domínio da futurologia — dificilmente pode ter a relevância que o Governo (e particularmente o ministro da Economia) gostaria que tivesse. É uma redução simbólica, a primeira em muitos anos, que mostra uma vontade, mas também evidencia que há uma cultura vigente, socialista que não valoriza mesmo o papel das empresas na economia e no bem-estar dos portugueses. Razão tinha o FMI quando sugeria a eliminação das derramas, especialmente a estadual, que é um travão ao crescimento das empresas.

Como escreve o subdiretor do ECO, André Veríssimo, na newsletter Semanada, o país vai ter um orçamento travestido. Às medidas já decididas, e aprovadas no Parlamento pelo PS e com o apoio do Chega, como as portagens, IVA na eletricidade ou até a redução de IRS em termos diferentes daqueles que eram propostos. Somam-se agora duas medidas em IRC e IRS Jovem que resultam desta espécie de negociação por carta. O Governo abdica das suas prioridades a favor da estabilidade política, e de tempo para convencer os eleitores para as próximas legislativas, o PS fica (quase) obrigado a viabilizar o orçamento, se estiver mesmo empenhado nisso, mas também vai ser chamado a assumir uma certa corresponsabilização pela sua execução deste orçamento em tons rosa.

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