Editorial

Um secretário-geral não chega

O Governo está a gerir de forma desastrosa o processo de contratação do secretário-geral. E desta vez nem o ataque a Centeno faz qualquer sentido.

O Governo geriu de forma politicamente desastrada o processo de contratação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo, e não foi por admitir pagar 15 mil euros brutos por mês para uma função que pode ser designada de ‘CEO da Administração Pública’. Foi pela forma como mudou a lei à medida, um dia antes da nomeação, e por manter o tema em cima da mesa com a discussão — que, simplesmente, não faz qualquer sentido — sobre a possibilidade de ser o Banco de Portugal a pagar o salário do consultor e até há poucos meses administrador do banco central.

A criação da figura do secretário-geral do Governo não foi iniciativa deste Governo de Montenegro, mas de outro, o de António Costa. E surgiu no âmbito da chamada bazuca europeia. A fusão de secretarias-gerais e a criação de uma entidade centralizada foi um dos compromissos assumidos pelo Governo de Costa na negociação do PRR. Nem tudo estava feito, e o atual Governo deu sequência às obrigações do Estado perante a Comissão Europeia para garantir os reembolsos de fundos do PRR. Em meados de 2024, surgiu o primeiro diploma sobre a fusão de secretarias gerais e a criação deste cargo essencial no processo de reforma do Estado (ou de uma coisa parecida). Nesse momento, o Governo não se lembrou da exigência e da responsabilidade da função e por isso fixou a política remuneratória com referência ao salário do primeiro-ministro. Depois, percebeu que dificilmente encontraria a figura necessária com as competências adequadas à exigência da missão. Encontrou então Hélder Rosalino, recém-saído da administração do Banco de Portugal, atual consultar e quadro do banco central, com um salário superior a 15 mil euros brutos. Era mesmo a pessoa indicada, por mérito e competência. Por isso o Governo fez, mais ou menos às escondidas, uma alteração de ‘pormaior’ ao estatuto remuneratório da função. Afinal, poderia assumir funções com o salário de origem. Uma alteração publicada no dia antes da nomeação.

Se este processo já é mau, a tentativa de pôr o Banco de Portugal a pagar o salário é pior. Vamos por partes. O mesmo governo que criticou, e bem, Mário Centeno por passar do Ministério das Finanças para governador e por assim em risco a independência do supervisor financeiro, quer mesmo que o banco central pague o salário de um quadro do Governo, ainda por cima um cargo claramente de escolha política, que pode ser nomeado e exonerado pelo primeiro-ministro?

Aparentemente, revela o Expresso, haverá casos passados, no mandato de Carlos Costa, em que o banco central terá partilhado os custos salariais de quadros do banco que passaram para o Governo. Se é verdade, não deveria ter acontecido. O Banco de Portugal é uma entidade pública, mas integrada no sistema europeu de bancos centrais, é independente do poder político, tem uma administração inamovível e não recebe fundos do orçamento do Estado, paga dividendos quando tem lucros para tal. E não pode, sob qualquer forma, financiar o Estado. São condições que deveriam ser óbvias para todos.

O salário de Hélder Rosalino seria sempre de cariz público, uma despesa pública em sentido lado, mas as gavetas são e devem continuar a ser claramente separadas. E se o argumento do Governo, como se ouve nos corredores, é o de que aquele salário continua a pesar da mesma forma nas contas públicas, não se percebe afinal qual é o problema em assumir que quer contratar a pessoa certa para o lugar certo. Deveria tê-lo feito de forma clara e sem medo de populismos, mas preferiu um caminho torto para lá chegar. E deu o pretexto certo a Mário Centeno para expor a manobra quando inventa a solução criativa de ser o Banco de Portugal a pagar e quando admite, por portas travessas, que poderia depois reembolsar o banco central daquele custo. Um erro atrás do outro.

Nada deste processo faz sentido. O Governo poderia e deveria ter feito a escolha certa para secretário-geral — Hélder Rosalino — e deveria ter assumido politicamente que teria um custo. Seria na verdade um investimento. Como foi o de Paulo Macedo na Administração Fiscal quando foi contratado há muitos anos por um valor que a preços de hoje rondaria os 30 mil euros brutos. E depois embrulha-se numa guerra com Mário Centeno de onde só pode sair a perder, simplesmente porque não é possível defender a independência do banco central e, em simultâneo, a responsabilidade de pagar um salário a um alto quadro do Estado. António Leitão Amaro, o ministro da Presidência, tem particular responsabilidade em saber o que está em causa, porque o seu doutoramento é mesmo sobre a independência dos bancos centrais, especificamente sobre “Direito sobre a independência dos bancos centrais, política e democracia”.

Na verdade, este processo mostra que a contratação de um secretário-geral não é o principal problema do Governo.

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