Uma boa revisão dos benefícios fiscais?
Há dois erros em curso: não ouvir a sociedade civil e basear a revisão dos benefícios fiscais num documento oficial com demasiados erros.
Em Junho, devemos conhecer uma proposta de revisão dos benefícios fiscais. Espera-se que o objectivo desta revisão não seja apenas a simplificação e a redução da perda de receita a que estão associados. Convinha que se tivesse presente os problemas mais graves da economia portuguesa, que requerem solução:
- Aumentar o crescimento económico. Se continuarmos a crescer três décimas acima da média europeia, precisamos de 87 anos para atingir o nível médio de rendimento europeu. Muito antes disse seríamos o país mais pobre da UE.
- Aumentar a poupança, quer privada quer pública.
- Aumentar o investimento. Durante demasiados anos foi inferior ao necessário para compensar o desgaste de material.
- Atrair muito mais Investimento Directo Estrangeiro. Temos demasiada dívida externa, quase toda financeira, que é extremamente vulnerável. Estes investidores pedem IRC mais baixo e estabilidade fiscal.
Por tudo isto, era essencial que na revisão dos benefícios fiscais o Governo ouvisse a sociedade civil e os potenciais investidores estrangeiros, em particular as principais câmaras de comércio.
Infelizmente, parece que o trabalho está a ser feito em circuito fechado, com a agravante de o documento de base ao “custo” dos benefícios fiscais, conhecido por despesa fiscal, conter erros graves.
Diz este relatório: “Seguindo a prática generalizada entre os Estados-Membros da OCDE, o método de quantificação e estimativa da despesa fiscal adotado no presente relatório é o da receita cessante.” (p. 10). Este método é dos mais simples, mas é preciso ter consciência das suas fortes limitações, nomeadamente o não prever alteração nas acções dos agentes económicos, com e sem benefício fiscal.
Começamos por ficar muito admirados com o montante da despesa fiscal total, mais de 12 mil milhões de euros, 6,2% do PIB. Quer dizer que se eliminássemos todos os benefícios fiscais passávamos a ter um excedente orçamental de 6% do PIB? Claro que não, porque estes valores não são minimamente confiáveis.
Comecemos pelo IVA, responsável por mais de 60% desta “perda” de receita. Este valor absurdo é calculado presumindo que, se o IVA fosse de 23% em todos os produtos, os consumidores comprariam exactamente a mesma quantidade que consomem com as taxas de 6% e 13%. Onde é que as pessoas iam inventar rendimento para pagar mais esta barbaridade de impostos? É evidente que não iam, simplesmente seriam forçadas a reduzir drasticamente o consumo.
Não vou falar sobre os outros impostos, até porque a informação fornecida é mínima, pouco permitindo perceber como se chega a estes valores, que não fazem qualquer sentido. Só um outro alerta: Alguém acredita que se pagássemos muito mais impostos passaríamos a ter um PIB 6% superior ao actual?
Vou só dar um exemplo extremo, que não estou seguro que se aplique à zona franca da Madeira. Imaginem que, para atrair Investimento Directo Estrangeiro, é necessário criar um benefício fiscal igual ao vigente em Espanha, sob pena de ser impossível atrair um único euro de investimento. À conta deste benefício, entram centenas de milhões de investimento que a administração fiscal, com aquele método, estima que represente dezenas de milhões de despesa fiscal a par de outras dezenas de receita fiscal.
Alguém poderá ser tentado a acabar com este benefício fiscal, porque “custa” muito dinheiro, o que não é verdade, porque este benefício gera nova receita fiscal que, sem ele, pura e simplesmente não existiria.
Ou seja, estamos não só em presença de uma sobre-estimação absurda da despesa fiscal, como podemos estar em risco de acabar com benefícios fiscais cujo impacto final será uma perda de receita fiscal, o oposto do que se pretende.
Sem ouvir a sociedade civil e partindo de um documento com tantos erros, a probabilidade de tal acontecer é muito elevada.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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