Editorial

Uma questão de (des)confiança devoluta

o Governo baralhou e voltou a dar no plano de habitação, mudou alguma coisa para que tudo fique na mesma, mas acabou com o mais importante dos valores, a confiança.

O Governo aprovou em conselho de ministros, como se esperava, o plano de habitação, e não poderia faltar o powerpoint de serviço para nos explicar a todos, em letras garrafais, a bondade destas medidas. E logo na primeira útil, depois da capa, António Costa identifica os objetivos deste plano em frases fortes, como mandam os especialistas em marketing. Em cinco títulos, dois identificam especificamente a “confiança” como um objetivo destas medidas, do mercado e das pessoas. Mas é exatamente a confiança que Costa destruiu nos últimos 45 dias, desde que apresentou o primeiro powerpoint, e não é no mercado de arrendamento, é mesmo no Governo.

  • DAR CONFIANÇA AO MERCADO DE ARRENDAMENTO
  • DAR CONFIANÇA ÀS PESSOAS

O que António Costa conseguiu fazer neste último mês e meio foi mesmo destruir a confiança dos agentes económicos, de quem investe, de quem aplica as suas poupanças no imobiliário, na palavra do Estado perante os proprietários, e provavelmente não haverá um único arrendatário que esteja mais confiante na possibilidade de haver mais imóveis disponíveis no mercado nos próximos anos.

Portugal tem um problema na habitação, a falta de imóveis para responder à procura e, consequentemente, o aumento dos preços a um ritmo superior aos dos rendimentos. Mas como dizia há dias o economista Fernando Alexandre, temos uma grande capacidade de matar o sucesso com soluções erradas para bons problemas. O bom problema é a força da procura, o mau problema é a incapacidade do Estado de desbloquear mais construção ou reabilitação. E Costa entendeu que poderia pôr o Estado a meter-se nos contratos privados, na liberdade de iniciativa, no direito de propriedade, para aumentar a oferta. Sem dar uma resposta com pés e cabeça do próprio Estado relativamente aos imóveis públicos (e não, o que está no powerpoint não chega para provar que o Governo vai fazer a sua parte, como não fez nos últimos sete anos, além de leis de bases).

Costa não recuou da primeira proposta para o que foi aprovado no conselho de ministros de ontem. Como é habilidoso, tinha de dar uma resposta às críticas, até ao Presidente da República, há algumas novidades, mas no essencial mantém-se o que estava mal, nomeadamente no arrendamento coercivo, no alojamento local e na fixação administrativa do valor das rendas para casas com contratos realizados nos últimos cinco anos. No essencial, estas medidas criam uma desconfiança em quem investe, em quem investiu, e isso só poderá ter como consequência a diminuição da oferta de imóveis e, por isso, o aumento dos preços.

O primeiro-ministro acredita, ingenuamente ou de forma cínica, que o Estado vai ter condições para interferir na formação dos preços, passou responsabilidades para as câmaras que os autarcas não querem e penalizações no âmbito do PRR para as resistentes. E anuncia agora a uma nova geração de apoios a cooperativas de habitação. Passa portanto as responsabilidades do que vier a ser feito, ou não, para as autarquias e para os privados, acrescenta mais uns quantos benefícios fiscais para o arrendamento de longa duração no regime de renda acessível (que não convenceu ninguém nos últimos sete anos), baralha e volta a dar. Mas a confiança neste Governo, essa, foi-se. Está devoluta.

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