230 deputados começaram a ser empossados para uma legislatura que promete testar os valores de abril. "Não será fácil", reconhecem, prometendo priorizar o "diálogo" em nome da estabilidade do país.
“Bom dia. Vamos a isso?”, questionava uma funcionária do Parlamento a uma colega. Eram 9h00 quando as portas da Biblioteca Passos Manuel abriram para receber os primeiros deputados. Muitas das caras que surgiram ao início da manhã estão entre os 99 estreantes na Assembleia da República. Sorridentes, e alguns de café na mão, os futuros deputados foram-se alinhando no corredor da biblioteca onde a tomada de posse estava a ser formalizada, processo que decorrerá até ao próximo dia 3 de abril, altura em que todos os 230 deputados eleitos, dos nove partidos com assento parlamentar, já terão sido empossados.
“É sempre muito agitado. São dias de grande movimento”, comenta connosco Manuel José Gama que trabalha há 44 anos na Assembleia da República e que desde a segunda legislatura, em 1980, que presencia o acolhimento dos deputados.
A tomada de posse nem sempre ocorreu naquele local. Em legislaturas anteriores, os deputados reuniam-se no Salão Nobre para receberem o cartão e tirarem as suas fotografias de identificação. Hoje, além do local ser diferente, os deputados empossados também têm direito a uma sacola de boas vindas, que a par de uma caneta e um caderno, inclui ainda uma cópia da Constituição, do Regimento da Assembleia da República e um livrete sobre os 50 anos de democracia do país. “É um pequeno presente“, diz-nos outra funcionária da AR.
Hoje, com 65 anos, Manuel José Gama já testemunhou a tomada de posse de muitas figuras que fizeram história na Assembleia da República. Na verdade, diz-nos, “de quase todos”, e elenca alguns nomes como Leonardo Ribeiro de Almeida, do PSD, ou Manuel Monteiro, do CDS. “Vi tantos que até perdi a conta”, diz-nos.
Manuel Monteiro foi uma das figuras que por ali passou, mas não para tomar posse enquanto deputado. Pelas 12h, o protagonismo da tomada de posse foi roubado pelo CDS que, num corredor próximo da Biblioteca Passos Manuel, via o seu gabinete reabrir portas depois de terem estado fechadas durante dois anos, a sete chaves. Nas últimas eleições legislativas, graças à coligação com o PSD, a Aliança Democrática, o CDS conseguiu eleger dois deputados, recuperando um lugar no Parlamento que, em 2022, perdeu.
“Este é um dia histórico, emotivo e com enorme simbolismo”, disse Nuno Melo, atual líder do CDS que ajudou a aparafusar a placa com o nome do partido. Atrás dele, “algumas das melhores” caras da família dos democratas-cristãos assistiam ao momento: Nuno Magalhães, José Ribeiro e Castro, Narana Coissoró, hoje com 92 anos, ou o “emergente” Francisco Camacho, da Juventude Popular. Mas mesmo quem não esteve presente para assistir ao momento, teve direito a um agradecimento do atual líder centrista pelo apoio prestado ao longo dos 47 anos de existência do partido, como os falecidos Freitas Amaral e Lucas Pires, ou os ex-líderes do partido Assunção Cristas e Francisco Rodrigues dos Santos.
Depois do último parafuso, o corredor estreito e entupido de jornalistas e militantes irrompeu em aplausos. No rosto de Paulo Portas, que também assistiu ao momento da primeira fila, era visível “a emoção e alegria” daquele que seria o regresso ao Parlamento do partido que liderou durante 18 anos. O antigo vice-primeiro-ministro não quis falar aos jornalistas. O momento, explicou Portas, era de Nuno Melo. Mas mesmo assim fez questão de o capturar, tirando uma fotografia com o seu próprio telemóvel.
“O ciclo político mudou. A vitória da AD foi possível também por causa dos votos do CDS”, afirmou o atual líder do partido, não revelando se um regresso do CDS implicaria, consequentemente, um regresso ao Governo ao lado do PSD. Essa decisão, afirmou Melo, será de Montenegro, que oficializará a sua equipa na quinta-feira. E da qual a Iniciativa Liberal não fará parte.
Momentos antes do anúncio de que os liberais e os sociais-democratas não tinham chegado a acordo para integrar o futuro Governo, alguns deputados e militantes do partido foram avistados nos corredores, em direção à biblioteca para a assinatura do termo de posse. Mas assim que o comunicado de imprensa foi libertado, não se avistou nenhum liberal. Apenas Rui Rocha saiu da sala do grupo parlamentar para dar a cara em declarações aos jornalistas.
“Não há neste momento” um entendimento suficiente “que justifique a celebração de acordos mais alargados”, declarou o líder do partido aos jornalistas, garantindo, no entanto, que o diálogo entre o PSD e a IL será mantido ao longo de toda a legislatura.
Deputados preparados para legislatura “difícil”
“Diálogo” é a palavra de ordem desta legislatura que promete ser exigente. A vitória ligeira da Aliança Democrática, liderada pelo PSD, pede por consensos entre a esquerda e a direita para manter a governação de Luís Montenegro equilibrada e, preferencialmente, longe de um hemiciclo polarizado que pode, a qualquer momento – ou a qualquer diploma – empurrar o novo Executivo em direção ao abismo.
“Não será uma legislatura fácil. Será difícil“, diz-nos António Filipe, quem presidiu a primeira sessão legislativa desta terça-feira, em substituição da mesa que ainda não foi eleita. “O nosso dever na Assembleia da República será de manifestar a nossa oposição”, explica-nos o deputado comunista.
Essa oposição será manifestada desde logo com a apresentação de uma moção de rejeição que, para já, não conta com o apoio de nenhum partido por ainda não ser conhecido o programa de Governo. Para António Filipe “não existe a expectativa de que [a moção] seja aprovada”, mas o PCP apresenta-a, ainda assim, como forma de “deixar clara a oposição ao Governo”.
Um arranque da legislatura tumultuoso é expectável entre os partidos. Joaquim Miranda Sarmento, um dos nomes que tem sido sugerido para liderar a pasta das Finanças no Governo de Montenegro, diz ao ECO esperar apenas que o Executivo esteja “à altura do desafio”, sublinhando que a governação dos sociais-democratas estará focada em “resolver o problema dos portugueses” através de um constante “diálogo com as diferentes bancadas”.
Esse diálogo terá começado mesmo antes do início da nova legislatura. E logo com um partido que viu negado, constantemente, qualquer entendimento com o PSD. “Tentaremos até ao limite ser o garante da estabilidade. Se for prejudicada, não será por causa de nós. Será por outros”, garante-nos por seu turno André Ventura.
No dia antes, o líder do Chega anunciou ter chegado a acordo com o PSD para a viabilizar as propostas de cada partido para a mesa da Assembleia da Republica. A jogada colocou em causa o “não é não” que Luís Montenegro, várias vezes, fez questão de frisar ao longo da campanha eleitoral, e foi, aos olhos de Ventura, um “ajuste de contas” depois de na última legislatura a Assembleia “ter boicotado os nomes propostos” pelo Chega à mesa. Mas esse acordo rapidamente caiu por terra quando José Pedro Aguiar-Branco falhou a eleição, à primeira tentativa, para presidente da Assembleia da República, por falta de apoio de André Ventura.
“Quando vemos Montenegro passar de um ‘não é não’ para um ‘não, é talvez’, ficamos, naturalmente preocupados“, revela-nos Inês Sousa Real que ocupará o único assento parlamentar do PAN, na próxima legislatura. “Lamentamos que se inicie uma legislatura com um passo atrás, num ano em que celebramos os 50 anos do 25 de abril”.
A deputada única reconhece que, face à nova composição do hemiciclo, não será possível que o PAN volte a ser o pequeno partido que mais propostas conseguiu aprovar na Assembleia da República. Mas também, admite não estar focada nisso. “Não corremos pelos títulos, mas pelas causas“, responde. “Não nos demitimos de trabalhar em prol das causas que representamos“, garante.
Uma dessas será uma iniciativa para a criação de um círculo de compensação “que evite que um milhão de votos sejam desperdiçados” todas as eleições, explica-nos a deputada única. Proposta que deverá ser também apresentada pelo Livre.
O partido liderado por Rui Tavares garante agora quatro lugares no hemiciclo, e passa também a partilhar um gabinete na Assembleia da República com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. “A principal novidade é conseguirmos provar que conseguimos crescer, com um discurso de construção, cordialidade, e com um décimo do dinheiro e da atenção mediática”, explica Rui Tavares.
O porta-voz do partido não será, contudo, líder parlamentar nesta legislatura. Passou o testemunho à antiga assessora Isabel Mendes Lopes que assegura estar “preparada” para a intensidade dos trabalhos no hemiciclo de uma governação exigente. “Vou estar bem acompanhada e terei esse suporte para fazer face aos desafios do Parlamento“, promete.
Outra figura estreante no Parlamento, mas desta vez na bancada do PS, será Marta Temido, que depois de ter desempenhado o cargo de ministra da Saúde no Governo de António Costa garantiu, com um cravo ao peito, que o seu futuro passa por desempenhar funções “claramente parlamentares”, que são “hoje mais do que nunca necessárias e exigentes”, recordando o 25 de abril.
A praticamente um mês do 50.º aniversário do 25 de Abril, dá-se início a uma nova legislatura depois de a última ter sido interrompida antecipadamente, mergulhando o país numa (nova) crise política. O objetivo dos deputados e do futuro Governo será agora garantir a “estabilidade” e colocar em prática os valores democráticos de Abril.
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Deputados de volta ao Parlamento para “legislatura difícil”. “Esperamos estar a altura do desafio”
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