De que forma os fundos comunitários contribuem para dia-a-dia e para melhorar a qualidade de vida dos portugueses? A Mostra PT2020 tentou dar resposta com um leque de exemplos, da cultura à indústria.
Nuno Encarnação é cenógrafo, mas desta vez palco é diferente. A quilómetros do Teatro do Bolhão, cativa quem passa com as marionetas coloridas e um gigantone que disputa as alturas com os drones da Tekever. Esteve na Mostra do Portugal 2020 para divulgar o projeto À Barca. O nome não é inocente. “À barca, à barca, houla! que temos gentil maré!” Era com esta rábula que Gil Vicente convidava os personagens do Auto da Barca do Inferno. É de um convite que se trata, mas antes para o sucesso escolar, o oposto “da ilha danada” para onde o Diabo propunha “partir sem demora”.
A cena vão peças do programa nacional de leitura. Mas é o teatro que vai à escola. Mais exatamente nos 17 municípios da Área Metropolitana do Porto. O primeiro espetáculo começou em outubro de 2018 e o pano só volta a cair em junho de 2020. Na verdade, “o projeto já existia de certa forma, há cinco anos”, conta ao ECO Nuno Encarnação, “com teatros portáteis que iam às escolas”. “Mas funcionavam à bilheteira”, ou seja, eram pagos. Com o apoio do Portugal Inovação Social os espetáculos passaram a ser gratuitos.
Os projetos apoiados ao abrigo deste instrumento são financiados a 70% por fundos públicos, neste caso 325,9 mil euros, sendo os restantes 30% assegurados por investidores sociais, quer públicos quer privados. No caso do À Barca, são os 17 municípios da Área Metropolitana do Porto que asseguram os 139,6 mil euros. Mas o projeto é muito mais do que a simples representação de uma peça, no final as crianças, do primeiro (antiga primeira classe) ao nono ano, podem fazer perguntas e interagir com os atores.
O sucesso da iniciativa é tal que por vezes é necessário abreviar a curiosidades dos petizes no final porque há outros à espera na escola seguinte, explica Nuno Encarnação. Já foram envolvidos mais de 18.500 alunos de mais de 820 turmas. O cenógrafo conta que “a participação é um reflexo da escola e dos professores e não da idade dos espetadores” e dá o exemplo de uma escola, em que depois da peça, os 12 exemplares da obra que foi à cena foram requisitados de imediato na biblioteca.
O À Barca tem outras dimensões. As verbas do Programa Operacional Capital Humano (POCH) serviram ainda para os atores do Teatro do Bolhão — que é também ele uma escola profissional de teatro, lembra Nuno Encarnação — ajudarem os professores das diversas escolas com técnicas de voz, postura física e melhoria de desempenho. Mas também espetáculos em espaços municipais (dois por cada ano letivo). “Com sorte, as crianças incentivam depois os pais a ir ao teatro ver novamente a peça”, explica Nuno Encarnação.
E há ainda um desafio “gigante” — o Vicente. O repto lançado aos agrupamentos escolares é construir 18 gigantones, um por cada agrupamento. Dez já ganharam vida. “Fornecemos a estrutura e podemos ajudar a montar, mas depois cada agrupamento faz o seu com matérias locais”, explica o cenógrafo. “A ideia é apresentar uma passeata no final do projeto em junho de 2020”, mas ainda não está fechado.
O que também está longe de estar fechada é a distribuição dos quase 26 mil milhões de euros do Portugal 2020. Na Mostra, que decorreu a semana passada em Lisboa, foi possível ter uma ideia do variadíssimo leque de opções onde as verbas do atual quadro financeiro são investidos. Mais do que falar de taxas de execução ou de compromisso, de pagamentos a beneficiários ou cumprimento das regras do N+3, a Mostra visava exemplificar a “forma os fundos da União Europeia contribuem para o dia-a-dia e para melhoria da qualidade de vida” dos cidadãos.
O difícil é escolher. Talvez começar pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte que com o Portugal 2020 conseguiu modernizar os seus equipamentos tecnológicos, como angiógrafos, aparelhos de mamografia, endoscopia, aceleradores lineares, que “permitiu substituir equipamentos com mais de 30 anos”, explica Vanessa. O investimento feito em duas fases (2018 e 2019) somou 9,6 milhões de euros. “Os dois angiógrafos comprados têm uma tecnologia única que permite reduzir a radiação aplicada, usando uma panóplia de técnicas e algoritmos que se traduzem num maior conforto do doente”, mas também “reduzir os encargos do SNS”, especifica.
Na área da saúde há ainda o projeto do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, o Inova4Health que faz jus ao nome ao tentar implementar práticas médicas de precisão na fase inicial da doença, tendo por base o crescente conhecimento do mecanismo da doença. Doenças oncológicas, neurodegenerativas da visão ou perturbações cardiometabólicas são os maus desta fita, que o projeto de Manuel Carrondo de medicina translacional visa combater, com 2,17 milhões de euros comunitários. O gestor de projeto, Hugo Soares, explica que, entre 2015 e 2019, a Inova4Health participou em mais de 70 testes clínicos, e é neste campo que querem crescer. No currículo têm parceiros como a Merck, Sanofi, Boehringer, Ingelheim ou a FCT Harvard Medical School.
SeaB2 ou o blusão que salva vidas
Inovação é a palavra-chave da Mostra. Aliás é um dos critérios para a escolha dos projetos a apoiar. E já são muitos. Os últimos dados disponíveis, de 31 de março, revelam que já foram aprovadas 327.893 candidaturas que representam um investimento total de 32,96 mil milhões de euros, alavancado por 20,15 mil milhões de euros comunitários.
Numa área tão tradicional como os têxteis, o Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (Citeve) desenvolveu um casaco especial. Com elegância que se pede a um agasalho para velejar — mas que, claro, pode ser usado por pescadores ou militares da Marinha — a surpresa surge caso o azar bata à porta e o marujo caia à água. Com um sistema engenhoso, o blusão esconde no seu interior um colete salva vidas que é automaticamente insuflado, caso o utilizador caia à água. O projeto foi batizado SeaB2, e é produzido pela Damel. “É um excelente exemplo de um têxtil técnico”, explica ao ECO, Cristina Castro do Citeve. A patente já está registada, até nos Estados Unidos e a empresa da Póvoa do Varzim até já foi notícia do Business Wire quando participou numa feira do Dubai. Aliás, a internacionalização da Damel conta com o apoio do Norte 2020 no total de 58,35 mil euros, ou seja, uma comparticipação a 65%.
Quem não gosta de mar pode escolher a serra e o ar, num pack só. Como? Nos Passadiços do Paiva. São “oito quilómetros que proporcionam um passeio “intocado”, rodeado de paisagens de beleza ímpar, num autêntico santuário natural, junto a descidas de águas bravas, cristais de quartzo e espécies em extinção na Europa”. Inserida no Geoparque de Arouca, reconhecida pela UNESCO como Património Geológico da Humanidade, a Ponte Pedonal Suspensa sobre o Rio Paiva foi cofinanciada em 800 mil euros pelo Feder num investimento global de 1,8 milhões de euros. Venceu pelo terceiro ano consecutivo os prémios de melhor projeto turístico da Europa e de melhor experiência de aventura, nos World Travel Awards.
Uma aventura é também percorrer Os Caminhos de Santiago. A recriação desta prática milenar está prestes a ganhar mais uma variante. Além do Caminho do Norte, do Caminho Primitivo, da Via da Prata, o Caminho Francês, o Caminho Inglês e o Caminho Português — que leva 25 dias a completar a pé ou dez dias de bicicleta –, em breve vai ser possível fazer parte do Caminho a cavalo, avançou Maria José Guerreiro, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo. O projeto de 1,06 milhões de euros visava “uniformizar sinalética, fazer filmes, uma app, página de Facebook, um site, um guia para operadores turísticos — que muito agradeceram — produzir um livro científico, e desdobráveis em cinco línguas diferentes”, explica. Mas a inovação não pára em torno deste caminho que se faz desde o século XII e “a equipa de dez municípios já está a pensar em futuras candidaturas” a apoios europeus, avança Maria José Guerreiro.
O Caminho Português parte de Lisboa e segue para norte, até Santiago de Compostela, passando por cidades Património da Humanidade, como Coimbra ou Porto. “Apanhámos peregrinos da Coreia do Sul, do Canadá e do Irão”, conta um técnico dos fundos, que semanas antes fez parte do troço — da costa de Viana até Santiago — precisamente aquele que poderá ser feito a cavalo.
Não a cavalo, mas de carro, ou melhor num simulador, o presidente da Agência da Coesão, António Costa Dieb, não resistiu em participar numa corrida virtual, um projeto desenvolvido pelos alunos do terceiro ano curso profissional Mecatrónica Automóvel.
Mas esta não era a única tentação da Mostra do Portugal 2020. Fernanda Freitas, a anfitriã dos vários painéis do evento não se cansou de elogiar, relembrar, gabar e ansiar pelos queijos e doces tradicionais portugueses que tinham o seu espaço reservado — um dos mais concorridos da feira. Nem os ministros falharam à chamada ao pt2020.come
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Marionetas, pontes e até angiógrafos. A montra dos fundos comunitários em Portugal
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