A Majora tem um segredo. O ECO visitou a fábrica onde se faz o Sabichão, o feiticeiro que ninguém sabe como acerta sempre. Saiba como a empresa recuperou a magia depois de três anos fora do mercado.
“Lembro-me de ser miúdo e brincar com o Sabichão dos meus pais“, diz Nuno Sousa, um dos clientes que comemoraram o 55.º aniversário do Sabichão com uma edição personalizada. Há muitos anos que a Majora leva jogos tradicionais à casa dos portugueses mas, para o novo acionista, o The Edge Group, esta é uma “startup com 78 anos de existência”. Na era da digitalização, a Majora regressa renovada às prateleiras depois de três anos de interregno. Como? O Sabichão, entre os especiais de Natal, dá todas as respostas — com a ajuda de quem o relançou, de quem o comprou e, até, de quem o fabrica.
“Queria dar aos meus pais algo que fazia parte da infância deles”, conta Nuno Sousa, 33 anos e um dos 55 clientes a quem a Majora permitiu personalizarem o jogo, criando as próprias perguntas e respostas, como forma de comemoração do 55º. aniversário da marca. Este foi o primeiro ano de vendas da Majora desde o “fecho controlado”. E, para Nuno, este é um gosto que herdou de gerações anteriores: “Lembro-me de ser miúdo e de brincar com o Sabichão dos meus pais”. Para a edição especial, preparou perguntas referentes à história dos pais e dos avós e espera estreá-lo este Natal, o dia que escolheu para os surpreender. “Achei que seria uma homenagem bonita à família”, conta Nuno ao ECO.
O Sabichão chegou à Ondagrafe, uma gráfica em Loures, há cerca de ano e meio. Bruno Moluras, o gerente da gráfica, diz que o trabalho para o Natal “começa uns quatro meses antes” e implica “mais horas extras, mais sábados“. Apesar de não ser uma grande fatia de tudo o que a gráfica produz, Bruno aprecia o desafio, dado que este é o primeiro jogo de tabuleiro que é feito sob a sua vigilância. E, tirando o próprio feiticeiro — que vem de outra fábrica em Maia –, a restante “magia” tem lugar em Loures antes de chegar às prateleiras.
“Ficamos muito contentes. Envaidece um pouco quem mexe nele. Gostamos de passar nas lojas e ver trabalhos feitos por nós“, diz Florbela Domingues, ou “Bela”, chefe da secção de acabamento. Sabe tudo sobre o fabrico do brinquedo, incluindo curiosidades inesperadas. Como se chama a gorila que sabe linguagem gestual? A resposta é Koko, e Bela tem-na bem presente: é assim que testa a sapiência de todos os Sabichões antes de os embalar. Juntam-se as várias partes deste jogo tradicional à maneira antiga, a oito mãos — ou doze na azáfama do Natal.
Mão a mão, enche O Sabichão a caixa
As ilustrações saem do ecrã do computador para as máquinas de impressão, depois para as de corte e, finalmente, o cheiro a papel e tinta é substituído pelo da cola: alguns andares acima, sentada em bancos assinalados com o nome próprio, a equipa dedica-se a montar o Sabichão. “Fazemos cerca de 500 jogos em oito horas de trabalho”, assegura Bela, mas o tempo tem de ser dividido por muitos projetos diferentes.
"Queremos que os jogos que fazemos hoje também sejam jogados pelos netos das pessoas que os compram.”
Catarina Jervell, CEO da Majora desde 2015, garante que o trabalho manual compensa pela qualidade. José Pinto Basto, que através do The Edge Group comprou a marca em 2014, defende que vale a pena perder um pouco nas margens de lucro. “Queremos que os jogos que fazemos hoje também sejam jogados pelos netos das pessoas que os compram”, justifica.
Para Catarina, a empresa que dirige “é uma das primeiras marcas que se preocupa mesmo com as famílias” e através dos materiais duradouros, investe também no tempo de qualidade. Vende “jogos divertidos que possam potenciar maior qualidade no pouco tempo que as famílias já têm“. Aliás, o logótipo mudou para ilustrar esta missão: as peças de tangram que formavam uma criança a brincar sozinha, reposicionaram-se e multiplicaram-se para desenharem a imagem de uma criança com um adulto.
Este ano, já 11.000 Sabichões saíram da gráfica para bater à porta de casa dos portugueses. As crianças desligaram os ecrãs e viraram-se para o velho tabuleiro. Nos dias que correm, em que os jogos digitais estão cada vez mais sofisticados, conseguir tal feito é “obviamente desafiante“, reconhece o principal acionista, José Pinto Basto, CEO do The Edge Group. “No fundo tivemos de reconquistar um espaço de prateleira que tinha sido deixado em aberto pela majora para outros concorrentes. E esse espaço foi ocupado”, diz a CEO. A fórmula mágica? Os “sabichões” que recuperaram a Majora, Catarina e José, apontam pelo menos alguns dos truques.
Deixar brincar e fazer perguntas
“O trabalho que fazemos nas escolas é muito importante“, realça Catarina, “não só porque damos a conhecer o trabalho às gerações mais novas como sentimos o engagement das crianças com os nossos jogos”. Deixam-nas brincar e fazem perguntas: “E se tivessem esta cor? Qual é a que gostam mais? Gostam mais de falar de youtubers ou de reis de Portugal?”. Entre brincadeiras, a Majora vai reunindo valiosos contributos. “Não basta fazer jogos. Têm de se fazer jogos bem feitos e com uma capacidade de cativação“, observa José.
A “grande inspiração” é o espólio da Majora, que deixou mais de 500 jogos… para serem reinventados. “Apesar de termos ficado com alguns restos de stock não tínhamos na nossa posse nenhumas ilustrações, nenhuns moldes, nada que nos permitisse recriar os jogos como eles eram”, conta Catarina. “Tivemos de pensar num relançamento da marca com um portefólio que fosse, de facto, diferente mas que, ao mesmo tempo, fizesse lembrar aos portugueses os jogos que faziam parte da sua infância“, explica. Para os conteúdos, têm uma rede de parceiros que vai desde a Ordem dos Biólogos à National Geographic.
O jogo do Stop, como todos, foi testado pelos pequenos. Mas em termos de inspiração, foi uma exceção. “Todos gostávamos e um dia surgiu a ideia: porque não vamos fazer o Stop em jogo de tabuleiro?” A partir daí, a discussão estendeu-se a toda a toda a equipa. Só desde outubro, já se venderam 3.000, tornando-se o segundo mais vendido.
Esse trabalho de convencer as crianças não é mais nada senão mostrar-lhes os jogos, pô-los a brincar e a ver como é que eles funcionam, deixá-los divertirem-se.
Os segredos da Majora ficam então na oficina. Depois de construídos, é simples: “Esse trabalho de convencer as crianças não é mais nada senão mostrar-lhes os jogos, pô-los a brincar e a ver como é que eles funcionam, deixá-los divertirem-se”, diz Catarina. O entusiasmo, assegura, é descoberto entre as traquinices. “Podem fazer bluff, batota, jogar uns com os outros”, realça a líder da empresa. Quando se juntam em torno do tabuleiro, “vejo as crianças muito mais satisfeitas e muito mais alegres do que a jogar um jogo digital”, observa ainda José. “É mais fácil do que se possa pensar. Os pais vão ficar surpreendidos”, garante.
José Pinto Basto refere-se aos pais como os maiores “aliados” da marca. “Em primeira instância dirigimo-nos mais aos pais”, confirma Catarina, “porque, no fundo, são os pais que já conhecem a marca porque brincaram com estes jogos”. Quer-se que os adultos ofereçam aos filhos uma parte da sua infância: talvez por isso, a maioria dos clientes sejam “mulheres entre os 35 e os 40 anos”, revela.
Nuno Sousa, o cliente que vai oferecer a edição personalizada do Sabichão aos pais no Natal, é a prova viva disto mesmo. Mas não é o único adulto que compra as recordações que a Majora voltou a embalar nas suas caixas. Numa viagem aos anos 70, o primeiro avião retro da TAP ofereceu aos clientes uma edição do jogo do feiticeiro que tudo sabia da história da companhia aérea. Este ano, também um “cliente especial” encomendou uma versão personalizada para comemorar os seus 60 anos, e ofereceu-a aos seus 60 convidados.
A Majora vai conseguir um feliz Natal?
No mercado dos brinquedos, o último trimestre do ano é o que pode trazer o final feliz: é por esta altura que se concretizam cerca de 70% das vendas do ano. As “boas novas” desta época natalícia são o jogo do Stop, a nova edição do Rebenta a Bolha, em colaboração com o humorista César Mourão e o Faz Fita, um clássico dos anos 80 com nome e imagem renovada. O nome “era algo como Ler, rir, medir e ganhar“, recorda Catarina, soletrando devagar. Voltou com um nome que consideraram mais apelativo.
Para o Natal, o objetivo é “acabar com o stock”, diz Catarina, acrescentando: “Estamos no bom caminho”. Depois do fecho por falta de viabilidade financeira, o desafio foi reconquistar o espaço perdido nas prateleiras mas os números mais doces foram sendo fabricados ao longo do ano. A loja online já cresceu 55% e a grande distribuição disparou para os três dígitos, com a variedade de produtos requisitados pelas superfícies a subir de três para dez ou doze.
"São cada vez mais famílias a juntarem-se à volta da mesa com um jogo da Majora.”
Crescer muito “é fácil quando a base é pequena”, assume José. Mas o que importa é que “estamos a conseguir penetrar o mercado e são cada vez mais famílias a juntarem-se à volta da mesa com um jogo da Majora”. O investimento foi de 600.000 euros na aquisição de direitos da marca e um milhão no lançamento. “Sempre soubemos que seria um grande desafio e esse desafio tem sido alcançado e até superado”, afirma.
“Recuperação do investimento, ainda não“, contrapõe. Mas, este ano, atingiram o break even operacional, isto é, as receitas já ultrapassam os custos. O entusiasmo mantém-se e o líder do The Edge Group vê uma grande possibilidade de crescimento, suportada pela visibilidade da marca. Entrar neste mercado com uma marca totalmente nova estava fora das opções de jogo: o reconhecimento da Majora veio colmatar da melhor forma a lacuna que o grupo de investimento detetou no mercado dos jogos tradicionais. “Todos têm uma imagem positiva [da Majora], isso é uma coisa relativamente rara“, diz o acionista. Para além disso, entre os bons negócios, prefere aquele que “dê gozo e que, acreditamos, está a trazer algum benefício à sociedade”.
Sabe tudo. Até o futuro
Lançamentos para o ano? As vozes sobrepõem-se: “Ai claro que vai”, diz Catarina. E José confirma :”Isso é uma coisa certa. Não sabemos o quê, mas que vai haver novidades vai”. “Todos os anos o nosso objetivo é ir relançando clássicos da Majora”, assegura Catarina Jervell. O mercado dos brinquedos é um bocadinho como o mercado da moda, explica a CEO, pois “tudo se planeia um ano antes”. No final de janeiro, início de fevereiro, têm de ter definidos os novos produtos, e desenvolvê-los até maio, “já a pensar no próximo Natal”.
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O Sabichão sabe: o segredo da Majora para um bom Natal
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