Futebol e dinheiro tão depressa andam de mãos dadas como de costas voltadas. Sindicato está a combater casos de bancarrota com formação financeira junto dos futebolistas. O ECO acompanhou iniciativa.
Herói improvável em Alkmaar levando o Sporting à final da Taça UEFA 2004/2005, há um ano que Miguel Garcia, 34 anos, procura dar um novo rumo a uma carreira que se aproxima a largos passos para o apito final. Desempregado e pai de dois filhos, o futebolista sabe melhor do que ninguém que fazer uma gestão e planeamento das finanças durante a vida ativa pode ajudar a evitar rasteiras financeiras no futuro. Aos 20 anos, já tinha um excelente ordenado e apostou no imobiliário. “Comecei logo a preparar outra fonte de rendimento além do futebol”, conta o antigo internacional português ao ECO.
Para lá da aposta no setor imobiliário — “apresenta uma rentabilidade muito boa e nesta altura o ativo imobiliário está sempre a valorizar” –, Miguel Garcia tem também algum dinheiro aplicado em obrigações e fundos de investimento mistos, permitindo-lhe encarar o futuro fora dos relvados com outro amparo financeiro. Mas ele é um caso raro num mundo do futebol repleto de autênticas tragédias relacionadas com a ruína financeira.
Um estudo da XPro diz que três em cada cinco jogadores na milionária Premier League inglesa vão à falência três anos depois de pendurar as botas. Não há dados concretos para Portugal, mas o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), que tem procurado criar mecanismos de proteção financeira dos atletas, encontrando-se inclusivamente a fazer um levantamento dos conhecimentos dos jogadores em matérias financeiras, admite que o cenário não seja muito melhor.
“Na generalidade dos jogadores não há uma preocupação efetiva com o final da carreira. A maior parte dos futebolistas estão preocupados em gerir bem a sua carreira no presente, descurando o futuro”, conta o líder do sindicato, Joaquim Evangelista.
Como Miguel Garcia, também Pedro Correia, 30 anos, participou no estágio que o sindicato promove todos os anos para ajudar os jogadores desempregados a encontrarem um novo clube. Ao contrário dos últimos anos, desta vez houve uma novidade: além da componente física, os jogadores tiveram aulas de formação financeira, uma exigência do SJPF.
Na verdade, desde abril deste ano que Joaquim Evangelista decidiu associar a classe que representa ao Plano Nacional de Formação Financeira. O objetivo passa por sensibilizar os jogadores para a inevitabilidade das suas carreiras: mais tarde ou mais cedo terão de pendurar as botas e mais do que nunca vão precisar de um bom pé-de-meia para fazer face a essa transição para uma nova etapa fora do futebol.
No caso de Pedro Correia, o estágio no sindicato acabaria por trazer boas notícias. O Vilafranquense decidiu contratá-lo depois de enfrentar uma situação desemprego que durava há mais de dois meses após a saída da Académica de Coimbra. Mas Pedro Correia não ganhou para o susto perante a privação de rendimento durante algum tempo e numa altura em que se prepara para ser pai pela segunda vez.
"Na generalidade dos jogadores não há uma preocupação efetiva com o final da carreira. A maior parte dos futebolistas estão preocupados em gerir bem a sua carreira no presente, descurando o futuro.”
“O desemprego é uma situação para a qual devemos estar preparados em qualquer carreira nos tempos que vivemos e o futebol não foge a esta situação. Não é uma situação agradável mas existem ferramentas que podemos utilizar para atenuar os seus efeitos”, salienta.
Evangelista conta que são vários os casos de jogadores e ex-jogadores com problemas financeiros que chegam ao sindicato com relativa frequência. É no sentido de combater este flagelo que o líder do sindicato tem lançado vários mecanismos para garantir uma maior proteção financeira dos atletas, como o caso do fundo de pensões que já foi apresentado na Assembleia da República.
Embaixador da iniciativa “Todos contam. E no Futebol também”, que o SJPF e o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) lançaram há uns meses, Rui Jorge, selecionador nacional de Sub-21, sublinha a importância de dotar os jogadores de maior conhecimento financeiro.
“Tudo o que seja mais informação será sempre positivo, acresce que para mim quanto mais direcionada for, maior a probabilidade de ser efetiva”, refere Rui Jorge.
É no âmbito deste plano ao qual se juntam Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão de Seguros (ASF) que o sindicato de jogadores pretende envolver todos os clubes das duas ligas profissionais em Portugal, com o objetivo de ensinar temas como a gestão do orçamento familiar, a relação com os bancos e os produtos de poupança e investimento nos balneários de norte a sul do país.
“Estamos convictos de que este projeto contribuirá decisivamente para diminuir os casos de bancarrota entre os jogadores de futebol”, assegura Evangelista.
"Tudo o que seja mais informação será sempre positivo, acresce que para mim quanto mais direcionada for, maior a probabilidade de ser efetiva. É o que penso que se passa com este projeto de educação financeira “Todos contam. E no Futebol também” que o SJPF e CNSF lançaram.”
Miguel Garcia e Pedro Correia foram os primeiros alunos desta iniciativa. Já familiarizado com muitos dos assuntos abordados nas aulas, o antigo jogador do Sporting conta que a formação ajudou-o a perceber melhor o funcionamento dos fundos de investimento de obrigações e ações e dos fundos de obrigações mistos. Para Pedro Correia, que sempre se mostrou bastante conservador no que toca a estratégias de investimento, aprendeu como as ações de empresas podem dar dividendos e como é que a CMVM trabalha como polícia do mercado de capitais. “Nesse aspeto foi uma formação bastante importante para alargar conhecimentos”, revela.
Rui Jorge acredita que essa atitude mais prudente se deve ao facto de não dominar em profundidade alguns temas financeiros. “Sendo a opção mais ‘segura’ para quem não dominava o tema, não terá sido forçosamente a mais vantajosa em termos financeiros”, explica o técnico.
Todos acreditam que a iniciativa de sensibilizar os jogadores para um maior sentido de responsabilidade financeira vai ajudar a melhorar as estatísticas num setor onde predominam as baixas qualificações literárias. Muitos são os atletas que acabam por abandonar os estudos mais cedo do que deviam por força da carga de treinos diários, acabando por eternizar alguns destes problemas. Mas esse não foi o caso de Diogo Luís, 37 anos, antigo lateral esquerdo do Benfica.
Com passagens por vários clubes da primeira liga, incluindo o Beira-Mar, Estoril-Sol, Diogo Luís trabalha atualmente no setor financeiro. É financial advisor na Golden Assets — Sociedade Gestora de Património desde fevereiro, depois de ter trabalhado em bancos investimento como o BiG e o Best.
“A profissão de jogador de futebol é curta e nem todos conseguem atingir o auge. É fundamental que os jovens façam um esforço adicional de forma a não deixarem a vida académica cair por terra“, frisa o antigo jogador de Alverca, Beira-Mar, Naval, Estoril-Praia e Apollon Limassol (Chipre). “Nunca sabemos o dia de amanhã e ter uma ferramenta adicional é importante, é um “seguro” que devemos ter, para nos momentos oportunos podermos utilizar”, considera.
Não se pense, por isso, que um jogador de futebol não seja capaz de gerir as suas próprias finanças. Muito pelo contrário, ele também pode vir a gerir as nossas. Não acredita? Diogo Luís ajuda a desmistificar um mito que teima em dar uma má imagem do futebolista pouco apto para lá do domínio da bola.
“A constante pesquisa, aprendizagem e análise permite-nos identificar quais os ativos que fazem mais sentido em cada momento/cenário macroeconómico para cada tipo de investidor/perfil, permitindo-nos a definição de um estratégia de investimento de acordo com os nossos objetivos/expetativas”, diz o antigo futebolista que não se deixou fintar pelos números e pelo dinheiro.
"A profissão de jogador de futebol é curta e nem todos conseguem atingir o auge. É fundamental que os jovens façam um esforço adicional de forma a não deixarem a vida académica cair por terra. Nunca sabemos o dia de amanhã e ter uma ferramenta adicional é importante, é um “seguro” que devemos ter, para nos momentos oportunos podermos utilizar.”
O ECO está, ao longo desta semana, a realizar um conjunto de trabalhos sobre a poupança, no âmbito do Dia Mundial da Poupança. Pode acompanhar estes artigos aqui.
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Quando o dinheiro finta a vida de um jogador de futebol
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