Três dias, dezenas de discursos, centenas de militantes e infinitas dúvidas sobre que Rio será este na oposição. Da excitação de um militante aos inéditos assobios, o retrato de um congresso decisivo.
“Somos um rio que não vai parar”. Esta é uma das frases do hino do PSD que tocou ininterruptamente este fim de semana no Centro de Congressos de Lisboa. Mas no 37.º congresso dos social-democratas, o novo líder não foi imparável. Suou para conseguir unidade, teve de ouvir discursos corrosivos, viu uma vice-presidente ser vaiada e os seus discursos não foram os mais aplaudidos. Mas a grande questão que está na cabeça dos militantes e portugueses é só uma: que líder da oposição vai ser Rui Rio?
Fiel à atitude que imprimiu — desde que foi eleito só deu uma entrevista –, não se deixou confrontar pelas perguntas dos jornalistas. Teletransportou-se para a frente do congresso e raramente foi visto nos corredores, a não ser para a preparada entrada no último dia para caminhar até ao palco. Depois do desfile, o discurso seguiu o estilo Miss Universo — não concretizou as suas ideias, continuando a seguir a generalidade que constava na sua moção de estratégia global. Até Marques Mendes apontou isso no seu comentário na SIC: “Rio tem uma característica muito vincada: tem uma enorme tendência para diagnósticos e generalidades”, disse, avisando que “agora tem de ter propostas concretas”.
Os militantes que vieram a Lisboa para descobrir o que o seu líder quer concretamente para o futuro viram o seu objetivo falhado. “Faltou-lhe propostas concretas que lancem o debate”, disse um social-democrata nortenho ao ECO, desiludido com os discursos de Rio. Apesar dos seus momentos fora do guião — chegou a interromper o seu discurso final, parecendo engasgado, e deixou escapar um “ainda por cima foi aqui que falhou… esta frase é importante” –, Rui Rio não se descaiu. Apenas priorizou temas, deixou uma mensagem positiva a Marcelo, pediu consensos no essencial ao mesmo tempo que criticou a atual solução política e falou pela primeira vez diretamente para o eleitorado. “Esperava mais ideias fechadas”, comentou outro militante, já quase de regresso a casa.
Na sua despedida no domingo fez da classe média e dos temas sociais a sua bandeira da social-democracia virando o PSD para o centro. Mas, se ainda havia dúvidas, Rio dissipou-as: o bloco central “não existe nem existirá”. O esclarecimento veio logo a seguir: “Uma coisa é estarmos disponíveis para dialogar democraticamente com os outros e cooperarmos na busca de soluções para os graves problemas nacionais que, de outra forma, não é possível resolver. Coisa diferente é estarmos disponíveis para nos subordinarmos aos interesses de outros”. À atenção de António Costa.
Com vários testes eleitorais à porta, a primeira batalha da guerra que o espera serão os números das sondagens. Para Margarida Balseiro Lopes, uma jovem deputada social-democrata, Rio tem “a vantagem de não ter estado no Governo nos períodos mais críticos”, além de ser muito “assertivo”, algo que os portugueses gostam. Dos trunfos aos desafios, Nuno Reis, ex-deputado, insta Rio a apostar no discurso social para recuperar os pensionistas. Como ouviu o ECO nos corredores, “é preciso ressuscitar Sá Carneiro”. E não foram poucas as vezes que se citou o mítico líder neste congresso.
A lista de tarefas de Rio é longa e tem como número um a “descentralização”. No primeiro discurso, voltou a criticar o Governo por ter anunciado o investimento da Google, mas por não ter estimulado a sua ida para o interior. No segundo discurso, sugeriu a deslocação do Tribunal Constitucional e Provedoria de Justiça para Coimbra. Apesar de ser economista e querer as finanças públicas controladas, deixou o discurso económico para segundo plano. Focou-se a Segurança Social, a Saúde, a Educação, os serviços básicos do Estado,… Tudo triturado na bimby política, que consistência terá este líder da oposição?
Uma oposição a duas velocidades
Ao mesmo tempo que vai criticar, Rui Rio terá de unir. Quer tirar a esquerda do poder, mas não quer perder mais tempo para aplicar as reformas estruturais que Portugal precisa, na sua opinião. Numa linha de difícil equilíbrio, há uma certeza que o novo líder tem vincado frequentemente: não quer fazer um discurso simplista. “Substituir o discurso fácil e popular por uma ação séria e frontal é um risco acrescido, mas é a única forma de servir a causa pública com nobreza e seriedade intelectual”. Está dito.
"Substituir o discurso fácil e popular por uma ação séria e frontal é um risco acrescido, mas é a única forma de servir a causa pública com nobreza e seriedade intelectual.”
Mas que líder da oposição esperam os militantes? O ECO foi à procura de respostas nos corredores do congresso. Nos corredores havia quem questionasse a eficácia comunicacional do novo líder, a capacidade de fazer um discurso assim tão diferente do de Passos Coelho e a possibilidade da instabilidade interna servir de trunfo para os opositores. Contudo, houve também quem apontasse para a desaceleração do crescimento económico como uma brecha de oportunidade para um novo discurso. “Há quem diga que o problema sou eu”, admitiu Passos Coelho no seu discurso. Mas não é claro que ser Rio e não Passos chegue para que a mensagem seja mais eficaz.
A deputada Margarida Balseiro Lopes — que deverá vencer as eleições nas JSD em abril –, não se posicionou nas eleições internas nem no grupo parlamentar, mas deverá ser a sua provável interlocutora mais direta com os jovens, geração que mereceu atenção nos discursos de Rio. Ao ECO, a social-democrata apontou os trunfos do novo líder: a degradação dos serviços, da saúde à educação, passando pela defesa básica dos cidadãos.
“Quando decidiu não se recandidatar, Passos Coelho fê-lo na perspetiva de que isso seria melhor para o partido, dado que teve quatro anos de governação difícil, o que se refletiu nas sondagens (…) a convicção dele era que as coisas com um outro protagonista poderiam melhorar, mas isso não é suficiente”, explicou a deputada do PSD, destacando que o partido tem de passar por um processo de modernização — “Não tenho dúvida nenhuma que isso vai ser uma prioridade de Rui Rio”. “É uma questão interna que é muito importante para a questão externa”, apontou.
“Ele é uma pessoa muito assertiva que diz exatamente aquilo que pensa. Acho que essa marca de honestidade contrastando claramente com aquilo que é a demagogia barata do atual primeiro-ministro e de quem o acompanha”, afirma Balseiro Lopes, indicando que esse é o trunfo de Rio: “As pessoas gostam de ouvir aquilo é a realidade que vivem no dia-a-dia”. Mas há também “a vantagem de não ter estado no Governo nos períodos mais críticos e isso também poderá ser uma mais-valia”.
Já o ex-deputado do PSD, Nuno Reis, aposta nas questões de longo prazo. Ao ECO, o social-democrata prevê que, apesar de os governos serem feitos da sua conjuntura, que os portugueses comecem a olhar para a sustentabilidade do caminho que está a ser feito. “O grande desafio do dr. Rui Rio é fazer perceber a um povo muito imediatista que o futuro tem de ser preparado atempadamente”, afirma, assinalando que é preciso mostrar aos eleitores que se pode ir mais além do que está a ser feito atualmente.
Admitindo que o cargo de líder de oposição é o “mais difícil” — “é sempre mais fácil estar no poder e distribuir as benesses” –, Nuno Reis considera que as qualidades “humanas e técnicas” de Rio serão suficientes para unir o partido e conquistar os portugueses. O ex-deputado, agora afastado da política mas apoiante do atual líder, deixa um conselho: ofereça estabilidade para (re)conquistar os pensionistas e aposte na via social, vertente que diz ter sido o seu sucesso no Porto. Quanto à comunicação, garante que Rui Rio está bem acompanhado por jovens profissionais capazes de trazer um sexagenário para o atual clima mediático.
No próprio vídeo que se seguiu à sua entrada no congresso há um clip que se destaca, talvez por a maior parte ligar Rio a uma figura de poucos risos. Numa aparição no 5 para a meia noite — além de ter tocado bateria –, quando questionado sobre o que faria em primeiro lugar se fosse eleito primeiro-ministro, o portuense deixou a seriedade de lado e tirou uma piada da manga: “Tomar posse”. Mas isso não apagou a crítica de que a idade pesa. “Nem na direção ou no grupo parlamentar deu um sinal de renovação e de aposta nas gerações novas do partido… depois criticam a falta de recursos humanos no PSD”, apontou um jovem social-democrata que pediu para não ser identificado.
A política das cadeiras… vazias
Rio conseguiu unir o PPD ao PSD, ainda que a cola seja frágil. A iniciativa foi sua, confidenciou Santana, que gritou unidade aos quatro ventos, mais do que o novo líder. Avisando o novo líder que o estado de graça acaba depressa, Santana Lopes serviu de escudo para que uma guerra — a que chamou de “irresponsável” — tivesse lugar este fim de semana. “Transformou a sua derrota numa vitória”, ouviu o ECO de um apoiante do ex-primeiro-ministro. O então enfant terrible passou a pacificador.
E para que serve um congresso? Para discutir ideias na forma de propostas temáticas diria o leitor. Mas a quantidade de cadeiras vazias antes e depois dos principais discursos denuncia o seu desinteresse pelo conteúdo. Foram vários os oradores que ficaram a falar para… as cadeiras. De Joana Barata Lopes, por exemplo, ouviu-se frases como “se é que ainda tenho a sala a ouvir-me” ou a “com isto [tema da segurança social] perdi a sala, os portugueses, o país”. Nem o presidente da mesa do congresso conseguiu meter ordem. “Teve azar”, comentou Fernando Ruas, ex-autarca do PSD, para um congressista que tentava falar enquanto o pavilhão ficava às moscas.
Mas o maior arrepio sentiu-se no sábado de manhã quando um militante atacava os seus pares pela ausência até chegar à parte do seu discurso em que saudava Rui Rio… que estava ausente. Até nas votações (por desatenção?) houve uma surpresa: a legalização da canábis (para fins medicinais e recreativos) passou por maioria, enquanto a maioria dos militantes estavam fora do pavilhão numa relação com a nicotina para acalmar. Ainda que Ricardo Baptista Leite, deputado que apresentou a moção, tenha sido claro: “Não há nenhuma droga que nos valha contra a má governação da esquerda”.
Os nervos têm outra origem: as contas que cada militante, concelhia, distrital, fação ou outras organização fazem para ter um assento — não no congresso, mas nos órgãos nacionais do partido. De ambos os lados da barricada, tanto de Rio como de Santana, houve azias a serem criadas ao almoço ou ao jantar. O novo líder, genuíno (ou ingénuo), resumiu bem o assunto quando anunciou os nomes das suas listas: “Não foi difícil chegarmos os dois a um acordo (…) o menos fácil encaixar muitos nomes em poucos nomes”.
“Não cabem todos”, comentou um apoiante de Rio que conseguiu figurar na lista para o conselho nacional ao ECO. Mas a noite é boa conselheira e no pico da madrugada Malheiro, o Salvador, conseguiu fechar as listas e as votações de domingo assombraram, mas não derrubaram o sentimento de unidade. A nova liderança conseguiu eleger 33 membros para o conselho nacional, melhor do que tinha conseguido Passos, mas a comissão política — que pode servir de medida para a unidade do partido — reuniu 35% de votos brancos ou nulos. Nada que fizesse um Rio descrito como “confiante e corajoso” ficar pálido.
Muitos se perguntaram Rui Rio se tinha esquecido de tomar o seu “banho de ética” antes de vir para o congresso. Vários militantes social-democratas confessaram ao ECO ao que iam: cacicagem. Apesar de ter prometido várias mudanças no partido para reforçar a transparência — o seu primeiro discurso na sexta-feira foi virado para dentro –, Rio tem dois problemas na sua direção: Salvador Malheiro está a ser investigado pelo Ministério Público e Elina Fraga tem não só um passado forte contra um Governo do PSD como recaem sobre si suspeitas de má gestão na Ordem dos Advogados.
Não será comum ouvir assobios num congresso onde o líder já eleito e a mensagem é de união. Muito menos quando se anuncia, nome a nome, os eleitos para os órgãos nacionais que farão parte do futuro do PSD. Mas mal se ouviu o nome da ex-bastonária da Ordem dos Advogados, a ausência de palmas, um curto silêncio e assobios generalizados mostraram mais do que mil palavras. Lá fora estava um sol de inverno, mas dentro do pavilhão tudo congelou.
Os discursos dixit
Foram horas e horas de discursos que tornam difícil quantificar quantas vezes se citou Sá Carneiro no congresso do PSD. Mas acredite que foram muitas — uma referência bibliográfica que consta de praticamente todos os discursos. Os discursos fazem-se de frases marcantes. Há até quem vá mais longe (demasiado?), como um militante que revelou não dormir “há duas noites com a excitação do congresso” e que, talvez por isso, tenha dito que “depois de tantos anos vocês ainda me excitam…”
Passos Coelho fez uma saída discreta, mas que agradou aos militantes — afinal, feitas as contas dos decibéis, é bem capaz de ter sido o mais aplaudido durante todo o congresso (mais de um minuto seguido na sexta-feira). Passos marcou, mas não ofuscou. O ex-primeiro-ministro dedicou grande parte do seu discurso a fazer críticas duríssimas ao Partido Socialista. “Não é fácil bater a geringonça, mas é preciso bater a geringonça”, disse. E sugeriu a Rio que não se esqueça do CDS nesse combate.
Já a principal mensagem de Rio foi para dentro: quer um funcionamento administrativo moderno, regulamentos eficazes, fiscalização interna independente, uma completa transparência no seu funcionamento, contas partidárias equilibradas e recursos otimizados… e a lista continua. “Temos todos consciência de que os partidos políticos atravessam uma crise de falta de credibilidade e de simpatia por parte dos cidadãos“, alertou.
No sábado, ao final de tarde, desceu o sol e subiu Montenegro. Não usou meias palavras, dirigiu-se diretamente ao novo líder e conseguiu falar pelos pingos da chuva para unir, mas sinalizar o que fará no futuro. Não se sabe quando, mas ficou claro que reúne o apoio dos militantes — foi quase tão aplaudido como Passos — tal como o ECO ouviu da boca de vários congressistas que classificaram o seu discurso como o melhor do fim de semana.
"A sombra só incomoda os fracos. Mas eu sei que Rui Rio é forte.”
E nem foi preciso ler nas entrelinhas. Ora leia as frases provocadoras: “A sombra só incomoda os fracos. Mas eu sei que Rui Rio é forte”; “Se algum dia entender [candidatar-se à liderança do PSD], não vou pedir licença a ninguém”; “Em matéria de coragem e autenticidade não levo lições de ninguém”…
No último dia, Rui Rio foi o único a discursar. Sem as atenções dispersas, deu em 50 minutos as pistas para o futuro. Falou para a classe média, prometendo medidas para aumentar a riqueza, a sustentabilidade da segurança social, um crescimento económico alicerçado nas exportações e investimento, a resolução dos problemas no Serviço Nacional de Saúde, a estabilidade no sistema de ensino e a necessidade de descentralizar para manter as finanças públicas sãs. Como num lead de uma notícia, respondeu ao “o quê”, mas faltou-lhe dizer “como”.
Agora é o momento de Rui Rio se mostrar aos portugueses. Deixou a consultoria que fazia em duas empresas e passou a ser o presidente do PSD e o líder da oposição sete dias por semana. Irá a Belém. E vai a São Bento. A dúvida é se chegará lá daqui a dois anos ou se terá de enfrentar “a sombra” na São Caetano à Lapa em 2019.
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