Renda acessível dá “sorte grande” e tira “chatices” no Porto

Conheça a história de quatro proprietários e inquilinos que aderiram ao programa municipal Porto com Sentido, que já garantiu uma centena de contratos de arrendamento acessível na cidade Invicta.

Introduzir habitações a custo acessíveis, de diferentes tipologias, no mercado de arrendamento de todas as freguesias da cidade. Foi com esta missão que nasceu o Porto Com Sentido, em junho de 2020, destinado a pessoas que residam na Invicta há quatro anos ou que trabalhem na cidade há seis meses.

A Câmara Municipal do Porto (CMP) confirma ao ECO que já foram celebrados até ao momento 99 contratos de arrendamento acessível, num total de 11 concursos. E na semana passada terminou o período de candidaturas para um novo concurso com oito habitações situadas nas zonas da Sé, Bonfim, Massarelos, Campanhã e Ramalde.

A autarquia acena com benefícios para todos. Aos proprietários, garante um rendimento atrativo de longo prazo, sem risco de incumprimento, ocupação a 100% por um período de cinco anos, a gestão e manutenção do imóvel, e ainda benefícios fiscais, como a isenção de IRS ou IRC para contratos de cinco anos e isenção de IMI para contratos por três ou cinco anos.

Demorou algum tempo a ganhar tração, tendo em conta que é um programa pioneiro no país, mas neste momento está em velocidade de cruzeiro.

Pedro Baganha

Vereador do Urbanismo na Câmara do Porto

Do lado dos inquilinos, as vantagens apontadas são o acesso a imóveis atrativos, em boas condições e bem localizados, com rendas entre 30% a 35% abaixo do mercado e ainda a possibilidade de obter um subsídio até 30% do valor em causa, consoante o rendimento familiar.

Em declarações ao ECO, Pedro Baganha, vereador do Urbanismo, faz um balanço “claramente positivo” do Porto Com Sentido. “Demorou algum tempo a ganhar tração, tendo em conta que é um programa pioneiro no país, mas neste momento está em velocidade de cruzeiro”, resumiu o responsável municipal.

Pedro Coutinho: “Só com os impostos, iria ter um rendimento líquido inferior ao que a Câmara me paga”

Pedro Coutinho, de 40 anos, é proprietário de um T1 perto da Praça da Galiza há mais de 15 anos. Durante mais de uma década foi ele quem se encarregou de arrendar o imóvel e tratar de todas as burocracias. Mas, vivendo em Lisboa, a distância de cerca de 300 quilómetros dificultava a gestão do imóvel.

Decidiu concorrer assim que soube do programa municipal. Já teve o imóvel alugado em curta e longa duração e ambas as opções trouxeram contratempos, como a falta de pagamento ou os inquilinos estragarem o imóvel. Chegou a contratar uma empresa para fazer a gestão, mas até essa solução falhou em algo “básico”, como a limpeza da casa.

Além de todos as “chatices”, o proprietário explica que, pelo facto de não estar próximo, por vezes tinha outros problemas, como arranjar uma canalização ou abrir uma porta. “Tinha de andar sempre a incomodar alguém ou os pais ou os primos para se deslocarem ao imóvel”, completa.

Todos estes problemas começaram a “incomodar” Pedro Coutinho, que já equacionava o que fazer com o imóvel quando apareceu este programa municipal. A Câmara do Porto fez uma uma proposta de renda, tendo em conta a tipologia, a localização e o imóvel.

Pedro Coutinho, proprietário do T1 perto da Praça da Galiza

Pedro Baganha, que é também presidente do conselho de administração da Porto Vivo, indica que há valores máximos por tipologia que a autarquia está disposto a pagar. “Temos um conjunto de critérios que são ponderados para se decidir o valor final, que está relacionado com a localização, a análise do próprio fogo, o estado de conservação. Não aceitamos todos os imóveis. Há um processo negocial”, garante.

O proprietário deste T1 na Praça da Galiza acordou com a autarquia uma renda mensal de 450 euros. Pedro Coutinho relata que antes conseguira pelo apartamento entre 600 e 650 euros, mas tinha que entregar 28% ao Estado e não tinha a garantia de ter o imóvel sempre arrendado.

O rendimento que garante – e livre de impostos – é uma mais-valia. Para não falar no tempo do contrato. Durante os próximos cinco anos não tenho de me preocupar.

Pedro Coutinho

Proprietário

“Só com os impostos, já iria ter um rendimento líquido mensal inferior ao que a Câmara me paga”, sublinha o proprietário, falando numa “ótima opção”. “O rendimento que garante — e livre de impostos — é uma mais-valia. Para não falar no tempo do contrato. Durante os próximos cinco anos não tenho de me preocupar e a autarquia responsabiliza-se em devolver o apartamento nas mesmas condições”, constata.

Por outro lado, Pedro Coutinho sublinha as vantagens para “as pessoas [que] não têm salários suficientes para pagar os preços das rendas que se praticam atualmente”. “Este programa faz todo o sentido e tem preços muito mais competitivos para pessoas que querem habitar no centro”, conclui.

Wilson Cardoso: “Em vez de termos sete inquilinos, temos só um”

Wilson Cardoso é representante do proprietário de um prédio na Rua de São Vítor, atrás da Faculdade das Belas Artes. Foi ele quem comprou este prédio com sete apartamentos, o remodelou e vendeu a um investidor. Fê-lo a pensar no alojamento local, mas a pandemia trocou-lhe as voltas e o programa municipal Porto Com Sentido acabou por ser a melhor opção.

E enumera as vantagens em estar associado ao programa. Desde logo, tem “um só interruptor num prédio, ou seja, em vez de termos sete inquilinos, temos só um”. Há depois as vantagens fiscais e o facto de ter rendas ininterruptas durante cinco anos. O contrato foi assinado há cerca de um ano e tem um período de cinco anos, embora possa ser renovado por mais cinco.

“Tenho experiência de ter outros imóveis no arrendamento tradicional e, a nível de rentabilidade, existem períodos de trocas de inquilinos e perda de rendimento”, explica o construtor e promotor.

Para Wilson Cardoso, a iniciativa é interessante até mesmo para investimentos futuros, numa fase em que a autarquia portuense está a lançar agora outra iniciativa ao abrigo deste programa: o Build to Rent. “Podemos construir já com a ideia de arrendar à CMP. Eu sou construtor e também promotor. Vendo a investidores que querem rendimento. E a Câmara tem a vantagem de ter imóveis para colocar no mercado”, destaca.

Wilson Cardoso

A Câmara do Porto lançou em novembro este novo segmento do programa Porto com Sentido, que permite a contratação de promessa de arrendamento em 200 fogos. O objetivo é criar um novo stock de habitações, procurando, simultaneamente, atrair novos habitantes para a cidade e aumentar a oferta com rendas acessíveis.

Este novo segmento estabelece igualmente limites no valor da renda: 480 euros para as tipologias T0 e T1; 780 euros para T2; e 950 euros para T3. As candidaturas estão abertas até 31 de maio de 2022.Os senhorios que adiram ao Build to Rent beneficiam de isenção total de IRS ou de IRC relativamente aos rendimentos prediais dos imóveis submetidos ao programa, no caso de contratos a cinco anos, aplicando-se ainda isenção de IMI durante todo o tempo do contrato.

Nuno Évora: “Estou numa casa boa com uma renda acessível”

O cabo-verdiano Nuno Évora, 37 anos, está em Portugal há 16. Vive há dez no Porto, depois de seis em Valongo. Veio para o país estudar Gestão, mas deparou-se com algumas dificuldades e acabou por ter de ir trabalhar. É empregado de balcão em Matosinhos e soube do programa Porto com Sentido através de uma amiga, que também conseguiu uma habitação com renda acessível.

Após duas tentativas, teve “um pouco de sorte” por ter chegado à fase final do concurso, por causa de uma desistência. “Não consegui casa nas duas primeiras candidaturas. A minha sorte foi que houve uma desistência e a Porto Vivo ligou-me a perguntar se ainda estava interessado. Fui ver a casa, gostei e assinei o contrato. Já estava inscrito num terceiro concurso”, recorda.

Foi em dezembro que conseguiu um T1 de 66 metros quadrados na Rua das Flores, no centro da cidade, por 350 euros. E já com alguns equipamentos, como placa de cozinha, um pequeno frigorífico e um sofá. A renda foi calculada em função do salário e da declaração de IRS. “Tenho um contrato de cinco anos, o que significa que vou estar tranquilo durante esse período”, celebra.

Antes de conseguir esta casa, Nuno Évora vivia num T0 na Rua Mártires da Liberdade, em que pagava 300 euros. Apesar de o valor ser 50 euros mais barato, quando comparado com o que está agora a pagar, o inquilino de origem africana sublinha que essa casa “era bem mais pequena e menos confortável”.

“É uma coisa espetacular estar a trazer mais pessoas para a Baixa. Há um ano e meio isto parecia um deserto. Quem vivia aqui, achava que estava numa cidade fantasma. No Porto era só turistas e no confinamento quem vivia aqui deu conta que não existiam locais. Agora já se nota mais movimento”, constata.

Ana José Lamela: “Muita gente quer construir vida no Porto, mas não consegue”

Ana José Lamela, 32 anos, é natural de Barcelos, mas já vive no Porto desde os 18 anos, altura que escolheu a Invicta para estudar. Antes de conseguir uma habitação de renda acessível, vivia num quarto alugado na Rua 5 de Outubro, a troco de 410 euros mensais. Durante o confinamento, os senhorios baixaram a renda para 320 euros, pois “muita gente não estava a trabalhar e não tinha rendimentos”.

Era um apartamento remodelado e com boas condições, mas era muito grande, com muitos quartos e muita gente a morar lá. “Não era, de todo, a condição ideal, mas quando aluguei o quarto, em fevereiro de 2020, os preços estacam completamente exorbitantes e foi a melhor opção na altura”, lembra a inquilina.

Candidatou-se ao Porto Com Sentido e conseguiu casa logo à primeira tentativa. Ana José Lamela, que estava como suplente, teve a sorte de ver o primeiro candidato selecionado não querer ficar com o imóvel. Conseguiu um T1 na Rua da Torrinha, com 56 metros quadrados, por 270,60 euros.

“Não estava confiante de que ia conseguir porque, como diz o provérbio, são sete cães a um osso. Pensei que ia tentar outra vez, na próxima oportunidade, e nunca mais me lembrei disso até que recebi um e-mail da Porto Vivo a dizer que a pessoa não tinha ficado e, se fosse do meu interesse, a casa era minha. Foi uma felicidade tremenda. Já não estava a contar”, confessa.

Como diz o provérbio, são sete cães a um osso. (…) Foi uma felicidade tremenda. Já não estava a contar.

Ana José Lamela

Inquilina

Apesar de não ter sido amor à primeira vista, a jovem considera que, sendo “o sítio que é, foi a sorte grande”. Está neste apartamento desde final de agosto e tem contrato por quatro anos e meio. Tendo em conta a escalada dos preços, um T1 naquela zona da Torrinha rondará os 600 euros no mercado de arrendamento.

A renda máxima estipulada para aquela casa era de 380 euros, mas depois o valor é calculado em função dos rendimentos e da taxa de esforço. No próximo ano, a renda deve ser superior porque mudou de trabalho e está a ganhar mais. “Todos os anos temos de enviar a declaração de IRS. Conforme o rendimento, a renda é atualizada”, acrescenta a minhota.

“Na lei do arrendamento acessível existe uma taxa de esforço máxima de 35%, mas percebemos que, ao manter esse critério inalterado, estávamos a limitar o universo de potenciais ocupantes de habitação acessível e não estávamos a cumprir o objetivo de criar este mercado intermédio entre o livre e a renda social. Definimos que os agregados podem ter taxas de esforço até 50% e a CMP cobre os 15% de diferença“, detalha o vereador do Urbanismo.

Ana José Lamela admite que ficou “um pouco assustada” quando viu o apartamento. “O aspeto do imóvel, à primeira vista, não era muito agradável nem convidativo”, lembra. Aos poucos transformou o pequeno T1 num lar mais acolhedor, sabendo que “era melhor do que o quarto que tinha antes”. Afinal, iria ter um espaço só para ela. Pediu para tirar os móveis, contratou um pintor e, com ajuda dos pais, amigos e família, transformou o espaço numa “casinha mimosa”.

Ana José Lamela

“São de louvar estes programas de rendas acessíveis. Existe efetivamente muita gente que quer construir vida no Porto, mas não consegue. E, por força das circunstâncias da vida, têm de meter os sonhos de lado porque não têm forma de conseguir morar aqui”, resume.

Ana José Lamela chegou à capital nortenha há 14 anos para estudar Ciências Farmacêuticas, mas acabou por entrar em Química na Faculdade de Ciências. Percebeu depois que, afinal, não era “nada daquilo que queria” e acabou por mudar para Arquitetura Paisagística. Mas também não acabou esse curso e, depois de tanta indecisão, acabou por seguir uma “paixão de menina”: a pasteleira.

“Sempre gostei de pastelaria e pensei: se é para começar do zero, por que não vou atrás do bichinho e da paixão que sempre existiu dentro de mim?”, questiona. Com esse sonho em mente e na altura com 27 anos, entrou na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, no curso de Gestão e Produção de Pastelaria. Fala na “melhor decisão que tomou na vida” e sente-se “realizada”.

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