Desde 2005 que o Youtube veio mexer com a internet. Mas em Portugal ser youtuber ainda é uma coisa nova. Da beleza ao humor, passando pelas viagens, o ECO foi conhecer alguns dos mais influentes.
Um em cada três utilizadores de internet no mundo inteiro usam o Youtube. A plataforma conta com mil milhões de utilizadores a nível mundial e quase 90 países já contam com versões locais e mais de metade das visualizações dos vídeos presentes na plataforma provêm de dispositivos móveis.
Fundado em 2005 por três empreendedores norte-americanos, desde essa altura que o Youtube não parou de crescer. De acordo com as estatísticas da plataforma, os utilizadores passam cada vez mais tempo a ver vídeos e o número de canais do Youtube que geram receitas acima dos 100.000 dólares anuais aumentou 50% em 2015, face ao ano anterior. Contudo, os números para Portugal não são conhecidos, dado que a a Google não revela dados locais.
Quando Portugal descobriu o Youtube
Dário Guerreiro, mais conhecido por “Môce dum Cabréste“, tem mais de 122 mil subscritores. Começou a gravar vídeos em 2006 mas só em 2010 é que criou o seu próprio canal. Nesse ano, além dele começaram outros dos agora muito conhecidos youtubers. Na altura, nenhum tinha uma grande quantidade de subscritores mas todos se conheciam por ser um meio ainda pequeno.
Fábio Lopes (“Conguito“) conta atualmente com 41 mil seguidores. Começou a fazer vídeos com um amigo quando ainda estava no ensino secundário, em 2011, de forma “muito amadora”. Um ano depois — e incentivado por outros youtubers — criou então o seu próprio canal e, “de repente, foi o boom“, afirma ao ECO. Não sabe bem porque se destacou mas também refere que “antes era mais fácil porque o Youtube em Portugal era uma comunidade pequena. Agora somos muitos”, muitos deles até já conhecidos de outros meios, como a televisão ou a rádio. No entanto, afirma que o facto de ter aparecido em vídeos de youtubers que já tinham muitos seguidores, como o SakE ou Nurb, também lhe deu visibilidade.
“Todos os anos aparecem experiências novas mas ainda é tudo muito novo para nós [youtubers] porque não temos referências”, explica Fábio, que afirma que vai fazer vídeos “até ser velhinho”, ainda que não pense em ser apenas youtuber. Só ainda não sabe exatamente o que vai fazer nos próximos anos: além disso, “vou até onde a vida me levar”.
“Comecei a fazer vídeos no verão de 2012”, conta Sofia Barbosa, do canal “Sofia BBeauty“. Com apenas 16 anos, gere um canal que tem mais de 151 mil subscritores. Quando começou, conta ao ECO, “passava horas a ver vídeos e tinha tanto gosto que acabei por ganhar vontade de os filmar”.
A dependência das marcas
Dário esclarece que “uma coisa é os youtubers conquistarem notoriedade em Portugal. Outra, completamente diferente, é serem considerados aptos pelas marcas a serem contactados para as suas campanhas”.
“Acho que é importante manter no canal uma consistência assinalável e uma boa qualidade dos conteúdos. Claro que aqui nos cruzamos com a velha questão da subjetividade. Tudo é bastante relativo, não existe ainda uma fórmula matemática para lá chegar”, afirma o humorista e dá exemplos de alguns youtubers que já fazem vídeos há vários anos e que “ainda não alcançaram uma notoriedade assinalável, e há outros que começaram no ano passado e que chegaram lá em menos de nada”.
No ano em que começou o seu canal, Fábio “via muitos youtubers estrangeiros, principalmente brasileiros, e já na altura eles tinham apoios de grandes marcas. Cá ainda era tudo muito novo, nem sequer havia a possibilidade de receber dinheiro com os vídeos”. Apesar de se tratarem de realidades distintas, essa diferença foi um dos fatores de atração e incentivo, explica. Depois surgiram os meets, encontros de youtubers de todo o país e a única oportunidade que tinham de se conhecerem pessoalmente. “Fazíamos aquilo mesmo por gosto, não havia dinheiro envolvido”, relembra.
“Só no final de 2012 é que começaram a surgir as chamadas parcerias, mas também era para um círculo muito restrito”, confirma Fábio Lopes.
Para conseguir apoios por parte das marcas, Dário afirma que é preciso reunir duas coisas: “Uma grande quantidade de seguidores, não só no Youtube, como em todas as redes sociais; e, por muito que nos custe, fazer um conteúdo o mais familiar e inofensivo possível”. O que não é o caso do “Môce dum Cabréste”. “É por isso que não é qualquer marca que se iria associar, por exemplo, a um youtuber como eu, que não permito intervenções editoriais nos meus vídeos nem uso outra linguagem que não seja aquela com que comunico no meu dia-a-dia, por uma questão de fidelidade a mim mesmo e ao público que me acompanha por esses motivos”.
Para Sofia Barbosa, o mais importante “é o alcance que cada youtuber tem”. Quanto mais visualizações e subscritores, “obviamente que mais pessoas ficarão a conhecer o produto e a marca em questão”. Mas esclarece que existem também outros fatores, como o carisma do youtuber e a qualidade dos vídeos, sendo que o canal tem de se “identificar minimamente com a marca”.
O número não é tudo, as parcerias têm de fazer sentido tanto para a marca como para o youtuber.
Também Fábio Lopes afirma que o número de subscritores não é nem deve ser a única referência para as marcas, até porque “nem sempre o número de subscritores corresponde ao número de visualizações e isso é algo que cada vez se nota mais”. O jovem refere que “o be yourself [sejam vocês mesmos] é mesmo o mais importante. O número não é tudo, as parcerias têm de fazer sentido tanto para a marca como para o youtuber, ambos têm de se identificar”.
“Se olharmos apenas para o número de subscritores, a parceria não vai resultar e corremos o risco de parecer forçados. Acho que esse é o principal erro de algumas marcas que tentam ir pelo alcance e não pelo que o youtuber em si pode oferecer. E essa ligação é muito importante”, acrescenta Fábio Lopes, que sabe bem do que fala: já colaborou com várias marcas. A primeira foi a Earbox, depois a WTF, com quem já trabalha há três anos. Seguiram-se, há dois, a SportZone, e ainda a CP – Comboios de Portugal, com quem criou uma série de vídeos. Além destas, o seu canal deu-lhe a oportunidade de colaborar com a BuzzTV e estar envolvido num meio que adora: a música.
Sofia também já teve oportunidade com várias marcas de renome, como a Tezenis, a Sumol, a Nyx Cosmetics e Staples, entre outras. “Para mim significa muito porque acabam por ser o reconhecimento do trabalho que tive e continuo a ter. Fico lisonjeada por saber que o conteúdo que publico foi aliciante o suficiente para fazer com que marcas desta dimensão quisessem colaborar comigo”, refere.
O Youtube como forma de vida
Há poucos youtubers a viverem da plataforma em Portugal e Dário não é um deles: “Atualmente não vivo do Youtube, no passado também não e não me parece que o cenário vá mudar nos próximos tempos”. Uma resposta diferente tem Fábio Lopes que vive do Youtube, não das receitas dos seus vídeos mas dos apoios das entidades com quem colabora e que o conheceram através do seu canal: “O Youtube é uma plataforma para eu me mostrar ao mundo”.
Atualmente não vivo do Youtube, no passado também não e não me parece que o cenário vá mudar nos próximos tempos.
Ainda assim, o canal de Dário Guerreiro não é apenas um passatempo, ocupando um lugar de destaque enquanto humorista: “Felizmente, agora estou na parte boa de tantos anos de trabalho quase invisível: o colher dos frutos. O meu início no Youtube, o meu início na escrita e o meu início na stand-up comedy têm todos histórias diferentes. Agora consegui uni-las numa só profissão e já não me imagino sem uma destas três vertentes. Tudo isto representa agora a minha felicidade e o conforto de saber para onde quero ir no futuro”.
"O Youtube é uma plataforma para eu me mostrar ao mundo.”
Mas é fácil viver da plataforma em Portugal? As respostas são unânimes: não.
“Apesar de o português ser a sexta língua mais falada no mundo, nós não conseguimos penetrar nos mercados brasileiro e africano como acontece com os youtubers anglo-saxónicos. Somos apenas 10 milhões. A menos que consigamos entrar nesses mercados, é impossível viver apenas da monetização dos nossos vídeos. Já os brasileiros não têm esse entrave: além de serem de um país com 20 vezes mais população, ainda conseguem vir buscar público a Portugal porque nós compreendemos o que eles dizem sem qualquer esforço, enquanto por lá só muito raramente é que eles têm contacto com o sotaque português de Portugal”, explica Dário Guerreiro.
Fábio Lopes também acha que é difícil viver apenas do Youtube em Portugal mas “cada vez se vê mais youtubers a colaborarem com as marcas e é isso que lhes permite viver” da plataforma, “a não ser que sejamos um ás do gaming, por exemplo, como o Feromonas, que já conquistou públicos estrangeiros. Aí sim, é possível, mas não é fácil”.
Acho que é difícil viver do Youtube em qualquer lado.
Sofia Barbosa refere que todo o dinheiro que ganha com o Youtube é guardado para o futuro ou investimento no canal. “Acho que é difícil viver do Youtube em qualquer lado“, confessa. “É uma plataforma que pode mudar a qualquer momento a sua dinâmica” e “existe o medo constante de que o público fique aborrecido com o conteúdo que criamos e deixe de ver os vídeos”, explica a jovem.
Além disso, para Sofia, “ser youtuber ainda é algo recente e visto com alguma estranheza para os que estão de fora”, existindo a “tendência para desvalorizar o nosso trabalho”.
O Youtube no Brasil
Guilherme Toledo (“GuiToledo“) é um youtuber brasileiro que vive atualmente da plataforma. Começou a fazer vídeos em 2012 com o objetivo de promover a sua banda que se chamava Balaio de Gato. Na altura, explica ao ECO, a “ideia de viver exclusivamente dos rendimentos do Youtube não era muito difundida. No entanto, sempre foi uma excelente vitrine para talentos que não conseguiam espaço nos meios tradicionais, como a rádio, televisão ou jornais”.
Atualmente o seu canal tem mais de 250 mil subscritores, um número muito elevado para o panorama português mas “de pequena dimensão no Brasil”, o que mostra bem as diferenças entre os dois países.
Em conjunto com a namorada, Janaína Silva (Jana Make Up), também youtuber e com mais de 970 mil seguidores, Guilherme começou uma série de vídeos, intitulada de “Partiu Alasca”, em que os dois documentam a viagem que estão a fazer de carro desde o Brasil até àquele estado norte-americano. “Não temos nenhum anunciante para a viagem especificamente mas conseguimos vender algumas publis [publicidade] nas nossas redes sociais e é daí que vem indiretamente o financiamento da nossa expedição”, refere.
Desde 2015 que o Youtube virou negócio para grande parte dos produtores de conteúdo, o que acabou por afastar os artistas.
De acordo com o youtuber, 2016 foi um ano “especialmente ruim para o Youtube brasileiro. Apesar de haver muita gente criativa e talentosa produzindo conteúdo, os canais que mais se destacaram são muito pouco ou quase nada interessantes”, lamenta e acrescenta que “desde 2015 que o Youtube virou negócio para grande parte dos produtores de conteúdo, o que acabou por afastar os artistas”.
Tal como acontece em Portugal, no Brasil são cada vez mais as marcas que se interessam pelos youtubers. No entanto, Guilherme volta a frisar a falta de rigor: “Está cada vez mais claro que as marcas se interessam mais pelo número de visualizações e inscritos do influenciador do que propriamente pela qualidade ou até mesmo a pertinência do seu conteúdo” e dá um exemplo: o Canal Canalha, que conta com 10 milhões de subscritores, tem uma série chamada Copa Cirrose, “que faz apologia ao uso exagerado de álcool. Ainda assim, muitas marcas anunciam produtos com ele para um público entre 10 e 16 anos de idade”.
Guilherme Toledo também beneficia do negócio do Youtube no Brasil mas noutros termos: foi contratado pela Rede Bandeirantes de Televisão para trabalhar num talkshow diário, o “Agora é Tarde”, como diretor de relações externas e produtor de conteúdos de humor com música.
Mais que isso, Guilherme não tem dúvidas de que o Youtube veio mudar a sua vida, e não só: “Eu e a minha namorada vivemos hoje como nómadas digitais, realizando o sonho de conhecer o mundo e isso só está sendo possível graças ao Youtube”.
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