A economia de cinco choques entre os EUA e os russos

  • Marta Santos Silva
  • 30 Dezembro 2016

Entre um embargo ironicamente falhado, durante a invasão soviética do Afeganistão, e o impulso da Corrida ao Espaço para a economia, a rivalidade entre os russos e os EUA está escrita em números.

Barack Obama expulsou 35 diplomatas russos dos EUA, Putin aguentou a jogada e não retribui para já. Apesar de tudo, é o princípio de uma crise diplomática que promete fazer estalar os ânimos internacionais, pelo menos até à tomada de posse de Donald Trump, a 20 de janeiro, já que o Presidente-eleito pelos norte-americanos é próximo de Putin e quer uma relação mais próxima com Moscovo.

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O motivo por detrás desta crise? A influência russa nas eleições norte-americanas através da divulgação de emails pirateados da equipa de Hillary Clinton e do Comité Nacional dos Democratas, que terá afetado o resultado eleitoral final. O Governo russo rejeita ter tido um papel no ataque informático a que Hillary Clinton atribui a sua derrota, embora investigações dos serviços secretos americanos e de uma empresa privada tenham mostrado fortes indícios nesse sentido.

Barack Obama promete que a resposta, que inclui também sanções a nove entidades e indivíduos russos, não fica por aqui e o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev já reagiu: “É lamentável que a Administração de Obama, que começou por restabelecer os nossos laços, vá acabar o mandato numa agonia anti-Rússia”, escreveu no Twitter, fechando com: “Descanse em paz”.

Com as tensões a aumentar cada vez mais entre as que continuam a ser as duas grandes superpotências mundiais, o ECO recorda algumas das vezes em que EUA e União Soviética chocaram, e quais os impactos económicos desses conflitos, até aos dias de hoje.

Guerra ditou o sucesso de uma Coreia e a queda de outra

Uma das principais guerras por proxy — que opôs o ocidente, com os Estados Unidos como protagonistas, e o oriente, protagonizado pela China e pela União Soviética — é a guerra da Coreia, que durou entre 1950 e 1953 e deixou cicatrizes que perduram até hoje. Uma delas é visível no mapa: a fronteira entre a Coreia do Norte, que se tornou numa ditadura fechada e retrógrada, e a Coreia do Sul, uma potência tecnológica mundial.

Uma equipa norte-americana na Coreia verifica o equipamento, a 15 de julho de 1950.
Uma equipa norte-americana na Coreia verifica o equipamento, a 15 de julho de 1950.Signal Corps

Embora inicialmente a economia da Coreia do Norte tenha florescido após o fim da guerra graças ao apoio da União Soviética, o fim da URSS nos anos 1990 levou ao colapso da economia norte-coreana.a Coreia do Sul, após um início difícil, começou a ganhar terreno logo nos anos 60 e, atualmente, é a quarta maior economia asiática.

Mas a guerra não teve só impacto nas Coreias. Um relatório do Institute for Economics and Peace (a ligação abre um PDF) descreve os efeitos da guerra na economia norte-americana, que sofreu mudanças profundas para suportar o esforço do conflito. A quase totalidade dos custos da guerra foi financiada por subidas de impostos, e o Governo viu-se forçado a bloquear o aumento dos preços devido ao acelerar da inflação, impulsionada pelo investimento público.

Na crise dos mísseis de Cuba quem ganhou foi Cuba

Outubro de 1962, o Presidente dos Estados Unidos era John F. Kennedy, e o líder da então União Soviética era Nikita Kruschev. O palco estava montado para um confronto de 13 dias que deixou o mundo inteiro em tensão. Para tentar evitar que os Estados Unidos ameaçassem Cuba, Kruschev mandou que fossem colocados mísseis nucleares na ilha próxima dos EUA. O compromisso, após negociações difíceis, chegou a 28 de outubro: os russos retirariam os mísseis de Cuba, após Fidel Castro ter concordado, com a supervisão das Nações Unidas e os Estados Unidos desarmariam os seus mísseis posicionados em Itália e na Turquia.

Quem ficou a ganhar economicamente? Talvez a resposta seja Cuba, segundo o think tank Council on Foreign Relations, que sublinha que Castro se sentiu abandonado pela União Soviética devido à cedência na questão dos mísseis, o que empurrou Kruschev a apoiar mais fortemente o Estado cubano nos anos que se seguiram, com um projeto de ajuda militar e também económica. Mas as relações entre Cuba e a União Soviética demorariam vários anos a sararem completamente.

Corrida até à Lua: NASA empurra a economia

Durante a Guerra Fria, a corrida até ao espaço opunha a União Soviética e os Estados Unidos com uma grande ferocidade — sem competir frente a frente em guerra aberta, as duas potências esforçavam-se por se mostrarem superiores através da tecnologia e da rapidez com que conseguiam conquistar o espaço. O maior desafio? Chegar até à Lua. Os americanos ganharam nessa frente: puseram os primeiros homens na Lua em 1969, com a missão Apollo 11.

Buzz Aldrin, fotografado por Neil Armstrong, visível no reflexo no visor. Os dois primeiros homens na Lua.
Buzz Aldrin, fotografado por Neil Armstrong, visível no reflexo no visor. Os dois primeiros homens na Lua.NASA

E os Estados Unidos também podem ter ganhado de outra perspetiva: a da economia. É difícil saber dados da economia da União Soviética, dada a falta de transparência do regime. Mas nos EUA o impacto da corrida espacial é muito claro.

A CNN resume-o em pouco exemplos: não só o programa especial impulsionou a miniaturização da eletrónica, o que daria lugar à invenção e comercialização dos computadores e posteriormente da Internet, como também empurrou a indústria do semicondutor, que hoje emprega mais de 200 mil pessoas nos EUA com vendas que ultrapassam os 115 mil milhões de dólares anuais e criou a indústria dos satélites comerciais. O investigador Henry Hetzfeld estimou que a economia do espaço valesse cerca de 250 mil milhões de dólares em 2009.

Afeganistão abanou economia Soviética

Após uma melhoria lenta mas estável das relações entre os EUA e a União Soviética ao longo dos anos 1970, em 1979 tudo acabou abruptamente com a entrada soviética na guerra civil do Afeganistão. Mais uma vez, as duas potências combateram indiretamente em território alheio, com os norte-americanos a financiarem e armarem grupos rebeldes que combatiam as forças soviéticas no país. A guerra durou dez anos, e não só deixou o Afeganistão extremamente fragilizado como, dizem alguns historiadores, terá também enfraquecido profundamente a economia da URSS.

Doze anos após invadir o Afeganistão, a União Soviética entraria em colapso, em parte devido ao peso económico que um conflito tão longo teve na nação.

Jimmy Carter acabaria por perder as eleições contra Reagan em parte por causa do embargo de cereal.
Jimmy Carter acabaria por perder as eleições contra Reagan em parte por causa do embargo de cereal.US National Archives and Records Administration

Sabe-se bem, no entanto, que uma das ações dos Estados Unidos para tentar pressionar a URSS a deixar o Afeganistão não teve o efeito desejado. O Presidente Jimmy Carter instituiu em 1980 um embargo à exportação de cereal para a União Soviética, o que não teve muito impacto na URSS porque Moscovo conseguia adquirir cereal noutras fontes, incluindo a Venezuela e o Brasil. Já nos Estados Unidos, o resultado foi pesadíssimo: os preços de cereal caíram drasticamente e os EUA acabaram mesmo a ter eles próprios que o importar. Reagan acabaria com o embargo em 1981.

Sanções pela anexação da Crimeia podem estar a acabar

É difícil medir os impactos económicos que as sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia tiveram na economia russa. Após a anexação da Crimeia pela Rússia, a Europa e os EUA fizeram sentir a sua reprovação ao impor sanções de natureza diplomática, restritiva e também económicas. O problema é que surgiram na mesma altura em que os preços do petróleo caíam e a Rússia entrava numa recessão, sendo assim difícil separar os efeitos das sanções da restante conjuntura.

O think tank Center for European Policy Studies, com base em Bruxelas, sublinha que o fluxo de transações comerciais entre a UE e a Rússia se mantém estável mesmo após a imposição de sanções o que deixa subentender que o impacto em 2016 pode não ter sido muito significativo. Os Estados Unidos, no entanto, garantem que pelo menos em 2015 a contração da economia russa foi entre 1% e 1,5% mais forte do que se não tivesse havido sanções.

epa05640786 A picture made available on 21 November 2016 shows a graffiti mural depicting US President-elect Donald Trump (R) smoking with Russian President Vladimir Putin on the wall of the barbecue restaurant Keule Ruke in Vilnius, Lithuania, 20 November 2016. EPA/ROMAN PILIPEY
Um graffiti em Vilnius, na Lituânia, mostra Donald Trump e Vladimir Putin a fumarem juntos. EPA/ROMAN PILIPEY

No entanto, é certo que a retirada destas sanções daria um empurrão à economia russa. E embora a União Europeia, pelo seu lado, já tenha renovado as suas sanções, os Estados Unidos poderão estar a caminho de as levantar, não só pela proximidade de Donald Trump com Moscovo mas também porque Trump escolheu Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobil, para seu secretário de Estado — uma posição semelhante à de ministro os Negócios Estrangeiros. Tillerson é próximo de Putin, mas mais do que isso, a Exxon tem muito a ganhar com o fim das sanções. “Se alguma empresa americana vai ganhar com o levantamento das sanções à Rússia, seria a Exxon”, lê-se na CNN.

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