A economia de cinco choques entre os EUA e os russos
Entre um embargo ironicamente falhado, durante a invasão soviética do Afeganistão, e o impulso da Corrida ao Espaço para a economia, a rivalidade entre os russos e os EUA está escrita em números.
Barack Obama expulsou 35 diplomatas russos dos EUA, Putin aguentou a jogada e não retribui para já. Apesar de tudo, é o princípio de uma crise diplomática que promete fazer estalar os ânimos internacionais, pelo menos até à tomada de posse de Donald Trump, a 20 de janeiro, já que o Presidente-eleito pelos norte-americanos é próximo de Putin e quer uma relação mais próxima com Moscovo.
O motivo por detrás desta crise? A influência russa nas eleições norte-americanas através da divulgação de emails pirateados da equipa de Hillary Clinton e do Comité Nacional dos Democratas, que terá afetado o resultado eleitoral final. O Governo russo rejeita ter tido um papel no ataque informático a que Hillary Clinton atribui a sua derrota, embora investigações dos serviços secretos americanos e de uma empresa privada tenham mostrado fortes indícios nesse sentido.
Barack Obama promete que a resposta, que inclui também sanções a nove entidades e indivíduos russos, não fica por aqui e o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev já reagiu: “É lamentável que a Administração de Obama, que começou por restabelecer os nossos laços, vá acabar o mandato numa agonia anti-Rússia”, escreveu no Twitter, fechando com: “Descanse em paz”.
Com as tensões a aumentar cada vez mais entre as que continuam a ser as duas grandes superpotências mundiais, o ECO recorda algumas das vezes em que EUA e União Soviética chocaram, e quais os impactos económicos desses conflitos, até aos dias de hoje.
Guerra ditou o sucesso de uma Coreia e a queda de outra
Uma das principais guerras por proxy — que opôs o ocidente, com os Estados Unidos como protagonistas, e o oriente, protagonizado pela China e pela União Soviética — é a guerra da Coreia, que durou entre 1950 e 1953 e deixou cicatrizes que perduram até hoje. Uma delas é visível no mapa: a fronteira entre a Coreia do Norte, que se tornou numa ditadura fechada e retrógrada, e a Coreia do Sul, uma potência tecnológica mundial.
Embora inicialmente a economia da Coreia do Norte tenha florescido após o fim da guerra graças ao apoio da União Soviética, o fim da URSS nos anos 1990 levou ao colapso da economia norte-coreana. Já a Coreia do Sul, após um início difícil, começou a ganhar terreno logo nos anos 60 e, atualmente, é a quarta maior economia asiática.
Mas a guerra não teve só impacto nas Coreias. Um relatório do Institute for Economics and Peace (a ligação abre um PDF) descreve os efeitos da guerra na economia norte-americana, que sofreu mudanças profundas para suportar o esforço do conflito. A quase totalidade dos custos da guerra foi financiada por subidas de impostos, e o Governo viu-se forçado a bloquear o aumento dos preços devido ao acelerar da inflação, impulsionada pelo investimento público.
Na crise dos mísseis de Cuba quem ganhou foi Cuba
Outubro de 1962, o Presidente dos Estados Unidos era John F. Kennedy, e o líder da então União Soviética era Nikita Kruschev. O palco estava montado para um confronto de 13 dias que deixou o mundo inteiro em tensão. Para tentar evitar que os Estados Unidos ameaçassem Cuba, Kruschev mandou que fossem colocados mísseis nucleares na ilha próxima dos EUA. O compromisso, após negociações difíceis, chegou a 28 de outubro: os russos retirariam os mísseis de Cuba, após Fidel Castro ter concordado, com a supervisão das Nações Unidas e os Estados Unidos desarmariam os seus mísseis posicionados em Itália e na Turquia.
Quem ficou a ganhar economicamente? Talvez a resposta seja Cuba, segundo o think tank Council on Foreign Relations, que sublinha que Castro se sentiu abandonado pela União Soviética devido à cedência na questão dos mísseis, o que empurrou Kruschev a apoiar mais fortemente o Estado cubano nos anos que se seguiram, com um projeto de ajuda militar e também económica. Mas as relações entre Cuba e a União Soviética demorariam vários anos a sararem completamente.
Corrida até à Lua: NASA empurra a economia
Durante a Guerra Fria, a corrida até ao espaço opunha a União Soviética e os Estados Unidos com uma grande ferocidade — sem competir frente a frente em guerra aberta, as duas potências esforçavam-se por se mostrarem superiores através da tecnologia e da rapidez com que conseguiam conquistar o espaço. O maior desafio? Chegar até à Lua. Os americanos ganharam nessa frente: puseram os primeiros homens na Lua em 1969, com a missão Apollo 11.
E os Estados Unidos também podem ter ganhado de outra perspetiva: a da economia. É difícil saber dados da economia da União Soviética, dada a falta de transparência do regime. Mas nos EUA o impacto da corrida espacial é muito claro.
A CNN resume-o em pouco exemplos: não só o programa especial impulsionou a miniaturização da eletrónica, o que daria lugar à invenção e comercialização dos computadores e posteriormente da Internet, como também empurrou a indústria do semicondutor, que hoje emprega mais de 200 mil pessoas nos EUA com vendas que ultrapassam os 115 mil milhões de dólares anuais e criou a indústria dos satélites comerciais. O investigador Henry Hetzfeld estimou que a economia do espaço valesse cerca de 250 mil milhões de dólares em 2009.
Afeganistão abanou economia Soviética
Após uma melhoria lenta mas estável das relações entre os EUA e a União Soviética ao longo dos anos 1970, em 1979 tudo acabou abruptamente com a entrada soviética na guerra civil do Afeganistão. Mais uma vez, as duas potências combateram indiretamente em território alheio, com os norte-americanos a financiarem e armarem grupos rebeldes que combatiam as forças soviéticas no país. A guerra durou dez anos, e não só deixou o Afeganistão extremamente fragilizado como, dizem alguns historiadores, terá também enfraquecido profundamente a economia da URSS.
Doze anos após invadir o Afeganistão, a União Soviética entraria em colapso, em parte devido ao peso económico que um conflito tão longo teve na nação.
Sabe-se bem, no entanto, que uma das ações dos Estados Unidos para tentar pressionar a URSS a deixar o Afeganistão não teve o efeito desejado. O Presidente Jimmy Carter instituiu em 1980 um embargo à exportação de cereal para a União Soviética, o que não teve muito impacto na URSS porque Moscovo conseguia adquirir cereal noutras fontes, incluindo a Venezuela e o Brasil. Já nos Estados Unidos, o resultado foi pesadíssimo: os preços de cereal caíram drasticamente e os EUA acabaram mesmo a ter eles próprios que o importar. Reagan acabaria com o embargo em 1981.
Sanções pela anexação da Crimeia podem estar a acabar
É difícil medir os impactos económicos que as sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia tiveram na economia russa. Após a anexação da Crimeia pela Rússia, a Europa e os EUA fizeram sentir a sua reprovação ao impor sanções de natureza diplomática, restritiva e também económicas. O problema é que surgiram na mesma altura em que os preços do petróleo caíam e a Rússia entrava numa recessão, sendo assim difícil separar os efeitos das sanções da restante conjuntura.
O think tank Center for European Policy Studies, com base em Bruxelas, sublinha que o fluxo de transações comerciais entre a UE e a Rússia se mantém estável mesmo após a imposição de sanções o que deixa subentender que o impacto em 2016 pode não ter sido muito significativo. Os Estados Unidos, no entanto, garantem que pelo menos em 2015 a contração da economia russa foi entre 1% e 1,5% mais forte do que se não tivesse havido sanções.
No entanto, é certo que a retirada destas sanções daria um empurrão à economia russa. E embora a União Europeia, pelo seu lado, já tenha renovado as suas sanções, os Estados Unidos poderão estar a caminho de as levantar, não só pela proximidade de Donald Trump com Moscovo mas também porque Trump escolheu Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobil, para seu secretário de Estado — uma posição semelhante à de ministro os Negócios Estrangeiros. Tillerson é próximo de Putin, mas mais do que isso, a Exxon tem muito a ganhar com o fim das sanções. “Se alguma empresa americana vai ganhar com o levantamento das sanções à Rússia, seria a Exxon”, lê-se na CNN.
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