Portugueses na Holanda seguem eleições com apreensão
Não podem votar e, por isso, são apenas espectadores, seja curiosos seja preocupados. Há quase 17 mil portugueses na Holanda e as eleições desta quarta-feira afetam-nos, embora não possam participar.
“Primeiro são os marroquinos, depois são os turcos, depois são os polacos, e quando não sobrar ninguém…”, sugere Álvaro Faustino. O português que vive na Holanda há mais de uma década acompanha com apreensão a campanha eleitoral no país e, em especial, a ascensão da extrema-direita. É um de quase 17 mil cidadãos nascidos em Portugal que vivem no país, e sente que, por não poder votar enquanto cidadão português, acaba silenciado: “Nós estamos aqui, trabalhamos aqui, descontamos aqui e, no fundo, não temos voz”.
Álvaro Faustino é conhecido de muitos dos portugueses que vivem na Holanda, não pelo seu nome próprio mas mais pelo nome do seu blogue e página de Facebook, Portugueses na Holanda, que serve de orientação a milhares de emigrantes e familiares de emigrantes. É através dessa comunidade digital que pode tomar o pulso às preocupações de muitos outros emigrantes no país. Como acompanham eles as eleições? “Como não podemos votar, penso que é mais por curiosidade”, afirma ao ECO o trabalhador do setor da construção civil. “Como o partido de extrema-direita tem vindo a crescer aqui na Holanda, há uma parte da comunidade que está nervosa, que está receosa, que é o meu caso”.
Uma preocupação que também foi a levantada por outros portugueses que falaram ao ECO, embora não com a mesma apreensão. Rui Catalão, gestor de marketing e comunicação que vive em Amesterdão há mais de três anos, disse não estar “muito apreensivo com isso neste momento”, mas sublinhou: “O que é um facto é que, depois do que vimos com o Brexit e a vitória de Trump nos Estados Unidos, é bom estarmos atentos ao que poderá acontecer na Holanda”.
Catalão assinala ainda que tem sentido uma diferença no ambiente na cidade onde vive, no período pré-eleitoral. “É fácil perceber que há uma grande tensão”, afirma. “Do que tenho conversado com os holandeses dá para entender que estão preocupados com questões de segurança nacional”.
Também Miguel Nunes, que chegou há quatro meses a Roterdão, vê com preocupação o discurso da extrema-direita no país. O chamado Partido da Liberdade (PVV) liderado por Geert Wilders tem ganhado proeminência, em especial na cobertura internacional das eleições holandesas e num contexto de crescente populismo na Europa, mas Miguel Nunes é um dos portugueses que não vê mérito nos seus argumentos.
“O mais grave é o tipo de discurso e a agenda política do partido de extrema-direita, carregados de racismo e ignorância”, explica Miguel Nunes ao ECO. “No que toca aos pontos fulcrais, como saúde, trabalho, economia, ciência, não dão absolutamente nenhum contributo para a discussão política”.
No entanto, o português não vê preocupação entre as pessoas que o rodeiam. “Os meus colegas de trabalho não estão preocupados com o possível resultado das eleições”, reconhece. “O único holandês com quem trabalho diretamente não sabe se vai votar, e se votar não sabe em quem”. Assinala ainda que a maior questão não se prende com a ascensão da extrema-direita mas sim com a criação de Governo, após serem conhecidos os resultados de uma eleição a que se apresentam 28 partidos e onde basta ter 0,67% dos votos para ter um assento na assembleia. “A grande questão é quanto tempo vai ser necessário” para criar uma coligação, continua.
Para Álvaro Faustino, que também está a viver em Roterdão embora se desloque, em trabalho, por todo o país, a preocupação é mesmo o discurso de extrema-direita do partido de Geert Wilders. “Diretamente, ameaças à comunidade portuguesa não houve”, admite. “Houve à comunidade marroquina, turca e polaca, por este partido”. Mas assume receios de que a portuguesa possa não escapar se o PVV continuar a ganhar importância. E mais ainda: “É um partido anti-europeu, portanto fecharmos as fronteiras acaba por fechá-las para todos.”
“Nunca senti por parte dos holandeses com quem tenha interagido que exista vontade de expulsar os imigrantes”, resume, por sua vez, Joana Branco. A portuguesa, que vive em Utrecht há cerca de um ano, trabalha numa empresa “onde cerca de 40% das pessoas são internacionais”, e tem uma ideia positiva dos holandeses com quem tem falado.
“A minha perceção ao falar com holandeses é a de que são pessoas tolerantes, que não defendem os mesmos ideais de quem quer a expulsão de imigrantes ou a saída da União Europeia”, conta ao ECO. E as estatísticas suportam essa perceção: a vasta maioria dos holandeses quer permanecer na União, e o partido de Geert Wilders é o único que pretende avançar para uma saída.
Álvaro Faustino, no entanto, preocupa-se com o discurso da extrema-direita e manifesta frustração por não poder participar no ato eleitoral. Entre os que falaram ao ECO é o que está na Holanda há mais tempo, já desde 2006, e embora não saiba que enquadramento legal poderia funcionar acredita que, “por um lado, seria bom” que os estrangeiros pudessem votar sem terem de ter nacionalidade holandesa.
“Mas sinceramente não sei”, completa. “Mesmo podendo os estrangeiros votar, isso não quer dizer que este tipo de partidos não consiga subir nas sondagens, porque também há estrangeiros que os apoiam”. Mesmo portugueses? Sim, afirma o emigrante que mantém a maior plataforma amadora de apoio aos portugueses na Holanda. Especialmente depois dos protestos em Roterdão este fim de semana, que se deveram à crescente crise diplomática entre a Turquia e a Holanda, “houve muitos portugueses a apoiar o partido [de Geert Wilders] devido ao que aconteceu”, afirma Álvaro Faustino. A crise diplomática que rebentou na última semana promete influenciar os resultados do ato eleitoral, embora seja impossível prever como as fichas vão cair. Para Álvaro Faustino, uma coisa é certa. “A campanha tem sido nervosa, bastante nervosa, também entre os holandeses”, termina, “porque também eles estão muito divididos em relação ao tipo de governo que vão escolher para o futuro”.
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