Bússola das empresas portuguesas deve apontar a norte
O ECO questionou empresários sobre a importância das exportações e da internacionalização. O mercado africano e latino é para manter, mas a aposta deve ter como alvo o hemisfério norte.
As empresas portuguesas podem competir com as melhores do mundo e nesse sentido devem apontar baterias em termos de internacionalização, a países mais organizados, mais modernos e sofisticados como os do Hemisfério Norte. A opinião é partilhada por cinco empresários consultados pelo ECO de setores tão diferentes como a energia, o calçado, o alimentar, papel e farmacêutico. Da petrolífera Galp à fruta da Frulact, passando pela farmacêutica Bial, a Fapajal e Kyaia, há consenso nas palavras que Portugal deve utilizar: internacionalização, diferenciação e exportação. Se o mercado português é pequeno, a única forma das empresas crescerem para lá do tamanho do país é lá fora.
“O nosso mercado não tem escala para tanta economia”, garante Gomes da Silva, presidente executivo da Galp Energia, em declarações ao ECO. “É necessário que se venha a fazer uma transformação como fizeram os setores do calçado e do têxtil”, aconselha, referindo que “a economia tem que se reinventar, exportar é bom, alavanca a economia, gera emprego, cria riqueza, é um ciclo“. Esse ciclo passará não só pelos países em que as empresas portuguesas já estão — como o mercado africano e latino –, mas também em países mais sofisticados como os da Europa do Norte.
O nosso mercado não tem escala para tanta economia.
Apesar de haver consenso na aposta que deve ser feita, a estratégia a utilizar e os locais de implementação nem sempre são consensuais. Além disso, acresce o dilema entre exportar ou ter uma sede internacional, o que, em última análise, não beneficia tanto quanto podia as contas nacionais. Esta é uma questão fiscal, mas também de know how das empresas, dos contactos que têm ou da facilidade em penetrar em certo mercado. O maior de todos continua a ser o dos Estados Unidos, tal como se verifica nas estatísticas sobre o comércio internacional da União Europeia em 2016.
“Hoje em dia não faz sentido ter um produto diferenciado, ser uma grande empresa e não estar nos Estados Unidos”, argumenta o presidente da Bial, Luís Portela, em declarações ao ECO. Nem o efeito Trump — que tem pressionado empresas a ficar dentro do território — parece demover o empresário: “Não me preocupa nada o efeito Trump. O que a administração americana faz é defender a economia americana”, argumenta, referindo que, lamentando que em certos aspetos a “Europa não se tenha também protegido de alguma forma com quem fazia concorrência desleal”.
A mesma opinião é partilhada pelo presidente da APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos) e do grupo Kyaia. Fortunato Frederico defende que as empresas de calçado devem “apostar todas as fichas” nos Estados Unidos, sugerindo que o setor tem de organizar “feiras” do outro lado do Atlântico. Os setores parecem ter todas as mesmas necessidades e estão todos a apontar baterias no mesmo sentido. A Fapajal nos últimos tempos triplicou a quota de exportações e tem agora o foco no mercado americano. Xavier Martin, presidente da empresa portuguesa que produz papel “tissue” diz que “os portugueses estão muito focados no mercado Hemisfério Sul e isso devia ser ultrapassado”.
Não me preocupa nada o efeito Trump. O que a administração americana faz é defender a economia americana.
Contudo, o perigo de haver um protecionismo norte-americano é real, pelo menos para alguns mercados. Donald Trump já criticou a União Europeia, por exemplo, e está em conflito diplomático com o México, a China e até o Canadá por causa do NAFTA, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio. Em contrapartida, o presidente dos Estados Unidos parece querer abrir a sua economia à do Reino Unido, depois da saída dos britânicos da UE, o que poderá ser uma boa notícia para Portugal.
América do Sul e África são para manter. Países do Norte são a nova aposta
Não, obviamente que não, dizem em coro os empresários consultados pelo ECO. Carlos Gomes da Silva, presidente da Galp, uma das empresas que lidera o ranking das exportações nacionais, refere que “hoje em dia já não faz sentido em falar em novos mercados, o mercado agora é o mundo”. O líder da petrolífera está expectante em relação ao que os Governos vão fazer em termos de regulação, nomeadamente no caso dos Estados Unidos e do Brexit. “Mas eu diria que há duas regiões no mundo que pelo desenvolvimento demográfico serão vitais para o mundo económico”, afirma ao ECO, referindo a América Latina — por estar “ávida de consumo” — e África.
Um desses casos da América Latina é o Brasil, sobre o qual o presidente da Galp tem uma opinião forte: “Não adianta dizer que a economia brasileira está mal porque o Brasil é cíclico. Hoje está em baixo, amanhã estará em alta”, argumenta em declarações ao ECO.
Hoje em dia já não faz sentido em falar em novos mercados, o mercado agora é o mundo.
Luís Portela também nomeia África e a América Latina como locais onde Portugal deve apostar, mas faz uma distinção. As empresas portuguesas devem fazer da diferenciação do produto o seu mote nos países mais desenvolvidos e apostar nos produtos menos diferenciados nos mercados africanos e latinos. “Quando temos um produto pouco diferenciado devemos canalizá-lo para mercados como África e América Latina, quando o produto é mais diferenciado devemos aspirar a entrar no primeiro mundo”, aconselha.
Ainda a propósito do mercado africano, Xavier Martin recorda que a Fapajal exporta atualmente para “o norte da Europa, Espanha e África”. “Penso que os portugueses e as empresas portuguesas estão muito focadas no Hemisfério Sul. Isso devia ser ultrapassado“, afirma ao ECO, aconselhando Portugal a “apostar e centralizar-se sobre as capacidades logísticas que tem e canalizar para aí as suas rotas de comércio externo”. Outro dos focos da Fapajal atualmente são os mercados americanos.
Já João Miranda, presidente da Frulact, diz que Portugal tem a “capacidade para apostar nesses mercados, [dado que] em termos de qualidade não nos ficamos atrás”. A Frulact, que exporta 95% do que produz, há muito que encetou o seu processo de internacionalização com presença física em quatro países, sendo o mais recente o Canadá, que faz fronteira com os Estados Unidos. “Não devemos deixar de olhar para a África e América Latina, mas a verdade é que os países do hemisfério norte são mais modernos e são mais estruturados, mais respeitadores do que são os nossos“, aconselha Miranda, referindo que só falta a proximidade, daí haver a “necessidade” das empresas portuguesas se dirigirem para essa zona “de forma organizada”.
Internacional vs. exportar?
Estas são duas realidades do mesmo processo. Para os empresários contactados parece não haver dúvidas: num primeiro momento as empresas devem apostar na exportação e só mais tarde devem encetar um processo de internacionalização. Se isso penaliza as contas nacionais? Também aqui há consenso: “As contas nacionais são prejudicadas em termos estatísticos, mas se as empresas mantiverem as sedes em Portugal é cá que consolidam os negócios e portanto o valor real aumenta”, frisa Luís Portela, presidente da Bial. Ainda assim, Portela diferencia a exportação e a internacionalização pelo conhecimento que existe do mercado, dado que este último passo implica criar uma nova rede de contactos forte.
As contas nacionais são prejudicadas em termos estatísticos, mas se as empresas mantiverem as sedes em Portugal é cá que consolidam os negócios.
“A internacionalização por seu turno é ainda melhor desde que as empresas mantenham em Portugal os centros de decisão e de competências“, corrobora o presidente da Galp, elogiando o nível de conhecimentos científicos existente no país. A internacionalização aliada à exportação pode ser uma forma de as empresas exteriores também repararem na qualidade portuguesa e mudarem-se para o país para “captar” esse conhecimento.
Já para o presidente da Fapajal, “no curto prazo exportar é melhor, mas a longo prazo é a internacionalização que mais oportunidades traz para as empresas nacionais“. Xavier Martin diz que tipicamente as empresas têm que começar por exportar e só depois disso poderão estar criadas as condições para implementar a internacionalização. Para o gestor, a internacionalização cria um “valor induzido” em termos nacionais dado que contribui para o aumento do PIB.
Para o presidente da Frulact, “a exportação é uma fase da internacionalização, tendo em conta que o mercado doméstico é pequeno e os mercados mais próximos estão maduros (europeu) e são altamente competitivos”. Na sua opinião falta criar em Portugal plataformas industriais e logísticas para facilitar estes processos. João Miranda defende que em Portugal fiquem as “operações de maior valor, com mais investigação e desenvolvimento”. Nos países de destino deve estar a operação industrial “numa lógica de produto de baixo custo para proteger a sua posição”, argumenta Miranda. A exportação tem de ser sempre o início, mas pode não ser “sustentável no tempo”, alerta.
Apoio estatal: o que falta?
O atual Governo já apresentou vários programas direcionados para as empresas e até António Costa rejeitou que o seu modelo económico era baseado na procura interna: “Nunca defendi um modelo de substituir exportações por procura interna”, afirmou o primeiro-ministro em novembro do ano passado. Entre o Capitalizar, o Interface, os fundos comunitários com o Portugal 2020 ou as linhas de crédito às startups e pequenas empresas, são vários os meios que os gestores podem aproveitar.
Mas muitas vezes falar em apoio estatal nem implica ajudas financeiras, diz Miranda. O presidente da Frulact sugere que “o Estado devia começar por acabar com o estigma de que as empresas que se instalam no exterior estão a deslocalizar a produção”. E dá o exemplo da Frulact: “Temos 140 pessoas em Portugal. Se não tivéssemos unidades fabris fora, eventualmente teria apenas metade, porque quando abro uma estrutura fora do país temos que reforçar e melhorar a estrutura base”.
O Estado devia começar por acabar com o estigma de que as empresas que se instalam no exterior estão a deslocalizar a produção.
Outro aspeto invocado pelo presidente da Frulact tem a ver com a mobilidade das pessoas. “Se eu quiser abrir uma empresa na Costa do Marfim, gostava de poder ter durante dois anos quadros desse país a trabalharem cá”, exemplifica, referindo que essa situação “em termos burocráticos não é fácil”. “Devia haver um estatuto de uma empresa que inicia um processo de internacionalização“, sugere.
Também a questão da assunção do risco é referida pelo empresário. “Devia haver uma mobilidade de capitais de risco para acompanharem as empresas portuguesas. Era bom ter o suporte da banca até porque existe, sobretudo na primeira iniciativa de internacionalização, uma probabilidade de falha elevada”. João Miranda defende ainda que o Estado e a AICEP devem ter mais cuidado “na promoção do investimento externo”. “Há mercados de elevado risco que o Estado não devia incentivar, havendo alguns em que não é possível sequer repatriar capital”, alerta o presidente da Frulact.
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