Não há receitas mágicas para baixar a dívida: vai dar muito trabalho
Fazer uma reestruturação dura da dívida pública é uma má ideia, defende a Plataforma para o Crescimento Sustentável. O caminho será sempre longo e duro.
Não há uma “silver bullet” para resolver o problema da dívida pública portuguesa. Baixar o rácio da dívida dos atuais 130% do PIB vai dar muito trabalho: será preciso disciplina orçamental e crescimento durante, pelo menos, mais de uma década. E os únicos caminhos que poderão atenuar o esforço português — como por exemplo as eurobonds — dependem de Bruxelas. Esta é a posição da Plataforma para o Crescimento Sustentável, um think tank presidido por Jorge Moreira da Silva, criado em outubro de 2011, na sequência do pedido de resgate à troika.
“Não há uma silver bullet e a reestruturação da dívida com haircut teria consequências negativas muito superiores às de uma solução por via da redução do endividamento”, defendeu Joaquim Sarmento, coordenador do policy paper “Que caminhos para a dívida pública portuguesa?”, num encontro com jornalistas, esta segunda-feira.
No estudo, com coautoria de Luís Bravo, Francisco Catalão, Nelson Coelho e Ricardo Santos, faz-se uma radiografia à dívida pública portuguesa, avaliam-se as consequências de uma reestruturação dura da dívida (com haircut) e propõe-se, como alternativa, um caminho de gestão dinâmica da dívida pública no mercado.
O objetivo, conforme explicou Joaquim Sarmento, não é tanto procurar ganhos de curto prazo, mas antes promover a sustentabilidade da dívida soberana. E apesar de chegar apenas cerca de um mês depois do relatório da dívida feito pelo grupo de trabalho do Bloco de Esquerda e do PS (o estudo da Plataforma estava, aliás, praticamente pronto em abril, quando os partidos apresentaram o seu relatório), os autores garantem que o objetivo não é responder às ideias da esquerda, mas antes apresentar mais contributos para o debate.
Porque não uma reestruturação com haircut?
Desde logo, pelas próprias características da dívida pública nacional. “Dos 240 mil milhões de euros de dívida pública, cerca de 105 milhões de euros estão em mãos nacionais”, explica Joaquim Sarmento. Ou seja, se fosse feita uma reestruturação com perdas para os detentores da dívida pública, uma parte significativa dos danos seria sentida internamente.
“Quase metade da dívida pública em mãos nacionais torna uma solução de haircuts com um custo brutal, não só externo, mas também interno para a poupança dos portugueses e no setor financeiro”, frisa o professor do ISEG.
Segundo o estudo da Plataforma, 44% das Obrigações do Tesouro são detidas por residentes, 38% estão nas mãos de não residentes, o Banco de Portugal tem 19% e o Banco Central Europeu tem 10%. Analisando por outro critério, verifica-se que dos tais 105 mil milhões de euros em mãos nacionais, 53 mil milhões estão nos bancos, 25 milhões é dívida que foi colocada no retalho, 8 mil milhões estão na Segurança Social e 20 mil milhões no Banco de Portugal.
Os investigadores calcularam as consequências de dois cenários de reestruturação com haircuts, concluindo que qualquer um deles teria consequências demasiado danosas:
- Haircut de 100% da dívida de privados: A dívida pública passaria dos atuais 130% do PIB para 83% e seria possível poupar o equivalente a 2% do PIB em juros. Contudo, as consequências esperadas pelos autores do estudo seriam a saída de Portugal dos mercados financeiros, a necessidade de recapitalizar os bancos e seria expectável um corte de 20% a 30% nos depósitos de particulares.
- Haircut de 100% da dívida em Obrigações do Tesouro, incluindo BCE e Banco de Portugal: Esta opção, semelhante à da Grécia de 2012, permitiria baixar o rácio da dívida para 64% do PIB e poupar 2,5% do PIB em juros. Mas para além das consequências do primeiro modelo, implicaria uma falência do Fundo de Capitalização da Segurança Social e a provável saída da zona euro, defendem os autores do documento.
- Reestruturação da dívida dos instrumentos europeus: Nesta solução, são considerados três caminhos. A extensão das maturidades é vista como uma possibilidade e recomendada a sua discussão para o futuro, uma vez que estes empréstimos só começam a ser pagos em 2025. O diferimento dos juros até 2025 geraria “uma ligeira folga nas necessidades brutas de financiamento”, mas frisa-se que uma redução de juros seria “praticamente impossível.” Por fim, um haircut neste tipo de dívida é visto como um passaporte para fora da zona euro.
Então o que fazer?
“Consideramos que a dívida pública portuguesa é sustentável, desde que se mantenham saldos primários e um caminho responsável”, diz Ricardo Santos. O mesmo é dizer que são precisos, pelo menos, saldos primários médios em torno de 3% do PIB nos próximos dez anos e um crescimento nominal a rondar os 3% ao ano. Valores abaixo destes, ou uma subida mais acentuada dos juros, implicaria adiar cada vez mais a redução do rácio da dívida.
Ainda assim, o economista explica que a estrutura da dívida nacional permite que a subida dos juros praticados pelos mercados leve tempo a repercutir-se nos custos de financiamento portugueses e que isso dá alguma margem de segurança à gestão da dívida portuguesa.
Além do mais, a almofada de liquidez permite acomodar, num primeiro momento, eventuais choques externos. Esta almofada “deve ser mantida nos níveis atuais”, mesmo que isso tenha custos implícitos, argumenta Ricardo Santos.
Depois, deve continuar a fazer-se uma gestão dinâmica da dívida, com a diversificação das opções de financiamento. Portugal emite agora mais para o mercado interno, o que é visto como uma boa solução uma vez que permite “diminuir o stress que possa vir de fora”, diz Ricardo Santos.
Por fim, os investigadores também validam a estratégia que tem vindo a ser levada a cabo pelo IGCP, de acelerar os reembolsos ao FMI — dívida com um juro elevado, que pode ser substituída através de novas emissões no mercado a preços mais baixos.
Do mesmo modo, deve procurar-se alisar o perfil de reembolsos para valores entre os seis e os oito mil milhões de euros por ano, para que as necessidades brutas de financiamento da República — somado o valor a financiar do défice em contabilidade pública — não ultrapasse os 10 mil milhões de euros. Isto faz-se, num primeiro momento, com os pagamentos antecipados ao FMI, e num segundo momento com operações de recompra em mercado aberto, acrescenta João Moreira Rato, ex-presidente do IGCP.
E não há mais soluções inovadoras?
Há, são os tais caminhos que poderiam aliviar os esforços, mas que dependem dos parceiros europeus. O policy paper apresenta três hipóteses para discutir em Bruxelas:
- Compra de OT por parte do Mecanismo Europeu de Estabilidade: O BCE poderia vender as OT portuguesas ao MEE, permitindo assim que o regresso a uma política monetária menos expansionista fosse menos penoso para Portugal. O MEE poderia refinanciar a dívida a custos mais baixos, mas esta opção teria ainda de ser acomodada pelos tratados europeus.
- Linha cautelar do MEE a quatro ou cinco anos: Aqui a ideia seria reforçar as ferramentas de estabilização da zona euro, transformando o programa cautelar do MEE de curto prazo num programa mais alargado, que diminuísse o ónus aos países que recorressem a esta ferramenta.
- Eurobonds até 60% da dívida: “Ao nível das soluções europeias, esta parece ser não só a melhor opção, mas também a mais justa para Portugal e para todos os países da área do euro”, lê-se no documento. A ideia é que apenas a dívida até aos 60% do PIB fosse mutualizada, continuando o excedente a ser da responsabilidade do Estado-membro. Mas para ser aplicada exige desde logo a criação de um tesouro europeu.
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