Ao fim de ano e meio, Costa tem três ministros na corda bamba
Administração Interna, Defesa e Agricultura: são as três pastas sobre as quais a pressão é mais óbvia. Ano e meio depois de ter tomado posse, não foi a economia que pressionou António Costa.
Quando António Costa assumiu funções como chefe do Governo, a oposição de direita vaticinou-lhe um mau resultado: a estratégia económica estava “errada”, repetiu Pedro Passos Coelho, líder do PSD. Ano e meio volvido, o primeiro-ministro vê a equipa cercada mas não por causa dos números do défice, do PIB, ou até do desemprego. São falhas nas funções centrais do Estado que estão a pressionar o Executivo e a dar gás à oposição.
Empresários confiantes, o défice a descer e Portugal fora do Procedimento por Défice Excessivo, os organismos independentes do Governo a rever em alta as previsões de crescimento para este ano. E não é preciso recuar muito mais para recordar a semana dos três efes, quando o Papa foi a Fátima, o Benfica ganhou o campeonato de futebol e o Salvador ganhou o festival da Eurovisão. Eram estas as notícias que marcavam a atualidade até ao fatídico dia 17 de junho.
Mas nesse sábado, quando o incêndio de Pedrógão Grande tomou proporções históricas e provocou 64 mortes e centenas de feridos, iniciou-se um novo ciclo político: Costa, e pelo menos três dos seus ministros, estão pressionados como nunca tinham estado desde que assumiram funções. E mesmo em áreas onde houve tréguas no último ano, como a Saúde, Educação ou Justiça, a tensão está a subir.
É irónico que numa conjuntura em que todos os indicadores [económicos] são bons, isto [a pressão sobre o Governo] esteja a acontecer e com uma dimensão sequencial.
“Com a dimensão ideológica das decisões políticas a diminuir e com uma atitude mais instrumental do exercício da cidadania, a economia tornou-se um fator muito importante” para a gestão política, diz António Costa Pinto, politólogo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “E este Governo tem conseguido surpreender a sociedade com notícias positivas”, isto é, tem conseguido implementar medidas que agradam aos cidadãos, como por exemplo “o fim progressivo da sobretaxa de IRS, ou a pequena a atualização nas pensões,” exemplifica. “Mas o incêndio de Pedrógão Grande e o assalto de Tancos remetem para as funções centrais do Estado e a extrema dificuldade de gestão da incerteza,” frisa. “É irónico que numa conjuntura em que todos os indicadores [económicos] são bons, isto [a pressão sobre o Governo] esteja a acontecer e com uma dimensão sequencial,” soma.
O facto de os dois eventos negativos, e que suscitam questões sobre a capacidade de resposta do Estado, se terem sucedido num curto espaço de tempo intensifica a pressão, “provoca uma saliência negativa grande”, diz ainda Costa Pinto. “O Governo encontra-se numa conjuntura negativa”, sublinha.
O Governo só mostrou servir para as horas boas (…) quando aparece algum imprevisto ou alguma coisa má, o Governo desaparece.
Mais: como o roubo de material militar da base de Tancos não provocou feridos, a oposição pode acentuar a pressão sobre o Executivo sem ter de atender aos cuidados óbvios a que a gestão política do caso de Pedrógão obriga. É um evento “sem vítimas, sem causas naturais”, reconhece o politólogo André Freire, professor do ISCTE e investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, também da Universidade de Lisboa. E por isso abre a porta a que a oposição faça o seu papel: “fazer perguntas, ancoradas em factos” que escrutinem a ação do Executivo.
Neste fim de semana o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, partiu para o ataque: o “Governo só mostrou servir para as horas boas”, acusou, “quando aparece algum imprevisto ou alguma coisa má, o Governo desaparece,” criticou o líder social-democrata, citado pela Lusa.
Perguntar primeiro, responsabilizar depois. Ou não?
Constança Urbano de Sousa é um dos membros do Executivo de António Costa que está na corda bamba. Num primeiro momento, o primeiro-ministro segurou a ministra da Administração Interna e a estratégia, explicada no debate quinzenal da semana passada, foi perguntar primeiro — a todos quanto for possível pedir explicações — e retirar conclusões depois. E por isso ao longo de vários dias o país foi confrontado com conclusões parcelares de vários organismos — Proteção Civil, Instituto Português do Mar e da Atmosfera, SIRESP, Secretaria-geral da Administração Interna — a passar culpas entre si.
“Temos as entidades cada uma a chutar para seu canto sem ter ninguém que as mande calar por cima”, criticou a líder do CDS, Assunção Cristas. “Se não tem uma resposta definitiva, então que estejam calados”, pediu. “É preciso perguntar primeiro e tirar conclusões depois”, respondeu António Costa. Este é “o método” que “qualquer político deve seguir” argumentou, garantindo que quando der a sua opinião, “terá de ser fundada na informação técnica.”
Mas para quem quer saber como foram acionados os meios de socorro e, consequentemente, se poderia ter sido feito melhor, o assistiu-se a “uma cacofonia do ponto de vista da tomada de posição política”, diz André Freire. “Não sei se seria possível fazer de outra forma,” admite, mas “o resultado que surtiu a publicação de todos os relatórios não foi muito positivo”, avalia.
O primeiro-ministro tem dois ministros que já não o deviam ser nesta área e que os mantém. Escolheu a lealdade política (…). Passou a ser o primeiro e último responsável pelo que aconteceu e vier a acontecer.
O certo é que, no entretanto, a ministra da Administração Interna, apesar de criticada duramente pela oposição, ainda não foi responsabilizada politicamente. Aliás, Costa mantém a confiança na ministra, pelo menos por enquanto. “O primeiro-ministro tem dois ministros que já não o deviam ser nesta área e que os mantém. Escolheu a lealdade política em detrimento da segurança, da credibilidade do país e da confiança dos cidadãos no Estado. Passou a ser o primeiro e último responsável pelo que aconteceu e vier a acontecer,” defendeu Nuno Magalhães, deputado do CDS, em entrevista ao Diário de Notícias. Ao início da tarde desta segunda-feira, Assunção Cristas era ainda mais direta: “Senhor primeiro-ministro volte e demita-os.”
Mas Costa também tem mantido a confiança no ministro da Agricultura, Capoulas Santos. Este é, aliás, outro dos ministros sob forte pressão. Desde logo, porque é o responsável pela gestão florestal e, como diz André Freire, mesmo que as causas dos problemas sejam estruturais, quando este tipo de eventos acontece “o Governo em funções é quem tem de assumir responsabilidades políticas.”
Mas neste caso Capoulas Santos nem pode dizer que chegou ao tema há ano e meio. O atual ministro já tinha exercido funções governativas na Agricultura entre 1998 e 2002, primeiro como secretário de Estado, e depois como ministro. E entre 2008 e 2013 tinha sido relator do Parlamento Europeu para a reforma da Política Agrícola Comum, influenciando por essa via a atribuição de fundos comunitários a projetos agrícolas.
Seja como for, pelo menos por enquanto, António Costa não tirou consequências políticas. E nem na chefia dos organismos diretamente relacionados com a reação ao incêndio o Governo mexeu.
Já no que toca ao caso do assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, a estratégia foi outra. Os cinco comandantes das unidades relacionadas com o caso foram exonerados, por decisão do chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte. A exoneração é temporária, para que não haja entraves às averiguações, justificou. Entretanto, Azeredo Lopes deu a cara: “Assumo a responsabilidade política pelo simples facto de estar em funções”, disse, à margem das comemorações do 65.º aniversário da Força Aérea Portuguesa, citado pela Lusa. Mas não tirou mais consequências.
Não é a só a direita que pede responsabilização
Azeredo Lopes, ministro da Defesa, é o terceiro elemento da equipa de Costa que não está a escapar aos pedidos de responsabilização por parte da oposição.
“A pressão para a demissão ou responsabilização política é, em geral, banal por parte dos partidos da oposição”, diz Costa Pinto. Mas o problema é que “não é apenas a oposição de direita” que o tem feito agora: “Mesmo os parceiros que dão apoio parlamentar têm pedido essa responsabilização”, frisa.
“Podemos olhar para o governo PSD/CDS e para a forma como cortou irresponsavelmente no Estado, mas também temos de pensar que o Partido Socialista está no Governo e que há mais de um ano e meio aprovou Orçamentos do Estado e que deveria ter dado resposta a estas necessidades de serviços públicos”, criticou esta segunda-feira a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, citada pela Lusa.
E por isso pediu “responsabilidades políticas” pelos “falhanços” nos incêndios de Pedrógão Grande e no roubo de armamento em Tancos.
Já Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, repartiu as culpas pelos sucessivos governos, mas frisou que a avaria do sistema de videovigilância é reveladora do estado de degradação das Forças Armadas.
Saúde, Educação e Justiça: tréguas também se esgotam aqui
Mas não são só os casos de Pedrógão e de Tancos que pressionam o Executivo de António Costa. A dimensão e a intensidade são menores, mas na Saúde, na Educação e na Justiça a pressão também está a subir.
“Houve alguma acalmia nos últimos tempos e agora a pressão regressa”, diz Costa Pinto, referindo-se às críticas a que os ministros da Saúde e da Educação têm sido sujeitos. Contudo, o politólogo desvaloriza o peso político das reivindicações: “São áreas onde as queixas são de tal modo recorrentes que não têm agora qualquer expressão. Não há nada de novo” em termos políticos, defende, explicando que estas são áreas sempre sensíveis.
Na Saúde, a guerra entre o ministro Adalberto Campos Fernandes e os enfermeiros está aberta: os enfermeiros especialistas recusam-se a prestar trabalho especializado enquanto não forem pagos como especialistas, o ministro pediu um parecer urgente ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República porque considera a medida ilegal, mas os peritos estão a levar a deles avante e desde esta segunda-feira que não prestam este tipo de cuidados.
Na Educação, os casos verificados durante a época de exames saíram da agenda mediática. Mas até há poucos dias o ministro Tiago Brandão Rodrigues era pressionado pela fuga de informação sobre o exame nacional de Português, pelas falhas na correção da prova de Matemática do 9º ano e pela greve dos professores no dia de exames e provas de aferição.
E soma-se a Justiça, onde a Associação Sindical de Juízes Portugueses enviou esta segunda-feira uma carta aberta a pedir a intervenção do primeiro-ministro nas negociações sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, defendendo que a ministra, Francisca Van Dunem, está “completamente manietada.”
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