UTAO fez as contas. Governo dá perdão de 630 milhões à banca
O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução tem um valor atualizado líquido negativo de 630 milhões de euros, estimam os peritos do Parlamento. Nas condições iniciais o valor era quase nulo.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) estima que a revisão das condições do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução — que permite, por sua vez, que os bancos paguem ao Fundo o empréstimo para salvar a banca em mais tempo — seja o equivalente a um perdão na ordem dos 630 milhões de euros, quando comparado com as condições iniciais. Os cálculos constam de um relatório distribuído esta terça-feira aos deputados da comissão de Orçamento e Finanças.
O Fundo de Resolução tem um plano financeiro que permite reduzir este custo para pouco mais de metade (347 milhões de euros). Contudo, este plano implica que a contribuição extraordinária da banca passe a definitiva, explicam os peritos, no documento a que o ECO teve acesso. Mas haveria alternativa?
Recuando no tempo. A 21 de março, o Governo anunciou que tinha decidido dar mais tempo aos bancos para pagarem os empréstimos que o Estado concedeu ao Fundo de Resolução, para injetar dinheiro no Banif e no Novo Banco. Esta foi a segunda vez que as condições do empréstimo foram revistas e os deputados da oposição levantaram uma questão: estaria o Governo, na prática, a dar um perdão de juros à banca?
Confrontado com a questão, o Governo foi sempre garantindo que se as condições dos empréstimos se mantivessem inalteradas, a banca não teria como pagar — o prazo terminava em dezembro de 2017. E que, por isso, o custo de manter a operação nos termos iniciais implicaria perder muito mais. Mas os deputados quiseram que a UTAO fizesse as contas e aprovaram um requerimento do PCP.
Ora, de acordo com os cálculos dos peritos do Parlamento, se os bancos tivessem devolvido o valor do empréstimo (3.900 milhões de euros) de acordo com as condições iniciais, o resultado da operação gerava “um valor atualizado líquido positivo, embora pouco expressivo”, lê-se no relatório.
Estas eram as condições iniciais:
- empréstimo com reembolso previsto para agosto de 2016;
- pagamento de juros trimestral;
- juros calculados com base no custo de financiamento do Estado ao abrigo do Programa de Ajustamento, acrescido de uma comissão e de um fator de desincentivo. No primeiro período de duração do empréstimo, o juro era de 2,962%.
Se estes termos tivessem sido cumpridos, e assumindo que os bancos teriam condições para o fazer, esta operação teria um valor atualizado líquido de 19,5 milhões de euros.
Convencido de que a banca não teria forma de fazer face ao reembolso deste empréstimo, o Governo reviu, pela primeira vez, as condições do contrato. A revisão foi feita em julho de 2016, com as seguintes novidades fundamentais:
- prazo de vencimento do empréstimo adiado para 31 de dezembro de 2017;
- juros com vencimento a 4 de agosto de 2017 e em 31 de dezembro de 2017;
- taxa de juro revista para 1,25% para o período em que estes termos vigoraram.
A UTAO fez as contas a estas novas condições e concluiu que o valor atualizado líquido passou de ligeiramente positivo, para ligeiramente negativo: “62 milhões de euros.”
Mas estas condições foram revistas uma segunda vez. Mudou o prazo de vencimento, e a taxa de juro:
- prazo de vencimento alongado para 31 de dezembro de 2046;
- taxa de juro fixa nominal anual de 2% entre 5 de novembro de 2016 e 31 de dezembro de 2021;
- a partir de 2022, a taxa de juro nominal anual será revista de cinco em cinco anos, com o objetivo de refletir os custos médios do financiamento da República, acrescidos de uma comissão de 0,15%
Ora, com estas novas condições, “o contrato apresenta um valor atualizado líquido negativo, de 633,4 milhões de euros,” lê-se no relatório. Aqui assume-se que o empréstimo segue até ao final do contrato e estima-se um fluxo de juros apurados entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2046 de 1.771,2 milhões de euros, em termos de valor atualizado. A este valor, soma-se um valor atualizado do capital a 4 de agosto de 1.495,4 milhões de euros, num total de (capital e juros) 3.266,6 milhões de euros. É este valor que compara com os 3.900 milhões de euros que foram emprestados e representa, por isso, um perdão de juros na ordem dos 630 milhões de euros.
O contrato apresenta um valor atualizado líquido negativo, de 633,4 milhões de euros.
Cálculos até são conservadores, mas há plano para mitigar custos
A UTAO explica que os pressupostos desta análise foram conservadores e que, por isso, o resultado poderá ser ainda mais negativo. A taxa de desconto usada pelos peritos no cenário central foi de 3%, mas a taxa de desconto aplicada, por exemplo, no caso das parcerias público-privadas é de 6,08%.
Ora, na análise de sensibilidade aos cálculos efetuados, os peritos dizem que o valor atualizado do empréstimo nas condições atuais varia entre um ganho de 185 milhões de euros para o Estado (se a taxa de desconto considerada baixar para 2%), e um custo de 2.098 milhões de euros (caso se aplique a taxa de desconto das PPP, de 6,08%).
Quando a análise é feita à sensibilidade da taxa de juro estimada para o período a partir de 2022, os peritos concluem que o custo pode subir para 1.179 milhões de euros caso esta baixe para 1%, ou descer e tornar-se positivo a partir de um juro de 4%. Considerando um juro de 5%, o valor atualizado líquido ganha um valor positivo bastante expressivo, de 1.003 milhões de euros.
Contudo, o Fundo de Resolução adiantou à UTAO que tem um plano financeiro que permite mitigar os custos da operação. Este plano prevê amortizações intercalares e, por isso, muda as contas. Se este plano for concretizado, o valor atualizado líquido do empréstimo baixa para 347 milhões de euros. Mas há uma contrapartida, avisa a UTAO: é preciso que a contribuição extraordinária da banca passe a ser duradoura. “A contribuição sobre o setor bancário assume um papel determinante, com receitas anuais de 210 milhões de euros previstas até 2046,” explicam os peritos. “A contribuição sobre o setor bancário reveste-se de especial importância para o cumprimento do plano de amortização de capital e juros no prazo previsto, pelo que esta contribuição pode deixar de ser entendida como tendo um caráter temporário, tal como a renovação anual na Lei do Orçamento do Estado deixaria antever, para passar a ser encarada como duradoura,” acrescentam.
Havia alternativa?
A UTAO não elabora sobre eventuais alternativas ao desenho atual dos empréstimos, mas avalia o que aconteceria se as condições iniciais do empréstimo tivessem sido mantidas, com o Fundo de Resolução a ter de amortizar o valor em dívida ao Estado, de forma desfasada com os recebimentos por parte dos bancos.
[Uma contribuição especial pedida aos bancos para cumprir as condições iniciais do empréstimo] tenderia a ser dificilmente comportável pelo setor financeiro e poderia colocar em risco a capacidade deste continuar a prestar os serviços essenciais à economia.
Neste caso, o Fundo teria de assumir uma insuficiência de recursos e pedir uma contribuição especial aos bancos. Ora, o problema é que “dada a sua dimensão, tenderia a ser dificilmente comportável pelo setor financeiro e poderia colocar em risco a capacidade deste continuar a prestar os serviços essenciais à economia, nomeadamente a concessão de financiamento,” explicam os peritos em contas.
E justificam: “O encargo com a eventual contribuição especial implicaria uma redução dos rácios de capital (CET1) entre 1,7 e 2,5 pontos percentuais, para os quatro principais bancos.”
O lado bom: os efeitos no défice serão positivos até 2046
Apesar deste custo calculado para a operação feita entre o Estado, o Fundo de Resolução e a banca, para efeitos de impacto no défice orçamental, as notícias são positivas. Depois de ter prejudicado o défice em 2014, com a inscrição do custo da operação de uma só vez no défice em contas nacionais, prevê-se agora pequenas ajudas ao saldo orçamental até 2046.
“A cumprir-se a previsão a longo prazo apresentada pelo Fundo de Resolução, preveem-se impactos positivos no défice público nos próximos 30 anos, compreendidos no intervalo entre 0,13% do PIB nos primeiros anos e 0,06% em 2046,” lê-se no relatório.
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