Do boletim de voto às coligações, como vão ser as eleições alemãs?
Voto duplo, maiorias absolutas e coligações pós-eleitorais. Da boca da urna até à chancelaria, como vão decorrer as eleições gerais na Alemanha?
Este domingo, os 61,5 milhões de eleitores alemães vão escolher os deputados que formarão o Bundestag, ou seja, o parlamento nacional, nos próximos quatro anos. Estas eleições gerais, que vão também decidir quem será o próximo governante de uma das maiores economias europeias, vêm depois de períodos tumultuosos para os seus aliados, que tiveram de tomar decisões muito importantes: o Reino Unido optou pelo Brexit, os Estados Unidos por Trump e a França por Macron.
Mas antes de se falar nas implicações políticas, sociais e económicas destas eleições, é importante perceber a sua singularidade. Ao contrário do que acontece em Portugal e em todos os outros países citados, os alemães escolhem os seus deputados e o seu chanceler através de um sistema eleitoral misto, ou de representação proporcional, o que implica um processo de votação mais complexo.
Neste destacam-se seis partidos: a aliança democrata cristã CDU/CSU, liderada por Angela Merkel, que tenta assim o seu quarto mandato, os sociais-democratas do SPD, encabeçados por Martin Schulz, que abandonou a presidência do Parlamento Europeu para voltar à política nacional, os esquerdistas do Die Linke, com Sahra Wagenknecht e Dietmar Bartsch à frente, os neoliberais do FDP, com Christian Lindner ao comando, o partido ambientalista Os Verdes, liderado pelo par Katrin Göring-Eckardt e Cem Özdemir e os nacionalistas Alternativa para Alemanha (AfD), que também conta com dois líderes.
E ainda que pareça que a decisão está tomada, com as sondagens a atribuir uma percentagem maior de votos a Angela Merkel e à sua aliança CDU/CSU, é necessária uma maioria absoluta para entrar para a chancelaria, algo que não acontece no país desde 1957. É na constituição de coligação que o jogo político vai decorrer, com mais de cinco possibilidades diferentes a emergirem.
Entre sistemas mistos, coligações e jogos políticos, como se vão desenrolar as eleições gerais deste domingo?
Um boletim, dois votos
Quando chegarem ao momento de votar, os eleitores alemães vão ter à sua frente um boletim bastante parecido com o apresentado acima. Na primeira coluna, vota-se diretamente no candidato que deverá representar a sua circunscrição, ou circulo eleitoral, no Bundestag. Metade do parlamento é constituído por deputados eleitos através deste método.
A segunda metade é ocupada através do segundo voto, que consiste no voto num partido. Tal como em Portugal, os partidos ordenam os deputados hierarquicamente para depois serem eleitos para o parlamento. E, para além de ser mais complexo, o que permite este voto? Os deputados que são votados individualmente têm prioridade sobre aqueles que são eleitos pelo partido, sendo que assim, os cidadãos votam diretamente nos deputados que querem que os representem.
Para governar é preciso fazer amizades
A Alemanha tem uma longa tradição de coligações pós-eleitorais. Mais do que apenas uma maneira de fazer amigos em terreno político, esta tem sido a única maneira de os partidos conseguirem atingir a maioria absoluta necessária para entrar na chancelaria. É por isso que, desde 1957, nenhum partido tem conseguido governar sozinho, com os dois polos do espetro político a darem as mãos e a partilharem, como amigos, o poder.
Foi o caso de Merkel nos seus três últimos mandatos, que fez amizades tanto à esquerda como à direita, e poderá ser o caso nestas eleições, com mais de cinco combinações possíveis entre partidos. Entre cores e líderes, há pontos fracos, pontos fortes e diferentes probabilidades de união.
Grande Coligação = CDU + SPD
- O que é: chama-se grande coligação àquela que junta os dois maiores partidos de um país, sendo que no caso alemão estes são a CDU e o SPD. É a coligação que está agora no Governo e que ocupou a maioria dos lugares do Bundestag em dois dos três mandatos da chanceler Merkel.
- Pontos fortes: ao juntar os dois partidos centristas, cria-se consenso em assuntos como a criação de um fundo monetário Europeu, o alívio fiscal à classe média e a posição relativamente aos Estados Unidos.
- Pontos fracos: se esta se efetivar, o grande ponto de tensão estará na definição de cargos. O SPD, por reunir menos votos, será obrigado a abrir mão das duas posições mais importantes, a de chanceler e a de ministro das Finanças. Junta-se a isto o facto de Schulz ter concorrido como a alternativa a Merkel, o que diminuirá a probabilidade de estes se juntarem para governar.
Preto e Amarelo = CDU + FDP
- O que é: uma coligação de centro direita que já governou no segundo mandato da chanceler Merkel, para além de ser a combinação mais frequente no período pós-guerra.
- Pontos fortes: apela a várias gerações ao juntar os apoiantes de classe média, conservadores e cristãos da CDU e os neoliberalistas e empreendedores do FDP.
- Pontos fracos: o FDP esteve quatro anos longe do Bundestag, por não ter conseguido, em 2013, alcançado os 5% necessários para eleger deputados. Nessa altura, as ideias antieuropeístas não foram do agrado dos alemães. As últimas sondagens apontam para que, nestas eleições, este partido seja a escolha de 9% dos eleitores.
Vermelho e Verde = SPD + Os Verdes
- O que é: ao juntarem-se, estes dois partidos formam uma coligação de centro esquerda que governou antes da entrada de Angela Merkel, em 2005.
- Pontos fortes: tal como a combinação preto e amarelo, apela às várias gerações juntando os apoiantes daquela que pode ser apelidada de “velha esquerda”, constituída pela classe trabalhadora e pelos sindicalistas e os progressistas.
- Pontos fracos: o período alto de Schulz ficou-se pelos primeiros meses após a candidatura, com as sondagens a afirmarem que o SPD vai ter dificuldade em ultrapassar a barreira dos 30%. Ao mesmo tempo, os verdes veem as suas hipóteses estancadas nos 9%.
Vermelho, Vermelho e Verde = SPD + Die Linke + Os Verdes
- O que é: união das esquerdas, desde os mais centristas — Os Verdes — aos mais radicais — Die Linke.
- Pontos fortes: juntando os eleitorados dos três partidos, poderá ser a única maneira de Schulz conseguir a maioria que necessita para se tornar chanceler.
- Pontos fracos: os alemães ainda associam os socialistas do Die Linke, bem como as ideias populistas que defendem, ao regime ditatorial que se vivia na República Democrática da Alemanha antes da queda do muro de Berlim.
Preto, Amarelo e Verde ou “Jamaica” = CDU + FDP + Os Verdes
- O que é: ainda que seja centro-esquerda, Os Verdes podem juntar-se ao lado mais conservador do espectro político.
- Pontos fortes: também junta três eleitorados diferentes.
- Pontos fracos: nunca chegou à chanceleria.
Existem ainda outras combinações possíveis, como é o caso da “semáforo”, que junta SPD, FDA e Os Verdes, e a “Quénia”, que une SPD, CDU e Os Verdes, mas que, pelas diferenças ideológicas ou por serem raramente uma opção viável, não têm probabilidade alta de chegarem ao poder.
De fora destas combinações fica o AfD, que tem sido considerado por muitos o partido outsider destas eleições. Defensor de ideais de extrema-direita tais como a saída da União Europeia, o bloqueio das fronteiras e a aproximação com a Rússia, os outros partidos na corrida já excluíram quaisquer alianças com ele. Ainda assim, e com a liderança de Alice Weidel e Alexander Gauland, este pode proporcionar uma das surpresas da noite.
E o terceiro mais votado vai ser…
É já sabido que Merkel e Schulz vão disputar os dois primeiros lugares da votação, mas as dúvidas acerca do terceiro classificado persistem. Com o FDA a voltar à corrida quatro anos depois de não ter conseguido eleger nenhum deputado, e o AfD a apelar aos valores populistas que se têm espalhado um pouco por todo o mundo, conseguirá o Die Linke manter-se como o terceiro partido com mais deputados no Bundestag?
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As últimas sondagens não apontam para tal, com o AfD ligeiramente à frente dos esquerdistas. Contudo, este surge logo a seguir, sucedido pelo FDP e pelo Os Verdes.
A combinação preferida dos economistas é preto e amarelo
Ainda que a coligação que fosse angariar mais votos fosse a que está hoje no poder, em termos económicos esta pode não ser a mais benéfica. Vinte e seis economistas ordenaram por eficácia as quatro coligações mais populares, a pedido da agência Bloomberg. Para este grupo — onde se incluem 16 alemães –, a combinação ideal assemelhar-se-ia a uma abelha e juntaria a CDU e o FDP.
Para além desta ser a mais frequente, é aquela que os economistas acham que vai potenciar mais o crescimento económico, que vai criar mais emprego e será capaz de reduzir a carga fiscal do país. Mas, para tal, vão ter de se sair bem melhor nas urnas do que se estão a sair nas sondagens.
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