Proprietários e inquilinos de acordo: incentivos para o arrendamento acessível são “insuficientes”
Proprietários antecipam que a adesão ao programa de rendas acessíveis será fraca, porque a redução de impostos não é suficiente. Inquilinos questionam a forma de cálculo da renda acessível.
O Governo vai avançar com um programa de incentivos fiscais para os proprietários que pratiquem rendas acessíveis. Chama-se Programa de Arrendamento Acessível e faz parte da Nova Geração de Políticas de Habitação, documento a que o Jornal de Negócios e o Público tiveram acesso e que prevê isenções no IRS e no IMI. Proprietários e inquilinos estão de acordo: as medidas são positivas, mas “claramente insuficientes”. Por um lado, a redução de impostos não é suficiente para atrair proprietários para fora do mercado livre e, portanto, a adesão ao programa será fraca. Por outro, o cálculo do que deve ser uma renda acessível não é o adequado e os inquilinos continuam a sair a perder.
A resolução do Governo, que será aprovada em breve em Conselho de Ministros, prevê que os proprietários que se inscrevam no novo programa fiquem isentos de imposto sobre os rendimentos prediais. Estes proprietários poderão ainda beneficiar de um desconto de 50% no IMI, ou mesmo ficar totalmente isentos deste imposto, se as assembleias municipais assim o determinarem.
"Há um problema prático que tinha de ser evitado e que foi a razão para que as rendas disparassem: o adicional ao IMI. Se esse imposto não for abolido, nada disto tem mínima utilidade.”
Para os proprietários, o problema começa logo nestas reduções. “O que está em causa é uma isenção de IRS para os senhorios que aceitem perder 20% do valor da renda, associada a uma redução do IMI que depende da vontade das câmaras. Há um problema prático que tinha de ser evitado e que foi a razão para que as rendas disparassem: o adicional ao IMI. Se esse imposto não for abolido, nada disto tem a mínima utilidade”, diz ao ECO Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários. Importa lembrar, contudo, que o aumento das rendas, sobretudo em Lisboa e no Porto, já vem desde há vários anos. Em 2014, os dados das consultoras imobiliárias apontavam para que a renda média em Lisboa tivesse aumentado perto de 3% face ao ano anterior. Em 2016, o valor médio das rendas em Lisboa já tinha disparado 23% em relação ao ano anterior, para 830 euros por mês. Já o AIMI só começou a ser pago este ano.
Seja como for, o presidente da ALP considera que o resultado prático destas medidas “é neutro”, já que o proprietário deixa de pagar imposto sobre 28% dos rendimentos, mas terá de reduzir as rendas em 20% face ao valor de mercado, ao mesmo tempo que uma boa parte continua a estar sujeita ao AIMI. “Só há impacto em relação a muito pequenos senhorios, aqueles que só têm um apartamento para arrendar. Quem tenha um prédio de rendimento continua a pagar o AIMI”.
Estas propostas são, assim, “claramente insuficientes” e Luís Menezes Leitão antecipa que haverá pouca adesão a este programa de rendas acessíveis. “O ganho que o proprietário tem é manifestamente insuficiente num quadro de disparar de rendas. Aliás, quem aderir a isto fica sujeito a um controlo enorme e as pessoas querem é estar no mercado. Não acreditamos que haja grande adesão a este programa”, salienta.
"Estamos com receio de que haja muita gente que queira terminar os contratos, devido ao descrédito que o Governo lançou sobre o mercado de arrendamento.”
Para que os incentivos sejam suficientes para os proprietários aceitarem praticar rendas acessíveis, há duas medidas que a APL considera essenciais: abolir o AIMI e reduzir a taxa de IRS para quem pratique arrendamento de longa duração, independentemente do preço. “Apresentámos uma proposta para que o IRS baixe à medida que o contrato seja renovado, ou seja, cada ano de renovação faria baixar três pontos no IRS, até ao valor de 10%. Era uma maneira de se evitar que os contratos fossem denunciados. Receamos que muita gente que queira terminar os contratos, devido ao descrédito que o Governo lançou sobre o mercado de arrendamento”, critica.
Luís Menezes Leitão destaca ainda outro problema: o dos proprietários que viram as rendas congeladas. “O Governo prorrogou o congelamento das rendas antigas, em que não há reduções de 20% em relação ao mercado, mas de 80% ou até 90%. É das maiores injustiças que não haja isenção para as rendas já consumadas”. Segundo o Negócios, porém, os contratos já existentes também poderão ser abrangidos pelo Programa de Arrendamento Acessível, desde que cumpram os requisitos ou sejam adaptados para que passem a cumprir, nomeadamente no que toca ao valor da renda.
“Não existe valor de mercado neste momento”
Do lado dos inquilinos, as preocupações são outras. Ao ECO, Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), admite que as propostas “são positivas”, mas, uma vez mais, “insuficientes”. Desde logo, pela forma como se calcula o valor de uma renda considerada acessível.
“O Governo diz que a renda acessível vai ser 20% abaixo do preço de mercado. Não existe valor de mercado, neste momento, no arrendamento. Um T1 tanto pode custar 700 como mil euros. São valores completamente disparatados”. Na verdade, a proposta do Governo deverá acumular dois critérios para o cálculo da renda acessível: esta terá de ficar 20% abaixo do preço de mercado e não poderá ultrapassar 30% dos rendimentos dos inquilinos em causa. Ainda não é certo, contudo, o que acontece com esta diferença: em regiões como Lisboa, uma renda que seja 20% mais barata do que o preço de mercado continua a ficar acima de 30% do rendimento médio da população.
A AIL propõe que este cálculo seja feito de outra forma. “A renda acessível deve ser calculada com uma taxa de 4% a 5% sobre o valor patrimonial tributário. Aceitando 5%, isto quer dizer que, numa casa que tenha um valor de 100 mil euros, o proprietário pode receber 5 mil euros por ano, o que resulta numa renda de pouco mais de 400 euros. Isso já consideramos acessível”, explica Romão Lavadinho.
"É preciso beneficiar os proprietários para que haja mais casas no mercado de arrendamento e possa haver concorrência, para que haja preços mais baixos.”
Quanto às restantes propostas, de benefícios fiscais para os proprietários, a associação considera-as positivas, até porque “é preciso beneficiar os proprietários para que haja mais casas no mercado de arrendamento e possa haver concorrência, para que haja preços mais baixos”.
A grande questão, salienta Romão Lavadinho, vai ser quem sai realmente beneficiado com este programa. “Se continuarmos a beneficiar apenas os proprietários, prejudicando os inquilinos, como aconteceu com a lei de Assunção Cristas [Novo Regime do Arrendamento Urbano, de 2012], estamos em desacordo. Tudo o que vier tem de trazer mais benefícios para os inquilinos, que têm de ter uma renda de acordo com os seus rendimentos e não de acordo com o mercado”.
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