Estes são os tarifários que a Anacom diz que estão ilegais

Conheça cinco ofertas de telecomunicações da Meo, Nos e Vodafone que poderão estar a violar as regras europeias e da neutralidade da internet, na visão da Anacom.

Alguns tarifários em Portugal podem estar ilegais, denunciou a Anacom.rawpixel/Pixabay

Existem tarifários no mercado que podem estar ilegais, denunciou a Anacom esta quarta-feira. O regulador considera que algumas ofertas da Meo, Nos e Vodafone podem violar as regras que determinaram o fim do roaming e a neutralidade da internet, preparando-se para dar um período de 40 dias úteis para que as operadoras ponham os serviços em conformidade com a legislação europeia.

O fim do roaming foi uma medida que entrou em vigor em meados do ano passado. Através do regulamento, apelidado Roam Like At Home, os consumidores europeus passaram a pagar no estrangeiro o mesmo que pagariam pelas comunicações caso estivessem no país de residência. Já a neutralidade da internet é um conceito que determina que as empresas prestadoras de serviços de internet não podem discriminar tráfego — tem de ser todo tratado de forma igual.

Num documento de 50 páginas, onde a Anacom justifica a decisão, surgem alguns exemplos de tarifários das três grandes operadoras portuguesas que, segundo o regulador, estão em inconformidade com as regras do fim do roaming e poderão violar também a neutralidade da internet em alguns casos. Estes são alguns dos tarifários dados pela Anacom como exemplo:

Oferta “Smart Net” da Meo

Segundo a Anacom, os pacotes “Smart Net” são disponibilizados pela Meo “desde meados de 2017”. Em causa está um catálogo de plafonds de tráfego específicos para determinados conjuntos de aplicações móveis, como aplicações de comunicação, redes sociais, apps de vídeo, de música ou de correio eletrónico e armazenamento na cloud. Nos pacotes entram aplicações como o Facebook, o YouTube, o Netflix e por aí em diante, consoante a categoria em que se inserem.

Estes pacotes específicos podem ser subscritos por clientes que, por exemplo, passam mais tempo nas redes sociais. Assim, o tráfego de aplicativos como o Facebook, Twitter ou Instagram deixam de contar para o plafond geral e passam a estar abrangidos por um novo plafond específico, com um limite de tráfego significativamente maior. Ora, um dos problemas para a Anacom, em termos de roaming, poderá ser uma alínea do contrato onde se lê que o tráfego incluído nestes pacotes “é válido para utilização em território nacional”, condição que poderá violar a regulamentação do fim do roaming.

Mas existe outro problema identificado pela Anacom. É que, por exemplo, caso um cliente ultrapasse o tráfego do plafond geral de dados e o acesso à internet seja barrado, poderá continuar a utilizar as aplicações que constam no pacote “Smart Net” que subscreveu. Esta prática poderá incorrer em violação das regras da neutralidade da internet, na visão do regulador.

A oferta “Smart Net” da Meo já tinha causado polémica… mas não em Portugal. Foi apontada num contexto político nos Estados Unidos como um exemplo do que poderia acontecer num “país sem neutralidade da internet como Portugal”. Isto aconteceu depois de ter sido anunciada a reversão dos princípios da neutralidade da rede no mercado norte-americano, sob a batuta do Presidente Donald Trump. A notícia foi dada pelo ECO na sua versão em inglês.

Oferta “Moche Legend” da Meo

Outro tarifário da Meo na mira da Anacom é o “Moche Legend”. A Moche é uma marca da operadora detida pela Altice que é voltada para os jovens, o que comprova uma das ideias do regulador, que indicou que as práticas ilegais são mais prevalecentes “nos tarifários designados ‘tribais’, especificamente desenhados para jovens com menos de 25 anos”.

O “Moche Legend” é uma oferta que se desdobra em três tarifários, que variam no preço e na quantidade de minutos e de dados disponíveis (500 MB, 1 GB e 5 GB por mês). Para cada um destes tarifários, são disponibilizadas “apps sem gastar net”, aponta a Anacom — que, por si só, não é totalmente verdade, uma vez que estes plafonds específicos têm uma “política de utilização responsável”.

Neste caso, quando o cliente esgota o plafond geral de dados, continua a poder aceder à internet, quer ao nível geral, quer ao nível das aplicações específicas, sendo cobrado um valor adicional consoante o uso. O problema, para a Anacom, estará, uma vez mais, na alínea pela qual a Meo só considere estas ofertas caso o cliente esteja “em território nacional”.

Anúncio da oferta “Moche Legend” que promete “apps sem gastar net”.Meo

Oferta “Yorn X” da Vodafone

Este é mais um serviço destinado “a um público jovem”, desta vez por parte da Vodafone. A oferta “Yorn X”, escreve o regulador, “disponibiliza desde há algum tempo diversas aplicações específicas com plafonds distintos dos plafonds gerais”.

São três tarifários que variam também na quantidade de tráfego que o utilizador pode fazer. No caso das ofertas de 1 GB e 5 GB, a Vodafone oferece um plafond especial de 5 GB de tráfego no YouTube e no serviço de vídeos em direto Twitch, por exemplo. Segundo a Anacom, “todos os tarifários da oferta” incluem ainda “apps sem gastar dados”.

Neste caso, a Vodafone é omissa “quanto à possibilidade de utilização ou não das aplicações referidas” fora do país, mas o regulador garante que é uma oferta só para o mercado nacional.

Aqui, o problema será também o da neutralidade da internet. Caso o limite de tráfego geral seja atingido, o acesso à internet é cortado, mas o consumidor continua a ser capaz de usar aplicações específicas até chegar ao limite do plafond especial. A prática poderá violar as regras, crê a Anacom. De recordar que, este mês, a Vodafone lançou um novo tarifário, o Vodafone You, que também poderá estar nestas condições.

Anúncio da oferta “Yorn X” que promete “apps sem gastar dados”.Vodafone

Oferta “WTF” da Nos

A Nos NOS 0,33% é outra das operadoras visadas pela Anacom no “sentido provável de decisão” anunciado esta quarta-feira, mais especificamente com a marca WTF, uma vez mais destinada ao público jovem. À semelhança dos exemplos anteriores, a operadora oferece três tarifários WTF com “apps com tráfego ilimitado”, uma prática conhecida por zero rating, mas que é permitida. Contudo, no caso do YouTube e Spotify, este plafond especial é de apenas 5 GB.

Ora, “este tráfego gratuito” é para utilização apenas em território nacional, o que poderá colocar em causa as regras do Roam Like At Home. Mas também as regras da neutralidade da internet estarão em causa, na visão do regulador. E porquê? Porque, caso o limite de tráfego geral seja atingido pelo cliente, as aplicações de tráfego ilimitado poderão continuar a ser utilizadas.

Anúncio da oferta WTF que promete “5 GB de [tráfego no] YouTube e Spotify”.Nos

Oferta “Indie” da Nos

Nesta oferta da Nos, que inclui serviço fixo e móvel, dá-se a “disponibilização de um plafond de dados gerais, para além de um conjunto de aplicações/conteúdos sujeitos a um plafond de dados específico”, escreve a Anacom. Concretamente, indica a entidade liderada por João Cadete de Matos, a Nos oferece um plafond geral de 3 GB mensais e um plafond para certas aplicações de 20 GB.

É tráfego válido apenas em território nacional, o que por si só poderá constituir uma violação, na visão da Anacom. No entanto, esta oferta de telecomunicações não deverá violar as regras da neutralidade da internet, porque todo o acesso à internet é bloqueado quando o utilizador ultrapassa os 3 GB mensais — mesmo o tráfego do plafond específico de 20 GB para aplicações como o Facebook, Instagram, Messenger, WhatsApp, Skype, Snapchat, entre outras.

Anúncio da oferta “Indie” da Nos, com plafond específico para certas aplicações.Nos

Os argumentos (e os contra-argumentos)

Chegados aqui, importa perceber os argumentos de ambas as partes relativos aos tarifários em questão. Mas o dossiê ganha especial relevância na medida em que ambas as partes, Anacom e operadoras, garantem estar a defender os interesses dos consumidores. Especificamente, o regulador afirma que as leis que as ofertas estarão a violar levantam “riscos para a inovação no ecossistema da internet”. O argumento da entidade é que, ao privilegiarem certas aplicações, as operadoras estarão a desnivelar o jogo para outros serviços digitais menos conhecidos, uma vez que os consumidores irão preferir, face aos demais, os serviços em que existem estas vantagens.

Assim, a Anacom indica que “o objetivo desta medida é evitar a descriminação entre conteúdos e/ou aplicações que integram plafonds de dados gerais, e que estão sujeitos a bloqueios ou atrasos quando esses plafonds se esgotam, e os conteúdos e/ou aplicações que integram plafonds de dados específicos ou sem limites de tráfego, e que não estão sujeitos a qualquer bloqueio ou atraso quando se esgota o plafond geral de dados”. Por isso, o que a Anacom sugere às operadoras é que permitam que os plafonds específicos de dados possam ser usados num âmbito geral caso o limite de dados geral seja atingido. Ou seja, se o cliente esgotar os dados, pode continuar a ter acesso à rede através do plafond específico, independentemente dos serviços online que queria usar.

Mas, da mesma forma, as operadoras indicam que apenas têm estas ofertas porque há procura no mercado. Num comunicado conjunto, Meo, Nos e Vodafone apontam que as operadoras “entendem que esta decisão da Anacom prejudica gravemente os interesses dos consumidores, na medida em que vem banir um conjunto de ofertas que os clientes querem e procuram”. Além disso, as empresas garantem que estas ofertas de telecomunicações “foram, e são, decisivas para a massificação da Sociedade da Informação e para o desenvolvimento da economia digital em Portugal”. É por isso que sublinham: “Estas ofertas correspondem a uma resposta dos operadores às necessidades que os consumidores lhes têm apresentado.”

O projeto da Anacom vai agora ser submetido a consulta pública e as operadoras vão ser ouvidas pelo regulador. A avançar, as empresas terão 40 dias úteis para ajustar as ofertas e pô-las em compliance com as regras europeias. Como indicou o ECO esta quarta-feira, o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, acredita que, “se tudo correr como planeado”, o dossiê dos tarifários ilegais possa estar fechado “em quatro ou cinco meses”, sem necessidade de aplicação de multas às operadoras.

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