Dia da Mulher. Fique com o testemunho de seis advogadas

Neste dia Internacional da Mulher, em pleno 2018, desafiámos advogadas de várias sociedades a contar-nos o que este dia significa para elas e como está a advocacia em termos de igualdade de género.

Para o dia Internacional da Mulher, a Advocatus propôs a um grupo de advogadas de algumas das sociedades relevantes do mercado que fizessem uma reflexão sobre esta data, o que celebra e qual o estado da profissão em matéria de igualdade de género.

Desafiámos as seis advogadas a responder a três questões:

  1. Acha que ainda faz sentido, em 2018, existir o Dia da Mulher?
  2. Qual a sua perspetiva de ser advogada mulher? Vantagens, desvantagens? O que mudou?
  3. Diga três coisas que mudaria no que toca ao estatuto da mulher num escritório de advogados.

Fique aqui com as respostas:

Rita Trabulo, associada coordenadora de Corporate/M&A da CCA Ontier

1 – “Discutindo-se cada vez mais as questões de género é de facto uma pergunta que nos deixa a pensar. Se todas as pessoas, principalmente as que formam as gerações mais novas, soubessem o que está na origem deste dia talvez não precisássemos de ter um Dia Internacional da Mulher. Como se ouve frequentemente (e com uma certa razão) o “dia” da Mulher deve ser todo o santo dia do ano. Não deve ser um dia datado em que se distribuem flores no metro e são enaltecidas as mulheres que se vão destacando nas várias áreas e nos vários setores da nossa sociedade. Isto deveria ser feito naturalmente (desnecessariamente quanto à parte das flores), independentemente de se ser homem ou mulher. Ainda assim, talvez seja importante mantê-lo como um marco histórico para servir de reflexão, de conhecimento das lutas passadas e de projeções para o futuro.

2 -Confesso que se a primeira pergunta é difícil esta também não é nada fácil. Cada pessoa tem a sua personalidade e as suas características, certo? A diversidade é boa. As várias experiências e o crescimento pessoal de cada um, trazidos para o contexto profissional, permitem diversas perspetivas e abordagens, que beneficiam um trabalho final. As mulheres e os homens têm diferentes abordagens, como o têm as pessoas que vêm de países estrangeiros, do interior, de formações distintas, de vários contextos sociais e por aí fora.

Ainda assim, sente-se, por vezes, nos interlocutores, sejam eles homens ou mulheres, a preferência por um advogado homem a tratar determinados assuntos, exigindo da advogada-mulher um esforço maior para provar e dar a conhecer que dá plenamente conta do assunto. Felizmente, no mundo que me rodeia, isto tem vindo a mudar.

Ao falar-se em advogada mulher pensa-se, quase automaticamente, nas questões familiares, a advogada mulher e mãe que tenta coordenar a vida familiar e a vida profissional como se isso não acontecesse com os homens ou com outras profissões. Olhando à minha volta vejo de facto o malabarismo que as mulheres fazem entre o ser parte de uma família e o ser parte de um escritório, de uma empresa, do trabalho.

3 – O que tem vindo a mudar? A consciencialização de que não existem super-homens nem super-mulheres. Felizmente, no escritório onde estou mudaria pouca coisa e, por isso, para mim, mais do que mudar algo num escritório de advogados, é mais importante mudar duas coisas no mundo da advocacia atual:

  • Internamente: oportunidades iguais de progressão de carreira com remuneração correspondente;
  • Políticas de maternidade mais adaptadas à realidade socioeconómica em que vivemos (que, em bom rigor deveriam ser políticas de paternidade para ser mais “justa”);
  • A terceira coisa que mudaria… não a encontro… considerem-me como se vivesse num mundo (semi) ideal, mas, sob pressão, não consigo identificar nada mais que fosse só aplicável ao estatuto das mulheres.”

Susana Afonso, sócia do Direito do Trabalho da CMS Rui Pena & Arnaut

1 – “Sim, [ainda faz sentido existir o dia da Mulher], a mulher, independentemente da evolução social e do seu estatuto na sociedade, terá sempre um padrão de identidade que a tornará única e será sempre digno celebrar essa singularidade.

2 – As mulheres, por regra, têm maiores competências emocionais o que lhes pode trazer vantagens na profissão, sobretudo ao nível de negociações. Mas ser Advogada, ainda exige uma grande resiliência e capacidade de assertividade, sobretudo ao nível de progressão de carreira.

3 – Independentemente do género, há três coisas que determinam o estatuto de um advogado num escritório de advogados: competência técnica, competência relacional externa e interna: quem vence? Quem conseguir fazer magia com esta triangulação! As mulheres? Vencem, com mais determinação!”

Sofia Vaz Sampaio, advogada da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados

1 – “Faz e fará sentido [existir o dia da Mulher] enquanto forem cometidas atrocidades contra mulheres pelo mundo fora (e os exemplos são tantos), enquanto homens e mulheres não tiverem os mesmos direitos em todos os países, ou simplesmente enquanto na prática houver desigualdade salarial e uma desigualdade relevante nos conselhos de administração, nos parlamentos e, genericamente, em todos os lugares de chefia.

2 e 3 – Não tenho nenhuma perspetiva particular enquanto advogada mulher, não vejo que haja vantagens ou desvantagens a apontar, nem mudaria o que quer que seja no que respeita ao estatuto da mulher no escritório em que trabalho, pela simples razão de que não há propriamente um estatuto da mulher nem um estatuto do homem, mas apenas um “estatuto” do advogado. A questão não deve, por isso, centrar-se na perspetiva enquanto advogada (não é um problema específico duma determinada profissão ou dum determinado escritório ou empresa), mas na perspetiva enquanto mulher numa sociedade que, na base, se crê igualitária (porque apesar de tudo já não estamos a falar de direitos e deveres distintos), mas que ainda tem muito trabalho por fazer. Talvez seja, aliás, essa a razão pela qual é hoje difícil a discussão… tendo a sociedade dado tantos passos em tão “pouco” tempo (há umas décadas lutava-se pelo direito de voto e pela possibilidade de viajar sem autorização do pai ou do marido), subitamente é mais difícil explicar em que se traduz afinal esta desigualdade, sobretudo aquela que se manifesta em “pormenores” no dia-a-dia. Quanto ao resto, os números ajudam, porque para perceber a desigualdade basta olhar para o número de mulheres nas faculdades e para o número de mulheres em posições de chefia e de decisão.”

Mafalda Ferreira, advogada da Uría Menéndez – Proença de Carvalho

1 – “Na perspetiva de que os dias comemorativos pretendem trazer à memória eventos ou circunstâncias especiais, entendo que faz sentido manter a celebração do Dia da Mulher. Apesar das grandes conquistas alcançadas em termos de tratamento igualitário e acesso a carreiras antes limitadas a homens, estamos muito longe de ter uma sociedade que (cultural e socialmente) encare as diferenças naturais e necessárias entre homens e mulheres com a disposição de fazer compromissos sérios que permitam às mulheres ter oportunidades reais (e não meramente formais) semelhantes à dos homens.

2 – Sendo o género uma condição, não coloco o impacto dessa circunstância no plano profissional como um tema de vantagem ou desvantagem. A questão central é a de saber se existem no mercado as mesmas condições de acesso e progressão no exercício da advocacia entre homens e mulheres. Penso que no acesso à profissão as condições não divergem substancialmente em função do género. Neste campo, houve um claro avanço face ao passado. Quanto à progressão na carreira, o mercado evidencia que ainda temos muito caminho para percorrer. O facto de a proporção entre homens e mulheres que alcançam as posições de topo na carreira da advocacia ser muito mais favorável aos homens do que às mulheres não é um mero acaso e não se tem nivelado com regras formais. Esta “barreira invisível” exige reflexão profunda, pois não acompanha a visibilidade e o destaque crescente que as mulheres têm tido no mercado da advocacia dos dias de hoje. Entendo que as fases mais maduras da carreira de uma mulher tendem a coincidir com períodos críticos em termos pessoais e familiares e a nossa sociedade ainda não está totalmente preparada para os ajustes que a confluência destes dois fatores exige. Esses ajustes implicariam importar para os modelos de progressão na carreira fatores de ponderação positiva para as mulheres, que não as degradassem competitivamente, para acomodar a sua função biológica e social.

Também é verdade que as mulheres estão mais dispostas a fazer compromissos entre as suas necessidades profissionais e pessoas, porque culturalmente é mais aceitável e visto como natural que assim seja. Por isso, mesmo com todos os movimento a favor das condições iguais na profissão, verifica-se que o verdadeiro salto para a igualdade nas carreiras em toda a sua dimensão não tem sido impulsionado por uma resistência feminina que se nega a aceitar caminhos alternativos para poder viver plenamente a sua condição de mulher. Pelo contrário, tem-se feito este percurso por via de imposições legislativas, que pretendem forcar a uma mudança no que toca a quadros diretivos e de gestão. Em suma, na minha opinião muito mudou para melhor, mas a sociedade e as próprias mulheres têm que ganhar mais consciência do que pode ser melhorado e lutar resistentemente por uma mudança que é não só justa, mas essencial para o avanço cultural do país.

3 – Como referi, as mudanças têm que ser ao nível da consciência e cultura. Não acredito num modelo de sociedade de advogados que assente num estatuto para o advogado homem e num estatuto diferente para a advogada mulher. A ideia é aportar uma cultura de sociedade onde todos se sentem plenamente realizados, sem sentir que o género é um caminho limpo para o progresso ou um obstáculo inultrapassável e desmotivador. Para homens e mulheres, a flexibilidade é uma melhora de condições de licenças de paternidade e maternidade seria importante. A par da mudança cultural, os planos de carreira seriam naturalmente ajustados para incorporar a verdadeira máxima do princípio da igualdade: tratar igual o que é igual e tratar diferente o que é diferente.”

Joana Baeta Vieira, associada da PLMJ

1 – “Acho que faz todo o sentido [existir o dia da Mulher]. A história e, infelizmente, a realidade atual, demonstram que as mulheres ainda estão sujeitas a atos discriminatórios que ferem os seus direitos mais básicos. Refiro-me não só a discriminação em termos políticos ou corporativos, mas sobretudo à realidade que muitas mulheres hoje em dia enfrentam, e à violência física e psicológica a que estão expostas.

2 – Temos sem dúvida evoluído num sentido de garantir cada vez mais igualdade entre géneros no mundo da advocacia. Aliás, a PLMJ, sendo um dos maiores escritórios de advogados em Portugal, tem vindo a afirmar-se como uma referência neste domínio, sendo demonstrativo disso o número de mulheres que promoveu, e continua a promover, a sócias. De resto, não considero que o facto de ser mulher constitua um elemento distintivo, positivo ou negativo, no desempenho da advocacia. Considero que tanto os homens como mulheres têm a mesma capacidade e potencial intelectual, não sendo o género que define, objetivamente, uma vantagem ou desvantagem no exercício da advocacia.

3 – Apesar de trabalhar num escritório que concede garantias às mulheres advogadas na parentalidade este é, sem sombra de dúvida, o tema que, a meu entender, carece de maiores mudanças no mundo da advocacia e onde as mulheres estão mais desprotegidas.”

 

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