EDP: Um presidente, duas fações, uma OPA
António Mexia é hoje reconduzido para um quinto mandato após sobreviver a uma guerra de bastidores que meteu o governo. A contagem de espingardas foi adiada por agora, à espera da China Three Gorges.
- Quais são os factos que jogam a favor de Mexia?
- O que diz “o melhor amigo de Costa”?
- Uma OPA chinesa a caminho?
- Fusões na Europa tornam a EDP atrativa
António Mexia é reconduzido esta quinta-feira em assembleia-geral para mais um mandato à frente da EDP, o quinto, depois de meses de negociações de bastidores entre os principais acionistas e que envolveu, indiretamente, o próprio primeiro-ministro, adversário público e notório do gestor. E deverá obter uma votação ‘à chinesa’, mas a estabilidade acionista e de gestão, essa, é mais formal do que substantiva. Há uma espécie de “calma de morte” na elétrica, afirma ao ECO um membro do Conselho Geral e de Supervisão da elétrica. Há um acordo de conveniência, sim, mas uma divisão entre a China Three Gorges (CTG), de um lado, e um grupo de outros acionistas, no qual se incluem o Capital Group, os espanhóis da Oppiddum Capital e a Mubadala Investiments (de Abu Dabhi). Dois grupos unidos — ainda — em torno dos lucros e dividendos que Mexia lhes ‘dá’. Uma saída? Pode ser uma OPA chinesa a caminho, cenário discutido nos corredores e que ninguém afasta.
Há meses, poucos acreditavam na recondução de António Mexia, desde logo por decisão da própria CTG, o maior acionista com uma posição direta e indireta (via Estado chinês) de 30% do capital. A convivência entre o acionista chinês e o gestor tem sido tudo menos fácil, e atingiu um ponto de quase rutura quando a Gas Natural ensaiou uma operação de ‘take over’ hostil, contra a vontade dos chineses, mas com o apoio de Mexia. António Costa vetou a operação, e o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apoiou o governo e os chineses contra esta operação espanhola. Isidro Fainé, presidente da empresa espanhola, contactou o maior acionista da EDP, a CTG, numa viagem à China, numa tentativa de perceber que opções tem em cima da mesa, e encontrou-se em Lisboa com Costa e Marcelo, como o ECO revelou em primeira mão. Mas para acabar com os rumores, e ainda antes do anúncio das listas para o próximo triénio, a CTG emitiu um comunicado, em Macau, no qual garantia estar “satisfeita” com a gestão. E mais: “A CTG não está envolvida em qualquer tipo de discussão, com nenhuma parte, sobre potenciais alterações nos órgãos sociais relevantes da EDP para o próximo mandato”, escreveu, então, a companhia estatal chinesa que ‘nasceu’ para construir uma grande barragem e que hoje tem meia dúzia de grandes operações no país.
1. Quais são os factos que jogam a favor de Mexia?
A favor de António Mexia, um gestor de amores e ódios, jogaram dois fatores: Em primeiro lugar, os lucros sucessivos da EDP, na linha dos mil milhões de euros por ano, e os dividendos distribuídos aos acionistas são a melhor defesa das competências do gestor, que ‘entregou’ o que prometeu. Só a CTG, que entrou na elétrica portuguesa em 2012, já recebeu mais de 810 milhões de euros de dividendos. Depois, os chineses não são, por natureza, um acionista de confronto, preferem os compromissos de curto prazo, mesmo que não sejam totalmente alinhados com o que defendem, para garantir a estabilidade e os objetivos no longo prazo.
Aliás, uma fonte que acompanhou as negociações para a formação da lista para os órgãos sociais da EDP — que tem Luís Amado como presidente do Conselho Geral e de Supervisão, sucedendo a Eduardo Catroga, e António Mexia como presidente executivo, sucedendo… a si próprio — garantiu ao ECO que os chineses foram confrontados com uma lista única que já tinha o apoio dos outros principais acionistas. E perante um facto consumado, tinham duas soluções: apoiarem a lista ou apresentarem uma lista alternativa, com outros nomes, o que abriria um confronto e uma ‘contagem de votos’ entre acionistas de consequências imprevisíveis. Seguiram o primeiro caminho, mas as brechas ficaram.
Na verdade, a lista para os órgãos sociais surgiu muito mais cedo do que é regra, logo em janeiro, também para pôr fim à pressão que já se verificava a partir do segundo semestre, também alimentada pelo processo judicial dos CMEC e das chamadas ‘rendas excessivas”, no qual Mexia é arguido. As críticas públicas do próprio primeiro-ministro à EDP, no Parlamento, contribuíram também para essa pressão. “Só lamento a atitude hostil que a EDP tem mantido e que representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o anterior Governo”, afirmou António Costa, 6 de janeiro de 2018.
Uma fonte que acompanhou este processo das listas revelou ao ECO que chegou a ser discutida, entre os principais acionistas, a marcação de uma assembleia geral extraordinária para dezembro ou janeiro, precisamente para clarificar o futuro da liderança da empresa e para acabar com uma instabilidade e incerteza na maior empresa portuguesa. Não chegou a haver essa contagem de espingardas e, depois, apareceu a dita “lista de consenso”.
2. O que diz “o melhor amigo de Costa”?
Não por acaso, “o melhor amigo do primeiro-ministro” e antigo membro do Conselho Geral e Supervisão da EDP, Diogo Lacerda Machado, afirmou em entrevista ao ECO24 no dia 18 de janeiro, já depois de conhecida a proposta de renovação de mandato de Mexia, que os chineses não mandavam na EDP. “A China Three Gorges é um acionista, é o maior de todos, mas não manda na EDP (…) Se reparar, a gestão da EDP é basicamente a mesma que lá estava em 2006, quando eu entrei no conselho geral e de supervisão da companhia. Não foi mudada sequer… (…) Não há uma hegemonia. Não manda, não controla e, desse ponto de vista, dir-se-ia justamente que tem um comportamento apropriado para quem tem uma participação muito relevante, mas não manda na gestão, não dá ordens, tanto quanto sei, à gestão”. Direta e indiretamente, estava tudo dito. Aliás, Lacerda Machado era um dos nomes possíveis, e discutidos, para chairman da empresa, mas só no caso de substituição de Mexia. Uma opção que ficou pelo caminho.
A China Three Gorges é um acionista, é o maior de todos, mas não manda na EDP.
Oficialmente, nenhum acionista faz comentários. “Este é um momento dos acionistas na Assembleia Geral, de aprovação de contas e de eleição da nova equipa de gestão”, diz uma fonte ao ECO. E acrescenta: “O último ano foi de grande tensão entre o governo e a EDP, houve uma pressão e um conjunto de medidas que tornam mais difícil os objetivos de rentabilidade da empresa”.
3. Uma OPA chinesa a caminho?
Dito de outra forma, ainda não chegou o momento de pôr as cartas em cima da mesa, mas outras fontes de mercado garantem que a possibilidade de os chineses da CTG lançarem uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) é real e efetiva. “Os chineses não gostam de iniciativas que podem ser consideradas hostis, mas percebem que as sucessivas afrontas que sofreram nos últimos meses, e que os levou a São Bento para recordar ao Governo o acordo que assinaram com o Estado português, ainda com Passos Coelho, têm de ter uma solução”, refere uma fonte que conhece a posição da China Three Gorges. Já agora, tome nota: a EDP está cotada a 3,1 euros por ação e vale mais de 11,3 mil milhões de euros (fecho do mercado nesta quarta-feira).
A CTG, ainda assim, preferirá outro caminho: “É preciso explicar a alguns dos acionistas que estão no bloco que apoia António Mexia de forma explícita o que está em causa”, adianta a mesma fonte. No curto prazo, assim, os chineses parecem apostados em conquistar novos aliados neste conflito latente, que, admite, poderá mesmo levar à saída do gestor nos próximos meses. Há, mesmo, quem garanta que haverá um acordo para uma saída de Mexia a meio do mandato, mas também aqui o silêncio é regra. E entre os acionistas mais disponíveis para mudar de posição poderão estar os espanhóis, da Família Masaveu Herrero, e o fundo de Abu Dhabi, que tem também interesses cruzados com a China noutros negócios. Neste caso, estão em causa mais de 11% do capital. Mais difícil será convencer os americanos do Capital Group, que tem 12% da empresa. A Sonatrach, com problemas próprios na Argélia, estará em stand by.
Há um acionista particularmente relevante neste puzzle: o Millennium BCP, que tem ‘apenas’ 2,5% do capital da EDP, através do seu fundo de pensões. Porquê que é importante? É o único acionista ‘português’, leia-se, com gestão portuguesa, agora com Nuno Amado e a partir do próximo mês com Miguel Maya, mas controlado também por um acionista chinês, a Fosun. Para a China Three Gorges, os contactos com o BCP permitem perceber a sensibilidade dos portugueses a qualquer tipo de iniciativa.
Outro momento de tensão em 2017 entre a China Three Gorges e António Mexia foi a venda da Naturgas. A EDP anunciou a venda da Naturgas, a rede de gás natural que operava em Espanha, a 27 de março do ano passado, por 2,591 mil milhões de euros, valor que representou uma mais-valia líquida de cerca de 700 milhões de euros. “Por princípio, os chineses não querem vender ativos”, afirmou uma fonte do conselho geral e de supervisão ao ECO. “Insistem que, se o objetivo é crescer, estão disponíveis para aumentar o capital, e por isso essa operação não lhes agradou”, reconhece a mesma fonte. À data, António Mexia afirmou em entrevista à TSF e Dinheiro Vivo: “Soubemos fazer aquilo que era necessário no momento certo (…) Foi o que fizemos agora com a Naturgas, numa operação que é considerada talvez a mais interessante de toda a Europa neste momento, ou seja, em termos de múltiplos — de quantas vezes conseguimos vender os resultados anuais –, e vamos dedicar 800 milhões à redução da dívida”, acrescentou. A dívida, por sinal, é uma das críticas apontadas à gestão de Mexia por parte dos analistas.
4. Fusões na Europa tornam a EDP atrativa
A EDP continuará a ser um dos ativos mais procurados na Europa, particularmente com uma posição relevante na área das energias renováveis, num momento em que a consolidação no setor de energia está a andar. Começou na Alemanha com a anunciada fusão entre a E.On e a RWE. Outra fonte de mercado avançou ao ECO que, já depois das investidas da Gas Natural, também a Enel/Endesa sinalizou o interesse em comprar a operação da EDP em Portugal, para uma fusão ibérica. A operação internacional, essa, ficaria nas mãos dos chineses. “Seria uma solução pior do que a que sucedeu com a Cimpor, a EDP seria destruída”, atirou outra fonte, sem desmentir, ainda assim, estas discussões. Mas também a francesa Engie andou a perceber se a EDP poderia ser um alvo a comprar.
O que vai acontecer, então? Hoje é aprovada a nova equipa de gestão, Luís Amado como chairman e António Mexia como presidente executivo, e as contas de 2017. A contagem de espingardas entre os acionistas, essa, vai continuar, e pode demorar meses tendo em conta a “paciência de chinês” da China Three Gorges. “Já ‘enterraram’ António Mexia várias vezes nos últimos meses, mas ele continuará a ser o líder da empresa”, sintetiza, em declarações ao ECO, um dos seus apoiantes. Um gestor a entrar no quinto mandato, e com sete vidas.
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