De PIN a PER. A Artlant agora fala tailandês

  • Rita Atalaia
  • 16 Abril 2018

A primeira pedra da Artlant foi lançada em 2008. Quase uma década depois entrou em insolvência. Renasce agora das cinzas pelas mãos dos tailandeses da Indorama, com ajuda da MLGTS e da Linklaters.

De PIN a PER, até à insolvência. A Artlant, criada pelos espanhóis da La Seda para o projeto petroquímico em Sines, passou de ser um Projeto de Interesse Nacional para um Processo Especial de Revitalização que desabou em falência, deixando muitos milhões de euros por cobrar. Entre os credores, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi, de longe, o mais penalizado. Um fardo pesado que se arrastou nas contas até há bem pouco tempo, mas do qual o banco público acabou por se conseguir livrar, abrindo caminho à venda. Esta foi uma operação complexa para os advogados que conseguiram conduzir o que restava da empresa a bom porto. Vai renascer das cinzas nas mãos dos tailandeses da Indorama Ventures.

“Foi, sem dúvida, uma transação muito desafiante”, afirma Ricardo Andrade Amaro à Advocatus. “Os passos foram muitos e complexos e a transação demorou vários meses a ser pensada e estruturada”, explica o sócio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, que assessorou os tailandeses da Indorama Ventures. Do lado da CGD, o banco contou com o apoio jurídico do sócio Nuno Ferreira Lousa da Linklaters, que não se mostrou disponível para responder às questões da Advocatus.

Para o advogado da MLGTS, o principal desafio, que “foi simultaneamente uma peça fundamental de todo o puzzle da aquisição: a coordenação entre a aquisição dos ativos da Artlant no processo de insolvência e a negociação privada com o grupo Veolia”, uma vez que ativos da petroquímica, compostos por uma fábrica de ácido tereftálico e outras instalações, dependiam para operar de uma central de cogeração e de tratamento de águas construída e detida pela empresa francesa. Dois ativos importantes que foram vendidos à Indorama com o apoio jurídico de Francisco Santos Costa, sócio da Cuatrecasas.

Mas o mais complexo foi mesmo conseguir encontrar uma solução que desse resposta aos anseios dos credores de uma empresa falida. A Artlant PTA encontrava-se em processo de insolvência desde o verão de 2017, depois de uma tentativa falhada de revitalização, naquele que era o maior processo instaurado nos tribunais portugueses, com créditos reclamados em valor superior a 600 milhões de euros. “O processo de recuperação/insolvência da Artlant já tramitava nos tribunais há algum tempo, sem que se conseguisse encontrar uma solução para a Artlant que acautelasse os interesses dos seus principais acionistas, incluindo os seus principais fornecedores, credores e, mais importante, os seus trabalhadores”, refere o advogado da MLGTS.

Foi, por isso, preciso que os credores negociassem para levarem este negócio de 28 milhões de euros a bom porto, nomeadamente a CGD enquanto maior credor. “Não obstante, e novamente em processos desta magnitude, a negociação não pode deixar de passar e, em muitos casos, ser conduzida pelos principais credores. Neste caso, o empenho dos principais credores da Artlant foi determinante para o sucesso da operação”, salienta Ricardo Andrade Amaro.

CGD, de investidor a credor

O banco estatal integrou este projeto através da La Seda de Barcelona. Entrou no capital da petroquímica catalã e, com presença na administração, trouxe o projeto da fábrica, que iria fornecer matéria-prima para as indústrias das fibras e embalagens e que teria a La Seda como sua principal cliente. Mas a CGD acabou por ficar sozinha a financiar a Artlant.

“As consequências [do investimento] foram graves”, admitiu Fernando Faria de Oliveira, presidente da CGD entre 2008 e 2011, na comissão parlamentar de inquérito ao banco público. O investimento da instituição financeira no grupo foi “muito ditado pela expectativa de ter um projeto estruturante em Portugal, a Artenius”, hoje designada de Artlant, justificou Faria de Oliveira.

O gestor, que assumiu a liderança da Caixa mais de um ano depois de decidida a parceria com a La Seda em 2006, defendeu que “a empresa era, na altura, uma boa empresa. Com um projeto de expansão talvez demasiado ambicioso”, admitiu.

A instituição financeira acabou por se tornar na maior credora quando a petroquímica foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no verão de 2017, dois anos depois de ter entrado em PER. De acordo com uma lista provisória de credores da Artlant, publicada no Citius, a CGD tinha o maior valor de créditos reclamados: somavam 520.660.890,77 euros.

A petroquímica acabou vendida por 28 milhões de euros, um valor bastante inferior aos créditos que ficaram por pagar. No entanto, quando foi declarada a insolvência da Artlant, o presidente da CGD garantiu que o banco tinha tudo provisionado. “A exposição à Artlant é zero”, referiu na altura Paulo Macedo. A instituição financeira limpou cerca de três mil milhões em imparidades, um montante que explica os prejuízos recorde da CGD em 2016.

“A Caixa congratula-se com o anúncio da aquisição dos ativos da Artlant, empresa química relevante na zona de Sines, por um líder mundial da indústria petroquímica”, afirmou a CGD quando anunciou a venda da Artlant à petroquímica tailandesa Indorama Ventures. “A Caixa nunca deixou de apoiar, durante os últimos anos em que a empresa passou por graves dificuldades, a continuação desta fábrica, bem como a manutenção de mais de uma centena de postos de trabalho diretos”, acrescentou o banco estatal.

Renascer das cinzas a falar tailandês

Para a equipa jurídica que acompanhou este processo, a Artlant tem tudo para voltar a ser um negócio de sucesso. “Não tenho dúvidas do empenho e da vontade que todos os envolvidos têm em transformar a Artlant numa referência da indústria petroquímica em Portugal. Penso que estão reunidas todas as condições para que tal aconteça”, refere Ricardo Andrade Amaro, sócio da MLGTS que assessorou a Indorama.

Esta era já a expectativa quando este projeto foi trazido para Portugal. Foi por isso que o Governo de José Sócrates atribuiu, em 2007, o estatuto de PIN, à fábrica de Sines. A construção arrancou um ano depois, com a primeira pedra a ser lançada numa cerimónia apadrinhada pelo então primeiro-ministro.

A construção contou com mais de mil trabalhadores no terreno para fazerem nascer a Zona Industrial e Logística de Sines – a Artlant PTA. Na altura, o diretor-geral da petroquímica, Rui Toscano, disse prever uma produção anual de 700 mil toneladas de PTA – matéria primeira destinada ao fabrico de PET, o plástico vulgarmente usado nas garrafas de água, refrigerantes e nos alimentos pré-cozinhados. Esta seria, disse Rui Toscano, uma operação que contribuiria “para o equilíbrio da balança comercial portuguesa, com uma estimativa de faturação na ordem dos 500 milhões de euros”.

Agora, nas mãos dos tailandeses da Indorama Ventures, a Artlant vai renascer das cinzas. O grupo vai investir 150 milhões de euros para que a produção seja retomada no segundo semestre deste ano. E, segundo a AICEP, gestora do parque industrial e logístico onde estão instaladas várias unidades da indústria petroquímica, a empresa, que emprega atualmente mais de 100 trabalhadores, prevê aumentar “em 10% a força de trabalho”. A petroquímica poderá, assim, regressar ao caminho traçado: tornar-se numa referência na indústria petroquímica, ao mesmo tempo que contribuiu para a economia nacional e abre as “portas da Europa” ao porto de Sines.

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