Novo líder dos juízes pede magistrados mais próximos do século XXI
Joaquim Piçarra foi presidente do Tribunal da Relação de Coimbra e exerceu funções de vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Aos 67 anos, toma posse como líder dos juízes.
“Sei que terei dificuldades. Mas dificuldades que tentarei ultrapassar com os vosso contributos em ordem a manter o elevado nível que é reconhecido à jurisprudência deste Supremo Tribunal. Sei que posso contar com o vosso apoio. Não obstante o desconforto das instalações provisórias, continuaremos a dar o melhor de nós”. As palavras são de António Joaquim Piçarra, o novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no seu discurso de tomada de posse que decorre esta quinta-feira, no salão nobre do STJ, em Lisboa. Uma cerimónia que contou, pela primeira vez, com a presença de um Chefe de Estado, neste caso Marcelo Rebelo de Sousa.
“Permitam-me uma saudação aos juízes portugueses que, bem longe dos holofotes mediáticos, vão procurando fazer a melhor Justiça, servindo os seus concidadãos. Integram uma componente fundamental do judiciário, mas invisível para a maioria dos cidadãos”. Cidadãos que avaliam de uma forma “redutora” o judiciário que lhes é transmitido pela comunicação social, defende o juiz Conselheiro.
“Urge melhorar o equipamento informático nos tribunais, melhoria das instalações provisórias precárias e é urgente um reforço significativo na assessoria técnica desta instância, nas áreas de bancário, propriedade intelectual e concorrência, são necessidades urgentes”.
O novo presidente do STJ, perante a presença de Francisca Van Dunem, fez um pedido direta à ministra da Justiça: “Falta que é mais urgente suprir no que diz respeito à decisão de recursos e relativas a áreas muito especializadas como as que acabei de referir”. Criticando o facto dessa mesma assessoria ser dada na fase de inquérito e instrução e faltar nesta última instância.
Apelando à magistratura, assume ser necessário que as sentenças e acórdãos passem a ser “compreensíveis aos cidadãos”. Num contexto em que se critica algumas decisões judiciais relativas a casos como o de violação. “Num cenário atual, uma das maiores críticas que nos é feita, prende-se com a falta de sensibilidade de lidar com temas como a violência de género e tratamento de minorias. A Justiça portuguesa a todos trata por igual. Sendo o seu desiderato não descriminar qualquer indivíduo”, justifica o líder dos magistrados judiciais. Mas apela aos juízes para largar alguns “pensamentos retrógrados”.
Para a magistratura, deixou o recado: tem de haver uma “maior proximidade ao século XXI , explicar a sua realidade em moldes mais realistas, de forma a consolidar a confiança e a sua própria legitimidade. Não esquecendo o sentido de autocrítica. Se tal não for alcançado, com a crescente mediatização da Justiça, o poder judicial será sempre responsabilizado por tudo o que correr mal na Justiça”, sublinha.
Os 62 juízes do Supremo Tribunal de Justiça elegeram, a 18 de setembro, numa votação entre pares, o novo presidente do STJ. Santos Cabral, Pinto Hespanhol e Joaquim Piçarra eram os nomes mais falados para suceder a Henriques Gaspar. Mas foi Joaquim Piçarra que acabou por ser nomeado.
Joaquim Piçarra foi presidente do Tribunal da Relação de Coimbra e exerceu funções de vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão, administração e disciplina dos juízes. Nasceu há 67 anos em Idanha-a-Nova e fez carreira na área do direito civil.
Em 2014 lançou fortes suspeitas sobre o processo de escolha dos juízes que iriam presidir às novas comarcas judiciais de todo o país, numa altura em que era vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura e o mapa judiciário de Paula Teixeira da Cruz tinha acabado de arrancar.
Piçarra acusou membros da comissão eleita (e da qual não fazia parte) de, para escolher os candidatos aos lugares, terem “contactado telefonicamente pelo menos com dois deles, propondo-lhes a aceitação de lugares para os quais nem sequer haviam concorrido”.
As nomeações mantiveram-se e o juiz assumiu que discordava frontalmente “da metodologia utilizada pela comissão, que obteve acolhimento maioritário e consequentemente não me revejo, de modo algum, na generalidade das escolhas a que a mesma conduziu, manifestamente pré-preparadas, trabalhadas e condicionadas pela dita comissão, não deixando também de revelar feição marcadamente pessoal e de resquícios de acentuada proximidade com determinado núcleo, há muito dominante na magistratura e estruturas coadjuvantes. Além disso, relativamente aos dois casos em que ocorreu convite telefónico, tenho sérias dúvidas sobre a regularidade desse procedimento, o qual considero envolver um claro tratamento preferencial, para não dizer desigual, para outros candidatos, que em nada abona este órgão e contra o qual sempre me bati”.
Ainda um juiz com pouca experiência, decidiu o caso de Osso da Baleia, o homem que em 1987 matou sete pessoas, incluindo a mulher e a filha. Acabou por condenar o arguido à pena máxima, apesar de alguns especialistas defenderem em tribunal a sua inimputabilidade.
A falta de especialização dos juízes do Supremo é uma questão que preocupa Joaquim Piçarra, para quem a solução para o problema pode passar por reforçar os assessores deste tribunal, que neste momento são 12.
Henriques Gaspar, quarta figura do Estado, deixa o cargo após um mandato de cinco anos. “Caminhei o meu caminho, combati o bom combate, guardei, íntegros, os valores da Justiça e cumpri as promessas da República”, disse Henriques Gaspar no seu discurso de despedida, no salão nobre do STJ.
“Juntamente com todos vós, penso ter caminhado este caminho sem hesitar na direção e com a sobriedade na firmeza que é o segredo da eficácia. Combati bons combates na permanente dignificação da Justiça, tendo presente, sempre, a ambição de construir a confiança. No fim, se soube guardar íntegros os valores da Justiça e cumpri as promessas da República, só pode ser dito no vosso julgamento”, concluiu.
O STJ é um tribunal superior que julga recursos em matéria de direito e aprecia pedidos de habeas corpus para libertar arguidos que consideram que a sua detenção ou prisão é ilegal.
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