Défice baixa, mas só à custa de juros e economia, diz Conselho das Finanças Públicas
Governo prevê reduzir o défice em 1.071 milhões em 2019, mas só o faz graças ao crescimento, aos dividendos do Banco de Portugal e da Caixa e à poupança com juros. Medidas do OE só agravam contas.
O Conselho das Finanças Públicas é crítico em relação ao processo de consolidação das contas públicas que só melhoram, diz Teodora Cardoso, graças à economia e à poupança com os juros. No que depende do Governo até há um agravamento do défice em 981 milhões de euros. O Conselho das Finanças Públicas faz ainda um reparo à falta de transparência do processo e à ausência de uma apresentação clara, sistematizada da informação.
A proposta de Orçamento do Estado mantém como meta um défice de 0,2% do PIB para o próximo ano, que corresponde a 385 milhões de euros e uma redução de 1.071 milhões em relação ao défice estimado pelo Governo para 2018. Uma redução que será conseguida graças a cinco fatores: “a melhoria do saldo orçamental continua a depender dos efeitos da conjuntura económica, da redução da despesa com juros, de dividendos a receber do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos e da redução de apoios ao setor financeiro”, nomeadamente o Novo Banco, escreve o CFP no seu relatório de análise à proposta de Orçamento do Estado para 2019, divulgado esta segunda-feira.
Já os “efeitos das medidas que a ação discricionária do decisor político se propõe introduzir em 2019 têm um contributo negativo (ainda que limitado) para a redução do défice orçamental”, constata o CFP. “Este contributo seria ampliado se as poupanças em juros não fossem consideradas pelo Ministério das Finanças como uma medida de política”, alerta ainda o documento.
A penalizar as contas públicas estará também o “contributo negativo” de 981 milhões de euros das medidas que foram tomadas em anos anteriores, mas cujo efeito se arrasta para os seguintes, nomeadamente 2019 (efeito carry-over). É o caso, por exemplo, do descongelamento das progressões nas carreiras da Função Pública ou a mexida nos escalões de IRS. A situação poderá ser ainda agravada se a conjuntura económica se deteriorar e se confirmar o abrandamento previsto pelas instituições internacionais, mas também pelo próprio Conselho das Finanças Públicas.
Ajustamento estrutural inferior ao exigido por Bruxelas
Na sua análise, o CFP afirma que a melhoria do saldo estrutural subjacente à proposta de Orçamento do Estado para 2019 é de 0,2 pontos percentuais do PIB, em 2019 e de 0,1 p.p., este ano, cálculos mais pessimistas do que os valores previstos pelo Executivo.
“Este progresso é, em cada um dos anos, inferior ao necessário para garantir a melhoria de 0,5 p.p. do PIB estabelecida na lei de enquadramento orçamental e a melhoria de 0,6 p.p. do PIB decorrente do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que coloca em risco o cumprimento dos requisitos da vertente preventiva deste no que diz respeito à evolução da despesa e à melhoria recomendada para o saldo estrutural”, refere o CFP.
Este progresso é, em cada um dos anos, inferior ao necessário para garantir a melhoria de 0,5 p.p. do PIB estabelecida na lei de enquadramento orçamental e a melhoria de 0,6 p.p. do PIB decorrente do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que coloca em risco o cumprimento dos requisitos [do Pacto].
Os cálculos da equipa de Teodora Cardoso, feitos com base na informação disponível e na classificação própria de medidas temporárias e não recorrentes, são idênticos aos feitos pela Comissão Europeia, na carta “clássica” que Bruxelas enviou para Portugal. O ajustamento estrutural do saldo orçamental previsto no Orçamento é de 0,3%, que, depois de recalculado de acordo com a metodologia comummente acordada, baixa para 0,2%. “Este esforço está abaixo dos 0,6% do PIB requeridos pelas recomendações do Conselho de 13 de julho de 2018″, dizia a Comissão na carta.
No entanto, Teodora Cardoso admite que a trajetória seguida em termos de saldo estrutural é “compatível com o ajustamento estrutural linear mínimo relativo ao cumprimento do critério da dívida no último ano do período transitório (2019)”.
Mas há mais. Também ao nível da despesa primária líquida (sem a fatura de juros) corrigida, “o ritmo de ajustamento previsto para 2019 não é compatível com o cumprimento” dos valores limites definidos por Bruxelas — um aumento de 0,7%. Na proposta do Orçamento do Estado está previsto um crescimento de 3,4% da despesa líquida primária “o que excede o crescimento máximo recomendado de 0,7%”, referia a carta da Comissão Europeia. “A diferença corresponde a um desvio de 0,8 p.p. do PIB, o que excede a margem de 0,5 p.p. a partir da qual há risco de desvio significativo em 2019″, sublinha o CFP. “A natureza desse desvio mantém-se, mesmo considerando a média dos anos de 2018 e 2019”, acrescenta.
O CFP ainda aponta riscos ao nível da carga fiscal já que a redução de 0,1 pontos percentuais prevista pelo Executivo — de 34,7% do PIB, em 2018, para 34,6% em 2019 — resulta apenas do facto de as taxas de crescimento dos impostos indiretos e das contribuições sociais efetivas “superarem o ritmo de crescimento da atividade económica. “Em particular, a elasticidade implícita na previsão de receita de IVA antes de medidas (4,5%) face ao consumo é superior à unidade, traduzindo a expectativa de um desempenho para a receita de IVA acima do perspetivado para o consumo privado nominal (3,3%), o que pode constituir um risco de cumprimento das metas”, escreve o CFP. E acrescenta: “as contribuições sociais efetivas deverão continuar a crescer 2 p.p. acima da variação esperada para as remunerações, o que igualmente constitui um risco”.
Falta transparência e clareza nos documentos
Teodora Cardoso deixa ainda uma nota negativa à falta de transparência nos documentos que acompanham a proposta de Orçamento e às “dificuldades na obtenção de informação relevante adicional junto do Ministério das Finanças de uma forma completa e tempestiva”.
“A formulação e quantificação das medidas de política” na proposta de Orçamento “constitui um problema que o CFP tem recorrentemente identificado e que persiste, reduzindo a transparência do processo orçamental”. “A ausência de uma apresentação clara, sistematizada e suficientemente especificada é particularmente significativa nos casos das receitas e despesas associadas à aplicação de fundos estruturais, na quantificação das poupanças associadas à medida de revisão da despesa”, “bem como na identificação das poupanças com juros que dependem de novas medidas de política, excluindo destas a parte que decorre de medidas adotadas em anos anteriores ou da melhoria das condições de mercado”, critica o CFP.
Teodora Cardoso lamenta ainda o “aparente desinteresse” que suscita o facto de este Orçamento de Estado ainda não cumprir as regras da Lei de Enquadramento Orçamental — algo legalmente possível porque houve um adiamento — mas que ajudaria a evitar “a formação de expectativas irrealistas quanto à capacidade financeira do Estado, se não for acompanhada pelo crescimento sustentado da economia”. A Lei exige “alterações profundas no funcionamento das instituições e nos processos de tomada de decisão. (…) É, por isso, especialmente preocupante o reduzido interesse que a matéria parece despertar”, diz o CFP apontando como exceção os debates em torno da suborçamentação ou das cativações.
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