Porque é que os cabos não foram enterrados? Os argumentos da Altice e do Governo

A Altice rompeu um protocolo com a IP Telecom que previa que 1.000 quilómetros de cabos fossem enterrados em zonas de incêndios e garante que o Governo já sabia.

O primeiro-ministro, António Costa (à esquerda) e o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca (à direita).Montagem ECO

A 21 de outubro de 2017, no rescaldo dos graves incêndios que naquele ano vitimaram mais de uma centena de pessoas, a Altice e a Infraestruturas de Portugal (IP) anunciaram um protocolo para enterrar 1.000 quilómetros de cabos em zonas de elevado risco até 2019. Ano e meio depois, não só apenas foram enterrados 100 quilómetros como o acordo tem a morte anunciada.

Esta terça-feira, ao início da manhã, a dona da Meo comunicou aos jornais que o verniz estalou entre a empresa e a IP Telecom (IPT), a empresa pública do grupo IP dedicada às telecomunicações. Num comunicado, a empresa liderada por Alexandre Fonseca falou em “inação” e nos obstáculos levantados pela IPT e, rasgando o contrato em vigor, anunciou que não quer mais voltar a ter negócios com aquela empresa.

Pouco depois, surgiram as reações do Governo e da própria IP. Fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e Habitação disse que “foi com enorme surpresa” que o Governo tomou conhecimento da rutura da Altice e “pelos jornais”. “No passado dia 8 de agosto, no seguimento de uma de várias reuniões que vinham ocorrendo entre Governo, Altice e IP sobre este assunto, foi possível chegar a um acordo entre as partes, tendo sido ultrapassadas as divergências que subsistiam até essa data, relativas a custos e condições de implementação dos termos do protocolo”, sublinhou a mesma fonte.

Do lado da IP, a empresa pública falou em “exigências” colocadas pela Altice Portugal, garantindo que “sempre mostrou disponibilidade para aceder” às mesmas. “Não se compreende a posição agora assumida pela Altice, nem se reconhece fundamento para uma eventual denúncia do contrato, assinado entre as partes a 7 de dezembro de 2017″, comunicou a empresa.

Altice desmente Governo

Neste cenário, a Altice Portugal emitiu um segundo comunicado, onde dá uma versão diferente da que foi veiculada pelo Governo. Segundo o grupo, “quer a IPT, quer o Ministério das Infraestruturas, foram informados pela Altice Portugal sobre a decisão de renúncia do contrato nos dias 5 e 8 de agosto, e ainda hoje [terça-feira], por escrito, à primeira hora da manhã, numa comunicação remetida à IPT com conhecimento” do ministério tutelado por Pedro Nuno Santos.

“A Altice Portugal esclarece que o Governo tem conhecimento da decisão de rescisão do contrato com a IPT desde dia 5 de agosto, dia em que o presidente executivo da empresa [Alexandre Fonseca] reuniu e informou o Secretário de Estado das Comunicações [Alberto Souto de Miranda] dessa intenção, dando-lhe conta, novamente, de todas as dificuldades levantadas e obstáculos criados pela IPT ao longo de um ano e meio”, frisa ainda a segunda nota emitida esta terça-feira pela dona da Meo.

Em relação à reunião de dia 8 de agosto, sobre a qual o Governo refere que permitiu “chegar a um acordo entre as partes”, a Altice Portugal vem agora dar conta de uma expectativa diferente. “Esclarecemos que a reunião de dia 8 de agosto foi o momento que a Altice Portugal encontrou para poder, junto do Secretário de Estado das Infraestruturas [Jorge Delgado], denunciar o comportamento da IPT”, sublinhou a empresa.

A empresa conclui esta segunda nota, mostrando-se irredutível na decisão de romper com a IPT. “A Altice Portugal não admite perpetuar qualquer tipo de relação de parceria com quem não cumpriu minimamente as suas obrigações, sendo estas de interesse público”, conclui a companhia.

Protocolo previa 1.000 quilómetros de cabos enterrados. Ficou a faltar um 0

O ECO recuperou o comunicado de 21 de outubro de 2017, no qual a Altice Portugal e a IP anunciaram o protocolo que não teve sucesso. Nessa nota, as duas empresas admitiam que o acordo era “relevante no combate contra os impactos causados pelos incêndios, constituindo uma solução que permite contribuir e reforçar as medidas e meios de resposta de emergência e de prevenção”.

“Nas últimas semanas”, indicava a Altice na altura, as duas empresas “promoveram a realização de um levantamento exaustivo de todas as infraestruturas aptas a alojar elementos de rede” em áreas de risco de incêndio. Em causa, uma extensão total de 1.000 quilómetros de cabos que poderiam ser enterrados com recurso às condutas da IPT… até 2019.

Um ano e meio depois, a Altice Portugal pôde enterrar apenas 100 quilómetros de cabos de rede e nem os conseguiu ligar à rede geral da Meo, segundo esclareceu hoje a empresa. Ao que o ECO apurou, com a rutura do protocolo, a empresa tenciona também desinstalar a infraestrutura que tinha sido instalada.

De recordar que o primeiro-ministro, António Costa, foi um dos principais promotores da ideia de que o traçado aéreo da infraestrutura de rede deveria ser enterrado em condutas. Por várias vezes, o governante apontou o dedo à Altice pelas falhas de comunicações durante o grande incêndio de Pedrógão Grande (incluindo num debate quinzenal) e, em agosto de 2017, numa entrevista ao Expresso, reiterou responsabilizar a empresa por essas falhas, tendo falado em “substituir os cabos aéreos por cabos subterrâneos nas estradas que já disponham de calhas técnicas para o efeito, mas que estão vazias”.

Leia o comunicado da Altice e IP, de 21 de outubro de 2017, a anunciar o protocolo que não teve sucesso

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