BRANDS' ECO Inteligência artificial e data science
Como vão as novas tecnologias influenciar a área da peritagem médica? Como se pode colher big data nesta área? Vão as máquinas substituir os médicos peritos avaliadores na área da sinistralidade?
Como vão as novas tecnologias influenciar a área da peritagem médica? Como se pode colher big data nesta área? Vão as máquinas substituir os médicos peritos avaliadores na área da sinistralidade? De que forma vai a inteligência artificial contribuir para o sistema de apoio à decisão em sinistralidade laboral? Como vamos poder comparar uma perícia e uma contra-perícia em que uma delas não faz uso destas ferramentas tecnológicas? Como vai a indústria seguradora acelerar a sua implementação? Serão os outcomes destas ferramentas aceites como meios de prova em tribunal?
Estas são algumas das dúvidas e questões que serviram de mote para este artigo, no sentido de perceber: como se podem articular as novas tecnologias com a área médica pericial, quais são as tendências atuais e como se poderá no futuro, fazer prova em tribunal com estes novos dados.
Em termos de conceitos, realçamos as seguintes ferramentas tecnológicas:
Artificial intelligence é a inteligência das máquinas, que mimetiza funções cognitivas próprias dos humanos como aprender e/ou resolver problemas; esta inteligência cognitiva pode estar associada a outros tipos de inteligência como a emocional e/ou a social; os resultados destas ferramentas permitem aprender com experiências passadas e informar sobre decisões futuras, sendo por isso fundamental na tomada de decisões.
Machine learning é um subgrupo da Artificial inteligence também chamada de análise preditiva; consiste no uso de algoritmos e modelos estatísticos para realizar uma determinada tarefa, desenvolvidos através de um modelo matemático baseado em padrões e inferências de uma amostra de dados; seria sempre difícil desenvolver um algoritmo convencional com uma programação específica, por isso com este método não são usadas instruções explícitas para a tarefa a desenvolver; o resultado final é usado para fazer previsões ou decisões.
Deep learning faz parte dos métodos de machine learning; baseia-se em redes neurais artificiais sendo que a aprendizagem pode ter vários graus de supervisão; tem várias aplicações nomeadamente reconhecimento de imagem.
Data science é uma área multidisciplinar que permite extrair conhecimento de dados estruturados e não estruturados através de métodos estatísticos, análise de dados e machine learning.
A crescente influência das novas tecnologias no âmbito das peritagens médicas é uma realidade cada vez mais presente, apesar da resistência inerente por parte dos profissionais envolvidos que temem que a tecnologia, a robotização e outras soluções lhes possam retirar os seus próprios empregos.
Prevê-se que aplicações com uso de inteligência artificial e data science vão sem dúvida revolucionar esta área de atuação médica funcionado como ferramentas essenciais e complementares na avaliação pericial de incapacidades em sinistros de trabalho.
Assim, relacionado com a própria sinistralidade, trabalhador e seu contexto, as novas tecnologias vão permitir a criação de plataformas onde o perfil do trabalhador é construído através do seu histórico médico (condições médicas prévias, resultados biométricos e clínicos e evolução ao longo da carreira do trabalhador), historial profissional (profissões, funções profissionais e postos de trabalho assumidos ao longo do tempo, caracterização da entidade patronal e área de atividade) e dados da sua sinistralidade laboral (caracterização dos sinistros, tipo de lesões e sequelas resultantes, tratamentos efetuados, períodos de baixa médica, incapacidade temporária e/ou permanente, reintegração profissional). Este perfil poderá ser consultado pelo próprio trabalhador para além de monitorizado pelo empregador. Os dados extraídos destas plataformas vão permitir apostar na prevenção da sinistralidade, mudando hábitos e adotando medidas preventivas quer por parte do trabalhador mas também por parte da entidade empregadora. Vão permitir também estratificar o risco de sinistro, individualmente de acordo com cada trabalhador mas também de forma generalizada por profissão, tarefas profissionais, área de atividade e entidade empregadora. Ainda, através da identificação e deteção de padrões de sinistralidade vai ser possível prever reincidência de sinistralidade.
A criação de motores de busca de sinistros laborais implica a recolha sistematizada de informação que deve incluir dados do sinistro, trabalhador, entidade empregadora, profissão e área de atividade, diagnósticos médico-legais e resultados judiciais. Através da análise retrospetiva destes casos com o uso de inteligência artificial, o motor de pesquisa permite comparar casos semelhantes, realçar tendências, reconhecer casos atípicos (chamados outliers), bem como, identificar padrões de sinistralidade. Neste sentido estas ferramentas vão permitir prever outcomes de sinistros em termos de resultados médicos e médico-legais, nomeadamente períodos de doença por acidente, grau de incapacidade permanente para o trabalho e tipo de dependências em grandes incapacidades. Em termos práticos e a nível pericial esta informação permite ao médico avaliador por exemplo: perceber se o caso sai da normalidade e se sim, porquê e baseado em que dados; receber sugestões automáticas de propostas de incapacidade permanente, entre outras funcionalidades. Na área seguradora estes dados são fundamentais para uma adequada previsão do sinistro, avaliação do risco de sinistralidade, bem como, identificar possíveis casos de fraude.
A avaliação automática de se determinado trabalhador, vítima de acidente de trabalho, vai ficar curado sem sequelas (curado sem desvalorização) ou por outro lado, com incapacidade permanente profissional, é outra das possibilidades com estas ferramentas. Baseado nos dados médicos do trabalhador (como idade, género, doenças prévias, sinistros anteriores), do sinistro, tipo de lesões e respetivo tratamento médico-cirúrgico, através dos métodos de análise preditiva de machine learning sobre dados históricos inseridos, pode ser feita uma previsão da incapacidade e sua graduação em %, mesmo antes do caso ter sido concluído. A nosso ver estes dados são uma orientação fundamental para o médico avaliador que avalia com base em tabelas médicas objetivas orientadoras mas também muitas das vezes, na experiência e comparação de casos. Ora, por muito experiência e memória que o médico detenha, nada como uma máquina a selecionar e sugestionar casos relacionados e semelhantes no sentido de uma melhor avaliação. Apesar deste auxílio, o avaliador pode aferir e complementar estes resultados e validar as sugestões propostas mecanicamente com base na sua expertise e experiência pericial.
Outro desafio diário na área pericial é a atribuição de IPATH (incapacidade permanente para a profissão habitual) ou IPA (incapacidade permanente para qualquer trabalho) aos trabalhadores que sofrem um acidente de trabalho e do qual resultam sequelas importantes para a sua atividade profissional. Estes casos são socialmente complexos pela dificuldade na respetiva reintegração profissional mas também atendendo a que a própria atribuição destes parâmetros não segue orientações propriamente objetivas. Através da criação de um algoritmo específico para esta tarefa, é possível cruzar o tipo de sequelas pós-traumáticas vs a profissão e suas tarefas (job title e job description) e perceber se estes parâmetros devem ser considerados ou atribuídos.
Relativamente ao dano estético (atualmente atribuído de forma relativamente subjetiva), com o uso de métodos como deep learning, é possível fazer reconhecimento de imagens através do sistemas informáticos e permitir que este parâmetro seja classificado de forma automática. Por exemplo, com base nas características da imagem de uma cicatriz decorrente de um acidente, é possível graduar a incapacidade de forma sistematizada, não deixando espaços para enviesamentos.
A maioria das aplicações existentes no presente estão sobretudo a ser desenvolvidas no setor privado, sobretudo para aplicação na indústria seguradora. Encontram-se num processo inicial de implementação pelo que serão necessários mais dados para se comprovar a otimização de recursos e a facilidade na utilização pelos utilizadores finais.
Também a questão de uma das partes, em termos judiciais, usar estas ferramentas e a outra parte não usar, vai levantar questões de desigualdade pericial com as inerentes dificuldades em termos de conciliação judicial.
Apesar das novas tecnologias facilitarem os processos organizacionais e as tarefas administrativas e poderem simplificar diagnósticos médicos com uma ação preditiva significativamente importante, sem dúvida que a expertise médica, o conhecimento e a experiência adquirida dos médicos peritos não é facilmente substituível por computadores.
Acredita-se que estas ferramentas vão funcionar como um complemento ao trabalho médico ao torná-lo mais leve e divertido e não como um substituto do mesmo.
No futuro espera-se que a avaliação médica possa estar mais simplificada, sistematizada e objetiva o que vai implicar sempre uma cooperação entre os vários stakeholders: os médicos avaliadores, os próprios tribunais, as entidades empregadoras e inclusive os próprios trabalhadores, por meio dos sistemas operativos e das novas tecnologias.
O grande desafio será sempre partilhar resultados da aplicação das novas tecnologias como meio de prova em Tribunal. Será que os tribunais e as partes estarão abertas a estes novos dados inovadores?
*Ana Rita Pereira | Medicina legal | HONNUS (Portugal)
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