Proposta para orçamento plurianual da UE “não é um bom sinal”, diz Carlos Moedas
"É muito pouco para a Europa, sobretudo se queremos ter maior ambição na Defesa, não estou a ver como é que vamos conseguir, se vamos continuar a querer ter ambição na ciência", diz Carlos Moedas.
O ex-comissário europeu para a Ciência e Inovação Carlos Moedas considera que a nova proposta do Conselho Europeu para o orçamento plurianual da União Europeia (2021-2027) “não é um bom sinal para a Europa”.
“Obviamente não é um bom sinal para a Europa”, afirma, em entrevista à Lusa.
Carlos Moedas, que esteve na Comissão Europeia entre 2014 e 2019, compara a proposta, que prevê contribuições nacionais de 1,074% do Rendimento Nacional Bruto (RNB), com o orçamento federal dos Estados Unidos, para frisar a incompatibilidade dos valores em discussão com as ambições da UE. “O Orçamento do Estado americano federal são 20% do PIB americano, o orçamento, entre aspas, federal da União Europeia é 1%, portanto, a diferença é de 1 para 20”, diz.
O Orçamento do Estado americano federal são 20% do PIB americano, o orçamento, entre aspas, federal da União Europeia é 1%, portanto, a diferença é de 1 para 20.
“É muito pouco para a Europa, sobretudo se queremos ter maior ambição na área da Defesa, não estou a ver como é que vamos conseguir, se vamos continuar a querer ter ambição na área da ciência, […] se temos o drama que tem sido os refugiados, que vamos ter de continuar a encarar e a ajudar, [não sei] como é que vai ser”, explica, frisando que este tipo de valores “não é auspicioso de um bom futuro”.
O antigo comissário, que lança esta semana em Lisboa o livro “Vento Suão, Portugal e a Europa”, diz contudo ter esperança que até ao Conselho Europeu extraordinário da próxima quinta-feira “as coisas melhorem”.
“Isto é todo um processo, […] são negociações, e portanto o que vem hoje para cima da mesa não será o que sai”, assegura, embora sublinhe que a discussão ao nível do Conselho, constituído pelos líderes dos 27 Estados-membros, “é muito difícil, porque os países, cada um, quer a sua coisa, e aqueles que recebem não querem receber nem menos um euro e aqueles que dão não querem pagar nem mais um euro”.
Questionado sobre os avisos do Parlamento Europeu, que não só apresentou uma proposta mais ambiciosa, de 1,3%, como tem de aprovar o orçamento que sair do Conselho, Carlos Moedas frisa que esse “é o papel do Parlamento”: “Percebe que não é possível todas estas políticas que queremos fazer só com esse orçamento”.
“Penso que no fim do dia vai haver, tem de haver, acordo. Não interessa a ninguém não haver acordo”, insiste.
No fim do dia vai haver, tem de haver, acordo. Não interessa a ninguém não haver acordo.
Entre as áreas financiadas pelo quadro plurianual está a Ciência e Inovação, que tutelou, e que espera ver dotada dos valores previstos.
“Tive o gosto de deixar já acordado com o Parlamento e com os países, antes de me vir embora, a criação de um Conselho Europeu da Inovação […], com financiamento de mais de dez mil milhões só para essa transposição, translação, da ciência para a inovação”, explica.
Esse Conselho visa apoiar, acrescenta, a concretização do conhecimento científico, área em que “a Europa continua forte”, para o fabrico de produtos inovadores.
“Isso deixei acordado, aliás, deixei quase tudo no programa Futuro da Inovação e da Ciência acordado entre o Parlamento, a Comissão e os países, à exceção do número, só não conseguimos chegar a ter a certeza de que vão ser 100 mil milhões”, diz, frisando contudo ter “muita esperança que sejam” porque “toda a gente na Europa concorda” na necessidade de aumentar o orçamento para a inovação e para a ciência”.
Momento mais duro do mandato foi discussão das sanções a Portugal
O ex-comissário europeu Carlos Moedas aponta como “um momento duro” do seu mandato em Bruxelas a reunião em que se discutiram sanções a Portugal e elogia “a arte” de Jean-Claude Juncker, que permitiu que não fossem aprovadas.
“Esse foi um dos momentos mais complexos, mais difíceis, da minha vida na Comissão”, diz, em entrevista à Lusa, a propósito da reunião do Colégio de Comissários de julho de 2016.
Esse foi um dos momentos mais complexos, mais difíceis, da minha vida na Comissão.
“Porque, ao ser português, para explicar a situação aos meus colegas, tinha de explicar com argumentos muito racionais, porque senão eles diziam: ‘bom, ele está aqui a dizer que Portugal não devia ter uma multa porque é português’”, recorda.
Nessa reunião, explica, foi decisiva a ação do então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. “Ele esteve sempre do nosso lado e, naquela reunião magna, […] realmente a arte foi de Jean-Claude Juncker. […] Nesse dia, ele consegue fazer de maneira em que deixa falar primeiro uns [comissários] que ele sabia que tinham algumas dúvidas, depois deixa-me entrar com os meus argumentos e, depois, no fundo, remata”, conta, evocando um momento que considera “uma reunião histórica”.
Sobre os argumentos que utilizou para contrariar a hipótese de ser aplicada a Portugal uma multa de 0,2% do PIB (então 360 milhões de euros) por desrespeitar o limite de 3% do défice, Carlos Moedas explica que “tinham todos a ver com a capacidade que a própria Comissão tem de ser também um órgão político, que [Portugal] não estava a desrespeitar o pacto [de Estabilidade e Crescimento] e que havia alguma flexibilidade política que podia ser utilizada”.
A argumentação foi a todo o momento articulada com Juncker, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa, os quais elogiaram todos publicamente a atuação de Carlos Moedas.
Ainda estamos num momento frágil, mas penso que Von der Leyen tem sido uma figura marcante, tem uma comunicação extraordinária, […] e isso é importantíssimo para a Europa.
“Acho que se fez um trabalho de equipa que mostrou que é possível, sendo de partidos diferentes e tendo ideias diferentes, trabalhar em prol do país […] É muito raro em política ver isso”, frisa. “Mas foi duro. E agora, quando conto, parece que foi fácil”, diz. “Foi um dos episódios fortes, sem dúvida, um dos episódios mais fortes”, repete noutro passo.
Esse papel de Juncker, considera, não teve tanto a ver com a simpatia que o luxemburguês sempre assegurou ter por Portugal e pelos portugueses, mas como algo que “ajudou o próprio posicionamento” do presidente, que iniciou o mandato na Comissão afirmando o papel político da instituição.
“Isso criou alguma irritação nalguns países, entre eles a Alemanha, que não tinha nada a ver com Portugal, e [Juncker], com esta posição, no fundo, prova que em certos momentos a posição tem de ser política […], e aí é que foi talvez a arte, […] encontrar dentro do próprio tratado, que parece rígido, a flexibilidade, sem desrespeitar a lei”. “E portanto para ele também foi um momento político importante”, considera.
Para Carlos Moedas, esse maior caráter político da Comissão “é a identificação do próprio método comunitário”, por contraposição ao método intergovernamental por que se rege o Conselho, onde o que é decidido “é o mínimo denominador comum” e não “as melhores decisões, que são as tomadas pelo interesse de todos em comum”.
No livro que vai lançar na terça-feira, em Lisboa, com crónicas que escreveu ao longo do mandato como comissário europeu para Ciência e Inovação (2014-2019) – “Vento Suão, Portugal e a Europa” -, Jean-Claude Juncker escreve, no prefácio, que Carlos Moedas “contribuiu largamente” para a flexibilização do Pacto de Estabilidade.
“Ele contribuiu largamente para que esta Comissão fosse diferente, mais política, mais atenta às realidades nacionais. Penso aqui em particular na nossa decisão de dar uma outra grelha de leitura ao Pacto de Estabilidade, flexibilizando certas das suas disposições”, afirma Juncker, lembrando que essa flexibilização foi feita “contra a vontade de muitos dos Estados-membros”.
Questionado sobre um possível aprofundamento desse papel político da Comissão no futuro, Carlos Moedas adverte que “o momento agora é outro”.
“Tendo-se puxado para este lado, agora a senhora [presidente da Comissão Europeia, Ursula] Von der Leyen tem de manter esse caminho e tem de consolidar esse caminho. [Porque] aquilo que se ganhou ainda é pouco, continua a haver da parte de muitos países a ideia de que se se sentarem à volta da mesa e se forem eles a decidir, é melhor. Mas isso é mentira”.
Mas, sublinha, o momento atual caracteriza-se por um crescimento de forças “populistas extremistas [que] querem destruir esse método comunitário”, porque acreditam “numa Europa dos países” e podem “levar, no futuro, a não haver Comissão Europeia”.
“Acho que ainda estamos num momento frágil, mas penso que Von der Leyen tem sido uma figura marcante, tem uma comunicação extraordinária, […] e isso é importantíssimo para a Europa”, diz.
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