BEI cria “task force” para avaliar impactos do Luanda Leaks no banco

O BEI está a "passar a pente fino os créditos" concedidos que possam estar relacionados com Isabel dos Santos, uma pessoa politicamente exposta, para garantir que as regras foram todas cumpridas.

Os Luanda Leaks têm causado grande desconforto no seio do Banco Europeu de Investimento (BEI), levando a instituição liderada por Werner Hoyer a instalar uma espécie de task force no departamento de compliance para avaliar se todos os requisitos foram cumpridos nos vários créditos concedidos a empresas que têm algum tipo de ligação a Isabel dos Santos, apurou o ECO junto de várias fontes. O BEI garante que todas as regras foram cumpridas.

Este é um procedimento “normal” quando estão em causa temas “politicamente sensíveis”, que levam o BEI a “passar a pente fino os créditos” concedidos, nomeadamente a pessoas politicamente expostas, como é o caso de Isabel dos Santos, explicou ao ECO fonte conhecedora do modus operandi da instituição, que tem uma classificação AAA por parte das agências de rating.

Em causa estão, por exemplo, projetos da Nos e da Galp, empresas onde Isabel dos Santos é acionista (ainda que por via indireta), financiados pelo BEI. A Nos, que na altura ainda era Zon Optimus, recebeu em 2013, um empréstimo de 110 milhões de euros para apoiar investimentos com vista a reforçar os serviços de banda larga móvel em Portugal. “Este financiamento enquadrou-se nos objetivos do BEI e da Comissão Europeia de promover a melhoria da competitividade do mercado de comunicações e de apoiar a economia do conhecimento, contribuído também para coesão económica e social”, explicou ao ECO fonte oficial do banco.

Este projeto, localizado em Portugal, foi devidamente avaliado em linha com todas as elegibilidades relevantes, políticas e procedimentos do BEI“, acrescentou a mesma fonte oficial, sublinhando ainda que quem contraiu o crédito foi a Nos, “uma empresa portuguesa, cujas ações estão admitidas à negociação na Euronext Lisbon e, por isso, sujeita à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)” e, “no âmbito da sua atividade operacional, a Nos é regulada e supervisionada pela Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom)”.

Por isso, “o BEI entende que a Nos adotou e segue as boas práticas internacionais de governo societário, incluindo, designadamente, a criação de um Código de Ética do Grupo Nos e de um Comité de Ética”. Comité esse que decidiu ouvir os três administradores não executivos da Nos envolvidos no caso Luanda Leaks — Jorge Brito Pereira (chairman), Paula Oliveira e Mário Leite da Silva — e que acabaram por renunciar aos cargos a 23 de janeiro.

Por outro lado, existem também projetos financiados pelo BEI em Portugal promovidos pela Galp, como por exemplo, o projeto de construção de novas refinarias em Sines e no Porto (500 milhões de euros), que a instituição garante que também cumprem com “todas as elegibilidades relevantes, políticas e procedimentos do BEI” e que, tal como a Nos, trata-se de “uma empresa cotada, regulada e supervisionada por entidades independentes”, neste caso, a CMVM e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Até à data, a Galp e a Nos cumprem com as suas obrigações no âmbito dos contratos existentes com o BEI“, garante fonte oficial do banco com sede no Luxemburgo, acrescentando que, “na sequência dos procedimentos padrão, o BEI monitoriza estas operações, incluindo as relações empresariais, numa avaliação contínua”. Uma afirmação consistente com a criação da referida task force depois de o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) ter revelado a 19 de janeiro mais de 715 mil ficheiros, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.

O BEI garante ainda que “não concedeu financiamentos diretos à Eng.ª Isabel dos Santos ou a entidades por esta direta ou indiretamente controladas“, acrescenta fonte oficial.

A Nos tem como acionista maioritária a Zopt, que controla 52,15% do capital da telecom nacional. A Zopt é detida pela Sonae (através da Sonaecom) e por Isabel dos Santos (através da Kento e da Unitel) e, até ao rebentar dos Luanda Leaks, o chairman Jorge Brito Pereira e os dois administradores não executivos, Mário Leite da Silva e Paula Oliveira, eram pessoas de confiança da empresária angolana. Jorge Brito Pereira foi responsável pela constituição da empresa offshore no Dubai, para onde terão sido transferidos 100 milhões de dólares da Sonangol. Mário Leite da Silva é considerado o “braço-direito” de Isabel dos Santos nos negócios suspeitos investigados pela imprensa. E Paula Oliveira terá tido sob seu controlo a sociedade offshore designada de Matter Business Solutions no Dubai. Dois administradores não executivos já foram constituídos arguidos pela Procuradoria Geral da República angolana.

Já ao nível da Galp, Isabel dos Santos detém 40% da Esperaza (os restantes 60% são detidos pela Sonangol) que, por sua vez, é dona de 45% da Amorim Energia, que é proprietária de 33,3% da petrolífera portuguesa.

Administrador não executivo do Eurobic no comité de auditoria do BEI

Mas os pontos de contacto entre o BEI e Isabel dos Santos não ficam por aqui. O Eurobic também entra na equação, uma vez o ex-presidente do comité de auditoria do BEI, Duarte Pitta Ferraz, é administrador não executivo do banco que é controlado por Isabel dos Santos. A empresária angolana detinha 42,5% do capital do banco e Fernando Teles 37,5%. Mas, na sequência dos Luanda Leaks, o banco está prestes a ser vendido aos espanhóis do Abanca. “O Abanca acordou a compra de 95% das ações do EuroBic. O Banco de Portugal foi informado em detalhe dos termos da operação”, anunciou o banco, com sede na Galiza, numa nota enviada às redações a 10 de fevereiro.

De acordo com o BEI, Pitta Ferraz passou a integrar o comité de auditoria em 2013 e assumiu a presidência desse órgão entre 2018 e 2019. Agora tem uma posição de observador, sendo que “o seu mandato termina em meados de 2020”, explicou fonte oficial do BEI. O comité é composto por seis membros, nomeados pelo conselho de governadores por um mandato não renovável de seis anos consecutivos.

Quando Pitta Ferraz decidiu aceitar o cargo de diretor não executivo do Banco BIC Português, em 2016, “informou o então presidente do comité de auditoria do BEI, de acordo com as regras aplicáveis”, sendo que “foi sublinhado que a sua nomeação” para o BIC “foi aprovada pelo supervisor e regulador do sistema bancário português”, ou seja, o Banco de Portugal, especificou fonte oficial do BEI, acrescentando que “o BEI nunca teve operações com o Banco BIC Português SA”.

Este é o argumento que o próprio esgrime para justificar que não existem incompatibilidades entre os dois cargos. “Escrevi imediatamente ao comité de auditoria, assim que foi feita a ligação entre a Matter Business Solutions e a Eng. Isabel dos Santos, para o banco de pronunciar”, sobre a situação, que o próprio Pitta Ferraz garante que desconhecia, contou ao ECO o administrador não executivo do Eurobic. O primeiro relatório, “onde foram elencadas as circunstâncias”, já foi alvo de atualizações posteriores, explicou o responsável, acrescentando que o documento foi enviado não só ao presidente do comité de auditoria, mas também ao comité de ética, do qual fez parte até há seis meses, apesar de as regras não o exigirem.

Duarte Pitta Ferraz ainda não recebeu qualquer feedback do BEI relativamente a estas comunicações, através das quais foi “mantendo a instituição ao corrente”, mas admite que apenas possa estar em causa uma “preocupação reputacional”, já que em termos de conflitos de interesse esses não existem, garante, até porque sempre fez questão de “nunca promover relações comerciais entre o Eurobic e o BEI”. “Aí sim, estaria conflituado e sairia do banco”, garantiu.

Duarte Pitta Ferraz, que é agora observador deste mesmo comité de auditoria, acumula ainda o cargo de administrador não executivo na Infraestruturas de Portugal, é membro do conselho fiscal do Grupo Champalimaud e dá aulas na Universidade Nova, tendo em conta que é um especialista em corporate governance.

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